A comédia stand-up, do inglês stand-up comedy, é um tipo de espetáculo de humor na qual o humorista se faz valer de um próprio roteiro construído geralmente com base em suas observações e opiniões cotidianas expressadas para a plateia, e, muitas vezes, interage diretamente com a audiência. Os textos costumam variar em termos de assuntos e temas abordados, mas é recorrente, para alguns tipos de humoristas, que remontem à críticas e pontuações mordazes, mantendo o tom cômico por todo o tempo.

O gênero costuma ser protagonizado por homens, o que não é diferente para a comédia e o humor como um todo, nichos muitas vezes restritos para vozes masculinas. A provável razão por trás é, obviamente, uma cultura de entretenimento que começou a ser construída pela experiência, protagonismo e público masculino, o que, por muito tempo, teve como revés retirar os holofotes de talentos femininos. Por isso, muitas vezes somos levados a enxergar a comédia e o humor direcionadas a apenas uma perspectiva de gênero, quando o leque de opções é muito maior.

Assim, poderia citar talentos locais como Tatá Werneck e Dani Calabresa, a cada dia ganhando mais reconhecimento e espaço dentro do humor e entretenimento brasileiros. Ambas, também, já fizeram números de stand-up. Mas preferi fazer cinco indicações de humoristas com números de comédia disponíveis na Netflix, pela maior facilidade de acesso. A ironia, porém, de fazer uma resenha sobre números de humor é que não se pode passar pela crítica sua comicidade, mas ainda assim vale a recomendação:

revistaprosaversoearte.com - Mulheres no Humor: Stand-up comedy de protagonismo feminino - Clarice Lippmann

5 – Jen Kirkman – I’m Gonna Die Alone (and I feel fine)

De humor ácido e sarcástico, o especial de Jen Kirkman fala sobre como lidar com o fim de um casamento de décadas, a solidão e a sensação de não se encaixar como um todo nas expectativas sociais patriarcais sobre as mulheres. Aborda com honestidade brutal a pressão imposta sobre as mulheres para que desejem ter filhos e um relacionamento – e como somos julgadas quando não queremos ser mães, não nos interessamos por crianças e nem queremos um relacionamento sério – e ousamos admitir que estamos felizes assim.

A maior parte do humor critica essa vexação à livre sexualidade feminina, comentando, por exemplo, sobre os encontros que a humorista teve com um homem muito mais novo e como a sociedade não encara bem a diferença etária, quando a mulher é a mais velha da relação.

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4 – Cristella Allonzo – Lower Classy

Cristela Alonzo é a primeira de sua família a viver nos Estados Unidos, filha de imigrantes mexicanos. Em suas tiradas, comenta sobre o choque cultural que sempre lidou, comparando a rotina, tradições e as expectativas de sua família e a cultura típica norte-americana. Boa parte de seu número é voltado para criticar os preconceitos lidados por latinos e pessoas de baixa renda, bem como as dificuldades de crescer em um país com graves índices de xenofobia, tudo pela sua ótica de filha de mexicanos e de alguns recortes de histórias de sua mãe.

Logo na abertura do stand-up ela fala sobre os absurdos da construção do muro planejada por Trump, soltando: “acho que eu deixei cair alguma coisa aqui no palco. A verdade”.

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3 – Chelsea Peretti – One of the Greats

Chelsea Peretti, conhecida por interpretar Gina Linetti na série de comédia Brooklyn 99, apresenta um stand-up de humor mordaz, debochando da cultura da masculinidade frágil, a toxicidade das competições femininas e outras hipocrisias sociais.

Comenta também as dificuldades que teve em sua carreira como atriz e humorista pelos padrões opressivos de Hollywood, e conta sobre os desafios que enfrentou no cotidiano de uma mulher despontando como humorista, em contraposição a uma maioria masculina.

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2 – Iliza Shlesinger – Elder Millennial

Única mulher vencedora da NBC‘s LastComicStanding (e também mais jovem competidora a ganhar o prêmio), Iliza Shlesinger se destaca como comediante performando um número de stand-up voltado principalmente para mulheres da geração “millennial” e a ótica feminina sobre a vida.

Expectativas, frustrações, medos, anseios, desejos, contradições, todas as sortes de perspectivas possíveis do ponto de vista feminino são pontuadas em seu estilo mais direto e ácido. A humorista expõe e critica com sagacidade muitos dos males do machismo e as contradições que nós mesmas retroalimentamos, quando introjetamos esses anseios masculinos em nossas vidas.

Apesar de, por vezes, acabar reforçando alguns estereótipos de gênero, o humor de Iliza quase sempre é certeiro. Impossível assistir e não se sentir representada em algum momento.

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1 – Hannah Gadsby – Nanette

Talvez o stand-up mais inovador que já tive oportunidade de assistir, Hannah Gadsby não apenas dá uma aula de como escrever humor, como consegue levar a plateia aos risos e também a silêncios desconfortáveis, constrangedores até, propositalmente inseridos em pontos-chaves neste número impactante e genial. Aborda sem medo temas difíceis como misoginia, homofobia, romantização de doenças mentais e opressão contra a mulher lésbica.

Como a própria humorista diz, o humor precisa de “timing”, precisa criar tensão para depois elimina-la. É um processo de constante dualidade. E, em seu número primorosamente escrito, ela pretende se despedir dos seus dias como comediante, como uma forma de crítica aos abusos que sofreu por toda a vida como mulher assumidamente homossexual. Admite, ao longo de sua apresentação, que seu humor muitas vezes se voltava contra si mesma, e que “autodepreciação quando se é alguém perseguido e oprimido não é humor, é humilhação”.

Sua genialidade está no fato de que foi capaz de criar um número politizado e crítico do início ao fim, mas em momento algum ela tenta atacar a audiência ou doutrina-la de maneira demagoga. Ela tenta, apenas, fazer um meio de maioria privilegiada compreender a vida pelos olhos dos indivíduos mais oprimidos. Um exercício de humor, humildade e empatia.

Cada uma dessas cinco comediantes tem histórias e perspectivas diferentes, ainda que se alinhem no tema do feminino em um aspecto mais amplo e identitário. E, justamente, por suas diferentes maneiras de se expressar e interpretar seus números, comprovam não só a amplitude do talento feminino para o humor, como ganham espaço em um meio ainda proeminentemente masculino. Que nossos risos sigam, enfim, para todos os gêneros.

Clarice Lippmann, colunista da Revista Prosa, Verso e Arte. Roteirista, advogada formada em Direito pela PUC-Rio e estudante entusiasta de Filosofia.

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