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Meleah Laff: o flerte ingênuo das mulheres baladi – Nati Alfaya

Inicio esse texto desmistificando um ponto que ainda causa muito mal-entendido e erros na interpretação e execução da dança Meleah Laff entre as bailarinas, sejam elas profissionais ou amadoras. Meleah Laff NÃO é uma dança folclórica.

Existem 4 requisitos principais, definidos pela UNESCO para uma manifestação (não apenas dança, mas qualquer forma de manifestação) ser considerada folclórica, sendo: 1 – tradicionalidade (ela é passada de forma tradicional, de geração em geração, como parte de um contexto cultural); 2 – funcionalidade (em sua origem ela teve uma função, um motivo pelo qual espontaneamente surgiu em determinada comunidade); 3 – aceitação coletiva (que uma determinada comunidade abrace aquela manifestação como parte de seu contexto cultural e tradicional); e 4 – entretenimento (além da função que lhe deu origem, a manifestação tem como objetivo entreter e ser executada e apresentada para outras pessoas como forma de divertimento).

A Meleah Laff não possui nenhum destes requisitos e, portanto, não pode ser apresentada como se fosse um folclore.

Este estilo de dança foi criado por Mahmoud Reda e algumas das bailarinas da Trupe Rena como uma encenação, pensada para o palco, de determinada vestimenta e comportamento das mulheres baladis, especialmente nas cidades do Cairo e de Alexandria, no século passado, quando o uso do meleah era moda.

Mas para entender esse surgimento, é preciso pensar no que significa a expressão “meleah laff”. Meleah pode ser traduzido do árabe como “véu”, enquanto a palavra laff significa “enrolado”, assim, a expressão meleah laff pode ser traduzida como “véu enrolado”.
No período entre o final do século XIX e início do século XX, era moda entre as mulheres baladi usarem o meleah, este véu preto, opaco e grande, para se enrolarem dos pés à cabeça quando saíam às ruas, era uma forma de demonstrar recato e dignidade.

Não demorou para que este acessório passasse a ser instrumento principal de um jogo de flerte e sedução muito espontâneo e recatado, quase ingênuo, entre as mulheres baladi e os rapazes na rua. Esse jogo consistia em a mulher usar o meleah bem apertado ao corpo, de forma a marcar suas curvas e, “acidentalmente” deixar partes do meleah escorregarem pelo corpo, parando para se ajeitar novamente aqui e ali. É um flerte muito inocente e discreto, uma vez que, para as mulheres baladi, nada e mais importante que a moral, a honra e o recato.

Foi este jogo de sedução que foi interpretado e levado aos palcos por Mahmoud Reda e sua trupe.

A dança é marcada por movimentos mais simples e charmosos, o foco não é uma elevada habilidade técnica, mas sim o carisma, a graciosidade, e todo o jogo de uma mulher que quer e sabe seduzir sem exagerar nem se tornar “vulgar” dentro de seus padrões éticos. Mas é interessante notar que existem 2 estilos bem diferenciados de Meleah Laff, um que é característico de Alexandria, muito mais comum, e outro que se caracteriza mais pelo comportamento das mulheres baladi residentes do Cairo.

Falando primeiro do estilo de Alexandria, que é de longe o que mais comumente se vê nas apresentações, este é marcado por um comportamento mais solto e “espevitado”, as mulheres dessa cidade são conhecidas por serem extremamente charmosas, bonitas, fortes e corajosas. Devido às longas ausências dos homens que saem para trabalhar no mar, elas tem um certo grau de independência, andando sozinhas e precisando se defender da abordagem de turistas (que são atraídos pelas praias e balneários elegantes), que normalmente sofrem com golpes de tamanco ou do próprio meleah caso a mulher se sinta ofendida.

Por se tratar de uma cidade praiana, as vestimentas das mulheres tendem a ser mais leves, frescas e curtas, a chamada galabeya skandarani (ou seja, galabeya originária de Alexandria), muito colorida e com muitos babados.

O vídeo abaixo, da dançarina Aziza, Noca Zelândia, é um bom exemplo deste estilo.

Já o Meleah Laff que retrata as mulheres baladi que no século passado residiam no Cairo, tem um humor um pouco diferente. Mais contido, reservado e até recatado, embora mantenha o mesmo carisma, charme e intenção de seduzir e chamar atenção para si. A vestimenta é a galabeya longa, lisa ou estampada, típica das mulheres baladi. Abaixo o vídeo da dançarina Amanda Rose ilustra muito bem este estilo da capital.

Em ambos os estilos existe pouca variação em relação aos ritmos encontrados e à musicalidade, usualmente estão presentes os ritmos mais simples e populares, como o fallahi, malfuf, maksum, masmoud e said. E os instrumentos mais encontrados são a mijuiz (espécie de flauta supla), o acordeón e o nay (flauta fina de bambu). Mas dependendo do ritmo ou gênero musical escolhido (já que podem ser usados o baladi moderno, o shaabi e a semsemeya, do Mamboty) podem aparecer outros instrumentos.

Uma das primeiras bailarinas a incorporar o Meleah Laff em suas apresentações e, com isso, popularizar o estilo no cenário artístico das danças orientais árabes, foi Fifi Abdo, que despensa maiores apresentações.

Em resumo, esta dança é alegre, divertida, charmosa e sedutora sem perder o recato e até um ar de inocência.

Nati Alfaya, dançarina árabe com 10 anos de estudo e prática, parte do grupo Caravana Lua do Oriente – Companhia de Danças Árabes, sediado em Londrina, Paraná, escreve sobre as danças árabes em suas diversas formas tendo um amor especial pelos folclores.

Outros textos de Nati Alfaya:
Nati Alfaya (textos e ensaios)

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