Um grande mestre no campo da educação, Morin defende o aprendizado a partir do erro e o estudo do conhecimento já no ensino fundamental. “A autoridade dos professores está em crise porque a escola não tem conseguido se adaptar à nova autonomia dos jovens”. O filósofo francês Edgar Morin fala sobre um dos temas que o tornou uma influência mundial, a educação. Doutor honoris causa em 17 universidades, Morin não acredita na educação que vem de cima, a lápis vermelho e castigo. Ele é a favor de um diálogo contínuo na magnífica aventura do conhecimento. Há alguns anos Morin se questiona sobre as novas fronteiras da pedagogia, e no manifesto Ensinando a viver, ele imagina uma revolução educacional do século XXI, uma “metamorfose”, diz ele, que pode reconstruir as bases do ensino, em sintonia com a nossa civilização, cada vez mais interligadas e multidisciplinares. “É errado privilegiar uma cultura científica, tecnocrática, sacrificando uma cultura humanista”, explica o intelectual francês.

Confira a entrevista a seguir:

O que significa ensinar a viver?
Edgar Morin: Aprender não significa apenas saber gramática, matemática, um pouco de geografia e história. As escolas devem cuidar de nossa dupla aspiração: realizar-nos como indivíduos, em nossas atitudes, habilidades e construir vínculos dentro de uma comunidade. Os professores devem, antes de tudo, estar conscientes de que as crianças devem ser acompanhadas nesta dupla aspiração.

Você se propõe a introduzir o estudo do conhecimento, a epistemologia, já no ensino fundamental. Por quê?
Edgar Morin: O estudo do conhecimento deveria ser a primeira coisa a ser ensinada. Em particular, para devolver espaço e dignidade ao erro. Se olharmos para o século XX, vemos apenas uma sequência de erros: as pessoas eram comunistas, fascistas, acreditavam em revoluções ou falência de ideologias. Muitas descobertas também foram feitas por erros. O conhecimento não é um caminho linear, mas cheio de armadilhas, dúvidas, correções.

O erro deve ser aceito e não punido?
Edgar Morin: “Todo erro deve ser analisado, entendido: é uma oportunidade extraordinária de progredir. A escola ensina muitas certezas, mas ninguém explica às crianças que a vida é feita sobretudo de incertezas: saúde, economia, guerras. Já no ensino fundamental as crianças devem ser educadas para a incerteza, que faz parte da existência, e devem ser capazes de reconhecer erros e ilusões. A melhor forma de fazer isso é ter uma abordagem multidisciplinar do conhecimento.”

É o “pensamento complexo” que você definiu anos atrás?
Edgar Morin: A separação das disciplinas hoje não faz mais sentido. É todo o sistema educacional contemporâneo, fundado na disjunção entre ciência e cultura humanística, que deve ser revolucionado. Infelizmente, a maior resistência a essa abordagem vem dos professores. Eles não têm mais o prestígio de outrora, foram desafiados pelas famílias e, por isso, refugiam-se na defesa da soberania dos seus súditos. É um pecado.

Você fala de uma “regeneração de Eros” na escola. O que Eros tem a ver com isso?
Edgar Morin: O Eros, no sentido do desejo, está presente no amor pelo conhecimento que os professores tinham quando escolheram a sua profissão e que hoje devem reencontrar.
Nas crianças e nos jovens, Eros está presente naquela curiosidade maravilhosa por todas as coisas, infelizmente muitas vezes frustrada por um ensino que divide a realidade em pedaços separados, com o qual até a literatura se torna enfadonha na era semiótica.

Você é contra as notas, os boletins?
Edgar Morin: Os julgamentos dos professores são mais importantes do que as notas. Talvez as notas possam ser mantidas em algumas disciplinas de ciências, mas nas humanidades não.

Como usar a Internet e as novas tecnologias na escola do século XXI?
Edgar Morin: O professor não deve mais distribuir conhecimentos prioritariamente aos alunos, mas sim corrigir, comentar, se tornar uma espécie de maestro, em diálogo contínuo. Ele também deve estimular o espírito crítico.
A internet oferece informação gratuita, mas também circula fake news e teorias malucas. Estamos perante o problema permanente do conhecimento humano: distinguir entre o verdadeiro e o falso. A única forma de lutar contra a propagação da falsidade é buscar múltiplas fontes de informação. A pluralidade permite a procura da verdade.

(Via La Repubblica / Fronteira)

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