Discos - com ficha técnica

Sergio Krakowski lança álbum ‘Boca do Tempo’, pela Rocinante

A gravadora Rocinante lança “Boca do Tempo”, novo trabalho do pandeirista, compositor e pesquisador Sergio Krakowski. Fruto de mais de duas décadas de experimentação musical, o álbum inaugura uma nova etapa em sua trajetória: pela primeira vez, a voz e a palavra assumem papel central em sua obra, entrelaçadas ao improviso livre, ao pandeiro e à eletrônica.
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“Foi no primeiro dia do ano, quando as duas pontas se encontram, que entendi a essência deste disco: o elo”, afirma o artista. “O chamado de fato aconteceu quando meu pai, Osvaldo, morreu. A boca do tempo. Passou, então, a ser inadiável consolidar uma resposta; passou a ser imprescindível usar também a boca, a voz, o ar”.

Composto por nove faixas, “Boca do Tempo” é um disco de travessia entre a morte do pai e o nascimento do filho, Sergio transforma a escuta em um fluxo de sentidos, onde ritmo, fala e experimentações se complementam. Gravado em Araras, após dezenas de apresentações moldarem o som, o álbum tem produção de Pedro Durães e direção artística do próprio Sergio e de Sylvio Fraga.
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Essa tensão entre palavra e ritmo se materializa nas chamadas Engrenagens Sonoras de Ativação: pequenos poemas rítmicos criados a partir de uma técnica vocal inspirada na fala percussiva popular brasileira. “Percebi que a forma popular de ‘falar um ritmo’ no Brasil não é aleatória”, explica. Ao aplicar essa estrutura às sílabas das palavras, Sergio cria células percussivas de sentido, como “Nunca ninguém não quer” e “Dongueragan”, esta última escolhida como single, já disponível nas plataformas de áudio.

‘Dongueragan’ vem do verso ‘Don’t get a gun to get to God’. A letra segue uma regra estrita: alternância entre sons feitos com a ponta e a parte de trás da língua. Ao transpor essa técnica vocal-percussiva para palavras, criei os micro-poemas ressoadores de sentido. Por isso escolhi essa faixa como single: ela é pequena, direta, só voz e pandeiro e sintetiza a espinha dorsal do disco”.
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A faísca inicial do disco veio com “Alga”, composta após a morte do pai. “A primeira imagem dessa música nasceu de uma das cenas iniciais do filme Solaris, onde as algas dançam na água. […] Quando meu pai morreu, me veio essa vontade de desenvolver essa canção falando a respeito da ‘boca do tempo’ que consome a nossa experiência terrena”.
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A experiência da perda, somada à conjuntura política global, fez surgir também a urgência da voz. “Além de responder ao chamado que diz respeito ao inconcebível que é a morte, a voz cumpre o papel de posicionamento político frente à ascensão do fascismo no mundo”.

Além de “Alga” e “Dongueragan”, faixas como “Renegue Não” e “Chica” compõem o disco. “Chica” homenageia Chiquinha Gonzaga e outras mulheres criadoras. Já “Renegue Não” pergunta: Quem não consegue o de comer, como é que vai contar com a paz?.
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Com participação ativa em diferentes linguagens musicais, Sergio Krakowski é um dos nomes mais inventivos da percussão brasileira atual. Bacharel e mestre em Matemática pela UFRJ, com doutorado em Computação Musical, o artista desenvolveu softwares que permitem que o pandeiro controle a projeção de vídeos, a geração de loops e efeitos, estabelecendo um diálogo em tempo real entre percussionista e máquina. Essa fusão entre técnica, invenção e expressão emocional atinge em “Boca do Tempo” sua forma mais pessoal até aqui.
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“Aprendi que o ato de tocar é, pra mim, a busca por um estado de consciência absoluta. Com o tempo, entendi que aceitar as minhas limitações me permite acessar esse mundo do som com mais clareza”, conclui.
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“Boca do Tempo” estará disponível em vinil e em todas as plataformas digitais a partir de 16 de julho pela gravadora Rocinante.

Capa do disco ‘Boca do Tempo’ • Sergio Krakowski • Rocinante • 2025

Disco ‘Boca do Tempo’ • Sergio Krakowski • Rocinante • 2025
Música / compositor
Lado A  (18:21)
1. Elebara (domínio público)
2. Nunca ninguém não quer (Sergio Krakowski)
3. Dongueragan (Sergio Krakowski)
4. Avalanche (Sergio Krakowski)
Lado B  (19:18)
5. Chica (Sergio Krakowski)
6. Elo (Sergio Krakowski)
7. Alga (Sergio Krakowski)
8. Dentro do dentro (Sergio Krakowski)
9. Renegue não (Sergio Krakowski)
– ficha técnica –
Pandeiro, voz e programação eletrônica: Sergio Krakowski | Direção artística: Sergio Krakowski e Sylvio Fraga | Produção musical: Pedro Durães | Direção musical: Sergio Krakowski | Gravação: Arthur Damásio e Flávio Marcos Batata | Mistura: Pedro Durães | Masterização: Zino Mikorey | Edição: Pedro Durães | Coordenação artística: Jhê | Coordenação técnica: Flávio Marcos Batata | Projeto gráfico: Celso Longo + Daniel Trench | Fotografias: Lucca Mezzacappa | Direção de produção: Geraldinho Magalhães | Produção executiva: Alessandra Ramalho e Raquel Cardoso | Produção local: Alethéa Perdigão | Assessoria de imprensa: Pantim Comunicação / Dayw Vilar e Tathianna Nunes | Selo: Rocinante | Formato: CD digital e LP/vinil | Ano: 2025 | Lançamento: 16 de julho | ♪Ouça o álbum: clique aqui | ♩Compre o LP Vinilclique aqui.

Sergio Krakowski – foto: Lucca Mezzacappa

Boca do Tempo, por Sergio Krakowski
Foi no primeiro dia do ano, quando as duas pontas se encontram, que entendi a essência deste disco: o elo.
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O trabalho que compõe o resultado sonoro que vocês escutam agora começou há 25 anos. Eu já entendia que me dedicaria profundamente à música improvisada usando o pandeiro, mas o contexto musical aqui presente ainda era um desejo longínquo.
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Queria poder estender a sonoridade do instrumento, mas não tinha os meios. Foram muitas experiências desde o Tira Poeira, passando pelo Chorofunk e um Doutorado em Computação Musical pelo IMPA, onde criei as primeiras peças em que o pandeiro controlava vídeo e áudio.

Foi morando em NY que o som tomou corpo, graças tanto aos encontros musicais com grandes improvisadores quanto ao abandono das amarras teóricas — abandono que me permitiria desenvolver a máquina mais simples e eficiente possível para criar a narrativa musical que constitui este disco.
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Mas o chamado de fato aconteceu quando meu pai, Osvaldo, morreu. A boca do tempo.
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Passou, então, a ser inadiável consolidar uma resposta; passou a ser imprescindível usar também a boca, a voz, o ar.
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Surgiu a canção Alga, em homenagem ao meu pai, e Chica, em homenagem a Chiquinha Gonzaga e tantas outras mulheres criadoras do nosso nome.

Na mesma época, eu estava extasiado com uma descoberta acerca da nossa música. Percebi que a forma popular de “falar um ritmo” no Brasil não é aleatória, que regras estritas balizam a escolha da sequência de onomatopeias que constituem essa fala, e é isso que faz dela algo extremamente eficiente em relação à mecânica do aparato vocal, para dar conta de frases muito complexas e rápidas encontradas no contexto das escolas de samba, por exemplo.
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Aplicando tais regras não a onomatopéias, mas às sílabas das palavras, criei as Engrenagens Sonoras de Ativação, micro-poemas rítmicos que seguem um padrão rigoroso de composição, e que servem como elemento percussivo ressoador de sentido. São eles “Nunca ninguém não quer”, “Don’t get a gun to get to God” e “Quem não consegue o de comer, como é que vai contar com a paz?”, além de outros versos do álbum que, somados às canções, constituem a parte vocal da resposta.
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Feito isso, a proposta era clara: criar uma narrativa improvisada que costurasse os elementos verbais. Era a forma de quebrar o fluxo sonoro de improvisação livre, criado com pandeiro e eletrônica, através da palavra, elemento de comunicação imediata.

Dezenas de apresentações moldaram este som, até chegarmos no que foi gravado em Araras.
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Nessa última etapa, Pedro Durães foi um amigo fundamental na arte de conduzir os climas das improvisações, para conseguir capturar a fluidez do trabalho em fonograma.
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Mas a total compreensão do significado profundo deste disco veio no primeiro dia do ano, quando as duas pontas se encontram. Entre a morte do meu pai e a cristalização da obra, aconteceu o maior milagre da minha vida, o nascimento do meu filho, Caetano. É disso que trato aqui, do maravilhoso árduo trabalho de ser o elo entre meu pai e meu filho, e de como a caminhada do filho ressoa calada no colo do pai.
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Canção / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske

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