segunda-feira, outubro 14, 2024

João da Baiana – entrevista: A memória viva do Rio

“A memória viva do Rio”. Entrevista com João da Baiana, por José Ramos Tinhorão, publicada originalmente na revista Veja, em 28 de julho de 1971, na  edição nº 151.
Sinhô, Santos-Dumont, samba, avenida Rio Branco, Caninha, Dom Pedro II e outras recordações de João da Baiana
por José Ramos Tinhorão
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Até bem pouco tempo, quando o velho João da Baiana ainda podia descer a pé a avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro (chapéu desabado, tipo Santos-Dumont, gravata “plastron”, calça riscadinha, paletó de alpaca e um característico cravo vermelho na lapela), as pessoas que se viravam para ver aquele curioso personagem não podiam suspeitar que estavam diante de quase um século de História da própria cidade. João da Baiana – “de Ogum e de Xangô”, como ele sempre fez questão de acrescentar, afirmando as suas origens africanas – já caminhava para os catorze anos quando o século XIX terminou, e um dos primeiros empregos, no início do século XX, foi o de trabalhador nas obras de demolição dos 641 prédios de vinte ruas do centro do Rio que dariam passagem a avenida Central (hoje Rio Branco). E como o próprio João gosta de lembrar – com um meio sorriso que denuncia um secreto orgulho de antigo malandro e guarda-costa de políticos da primeira República -, sua participação na abertura da avenida só constituiu mesmo um emprego, e nunca um trabalho. O prefeito Pereira Passos autorizara o engenheiro Paulo Frontin a contratar centenas de trabalhadores a 1.800 réis por dia, para respirar poeira durante doze horas, no trabalho duro da demolição, mas João da Baiana e alguns outros moradores da zona de valentes do bairro da Saúde encontraram uma fórmula de realizar na prática o velho aforismo de que para ganhar pouco é melhor não trabalhar. Como havia dois livros de ponto, um na praça Mauá, outro na altura do futuro Obelisco, João assinava o ponto num extremo, saía com umas telhas na cabeça “para disfarçar”, e de tarde ia fechar o ponto no outro extremo das obras, ficando com o dia inteiro para o esportivo exercício das rodas de capoeira. Hoje, com 84 anos, João Machado Guedes, o neto de africanos e filho da baiana Perciliana de Santo Amaro (uma das muitas “tias” baianas componentes dos primeiros ranchos cariocas), já não pode caminhar pela avenida de 1.800 metros de comprimento e 32 metros de largura, que tão simbolicamente ajudou a abrir. Desde o início do ano, uma ameaça de derrame, agravado nas últimas semanas por um reumatismo implacável trazido pela inverno, faz João viver solitário em seu modesto quarto de fundos da rua Gonzaga Duque, 63, no subúrbio carioca de Ramos. Mas, se as penas se negam a levá-lo novamente aos pontos com que mais se identificava na cidade que viu crescer (o “hall” do edifício de “A noite”, onde engraxava os sapatos; o restaurante Porto à vista, da rua da Lavradio, onde “o português meu amigo sem orgulho/ me sapeca um caldo grosso/ carregado no entulho”, ou o bar do largo do São Francisco da Prainha, onde revia amigos de meio século atrás), a memória de João da Baiana ainda é capaz de levá-lo de volta aos fins do séculos XIX com uma lucides e uma agilidade de moço. Sentado na única cadeira do seu quarto (onde só há uma cama, um armário e um peji com seus santos, armado atrás da porta), o velho ritmista, compositor e cantor popular que poderia ter enveredado pela pintura, como Heitor dos Prazeres, se não fosse a falta de vista a partir dos oitenta anos, está almoçando um copo de geleia. Quando leva a colher de sobremesa à boca, sua mão treme tanto, que vai deixando cair pedaços do alimento no pijama. João da Baiana nem percebe. Voz grave e baixa, em sua entonação muito particular de “preto velho”, o filho de tia Perciliana começa a viajar na memória. Seus olhos, que vão ficando baços, brilham por um momento. Dom Pedro II é imperador do Brasil. O menino João está nascendo na rua Senador Pompeu.

José Ramos Tinhorão – João da Baiana, você, que assistiu o fim do Império e ao início da República no Rio de Janeiro, como foi sua infância?
João da Baiana – Sou de 1887. Dezessete de maio. Batizei em 1888 na igreja de Santana, na praça Onze. Batizado e registrado. Quando eu nasci não tinha registro civil. Nasci na rua Senador Pompeu, que o pessoal chamava de “rua do Peu”. Era quase tudo filho de baiano. Aí eu brinquei com o Caninha e depois com o Sinhô. O pai do Sinhô escondia a roupa dele para ele ficá em casa estudano, mas ele subia na janela e ficava soltando papagaio de camisola. Eu fiz de tudo. Corria atrás de palhaço de circo gritando “Palhaço o que é?/ É ladrão de mulhé”, pra ganhá uns trocado. Um dia carreguei embrulho do dr. Santos-Dumont até a porta de uma oficina na rua da Imperatriz (hoje Camerino) e recebi uma cédula de 500 rais”.)
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(O Caninha a que se refere João da Baiana foi o compositor José Luís de Morais (1883-1961), e tinha esse apelido por vender roletes de cana em frente à estação da Central do Brasil quando menino. Sinhô era o compositor José Barbosa da Silva (1888-1930), considerado o primeiro estilizador do samba carioca da década de 1920. Esses dois vizinhos de João da Baiana iam tornar-se grandes rivais durante concursos de samba nas festas da Penha, no início dos anos 20, chegando a merecer a seguinte quadrinha do cronista Assombro, do jornal “O país”: “São dois cabras perigosos,/ Dois diabos infernais,/ José Barbosa da Silva/ E José Luís de Morais”.)

José Ramos Tinhorão – Você foi criado no meio em que o samba carioca apareceu, e afirma que havia muitos baianos nessa parto do Rio. Qual foi o papel que esses baianos tiveram na criação do samba?
João da Baiana – Os baiano tudo era trabalhadô dos trapiche. Onde está a Rádio Tupi era as docas. O mar vinha na rua Sacadura Cabral, que era a Prainha. E os fundo dos armazéns dos trapiche dava pro mar. A frente dos trapiche era a Sacadura Cabral. Os navio não atracava porque não tinha cais do porto. Eram as embarcações pequenas que pegavam a carga e iam levá nos navio, perto da ilha das Cobra e da ilha das Enxada. Esse baiano foi que fizero os primeiro rancho de carnavá na Saúde. Tinha o tancho da “Sereia” que era o mais antigo, na Pedra do Sal, perto de onde é hoje o prédio dos Diário Associado, e o “Dois de Ouros”. Mas o baiano que criou mais rancho foi Hilário, que fundou o “Rei de Ouros”. Tinha também o “Concha de Ouro” e outros.
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(João da Baiana refere-se a um quadro econômico-social ligado ao esplendor e decadência do cultivo de café no Estado do Rio. O grande número de baianos da zona da Saúde no fim do século XIX e início do presente século se explica pelo fato de o Rio de Janeiro ter atraído as levas de antigos escravos comprados na Bahia para o trabalho nos cafezais fluminenses, depois que o cansaço das terras e a Abolição liberaram essa mão-de-obra rural. Transformados em trabalhadores urbanos, esses baianos procuraram adaptar à vida da cidade os folguedos que conheciam em estágio folclórico. Os primeiros ranchos carnavalescos cariocas iam ser, pois, uma adaptação dos ranchos de Reis da Bahia com caráter de brincadeira pagã.)

José Ramos Tinhorão – Você fez parte de algum desses ranchos?
João da Baiana – Fiz. Eu fui porta-machado de rancho e de cordão. Saí nos ranchos “Rosa Branca”, “Jardineira”, “Botões de Rosa”, “Flor da China” e outros. Porta-machado era tudo garoto bom de capoeira que ia na frente abrindo caminho, dançando e fazendo capoeiragem. A gente tinha que protegê a porta-bandeira, porque quando dois rancho ou dois cordão se cruzava as vezes dava briga. Muita gente boa foi porta-machado: Pendengo, Getúlio Marinho, o “Amor”, Donga, Heitor dos Prazeres e outros.
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(A informação de João da Baiana concorda com declarações de Caninha, segundo as quais os estandartes dos ranchos e cordões, inicialmente chamados de “panos”, eram os troféus mais cobiçados durante os conflitos entre os carnavalescos. Quando a briga começava, o primeiro grito que se ouvia era os dois dirigentes dos ranchos ou cordões rivais recomendando: “Enrola o pano!” Foi dessa proteção necessária às porta-estandartes e porta-bandeiras que se originou a coreografia dos mestres-salas dos próprios ranchos e das atuais escolas de samba: as evoluções à sua volta visam o seu isolamento dentro de uma área que cabe ao mestre-sala ir sempre demarcando com os meneios do seu leque.)

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João da João da Bahiana (1971) – foto: Acervo José Ramos Tinhorão/IMS

José Ramos Tinhorão – Além desses ranchos existiam outros grupos carnavalescos?
João da Baiana – Havia o cordão-de-velho e o afoxé. No cordão-de-velho tinha sempre bons capoeiras e de dança que imitavam velho e usavam uma cabeça grande de papelão. E ainda tinha caveira, rei dos diabos e diabinhos. Quando dois velhos cruzavam, um ia na direção do outro fazendo uns passos do ritmo da chula, e o outro tinha que desfazê. Desfazê era, por exemplo, esperá o que vinha fazendo uns passos chamado entrada se aproximá. O outro tinha que desmanchá fazendo tesoura, que era outra variedade de passo. Se fizesse era bom. Se não fizesse levava vaia. Agora, afoxé já era uma coisa africana, Era tudo formado por neto e filho de africano de Senador Pompeu e da rua da Alfândega. O organizador era o Pai Mussurumano. No carnaval, nesses afoxés, saía um camarada fazendo uma imitação de trabalho de chefe de terreiro (de macumba). Saía jogando búzio. Afoxé é uma cabaça. Esse nome de cabaça era usado pra não dá o nome de afoxé, que era usado no candomblé. Os cânticos eram em africano.
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(Essas observações de João da Baiana revelam-se da maior importância para mostrar que, sob a aparência anárquica, o carnaval de rua do Rio de Janeiro constituiu sempre um grande balé popular, com coreografia apropriada para cada uma das figuras dos fantasiados. Da mesma forma como João da Baiana mostra que o “velho” dançava imitando os passos trôpegos de um ancião, e no afoxé se encenavam quadros das cerimônias do candomblé, pode-se lembrar também que os fantasiados de morcego ou de diabo dançam e correm ainda hoje na direção das crianças, para assustá-las, com movimentos que constituem encenações teatrais das figuras que representam, executadas dentro do ritmo da música que estiver sendo tocada no momento.)

José Ramos Tinhorão – Você ainda se lembra de algum desses cânticos de afoxé com palavras africanas?
João da Baiana – Lembro.
(Canta:)
Ora tum, tum, tum.
A… rê, rê…
A… a… afoxé,
Acu gelê…
Ora ô lê, lê, lê
Acu gelê, gelê,
Afoxé.
Esses cantos eram acompanhados por atabaque, triângulo, agogô e cabaça, que era o afoxé. Só tinha homem. Mulher não entrava.
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José Ramos Tinhorão – E fora do carnaval? Não havia roda de samba ou batucada naqueles meios de capoeira por onde você andava?
João da Baiana – Batucada é uma coisa e samba é outra. O samba é você me tirá a mim ou tirá a ele pra roda com a embigada. Saía pra dança cada um de per si. Batucada é dar queda. Já era parte da capoeiragem. Por exemplo. Eu saía na roda. Eu primeiro, sozinho, cantando:
ô irê, irê, ê, ê,
São Pedro deu uma facada
Na porta de São José
São José saiu correndo
Foi chamar sua mulhé.
Agora que foi bonito
Quando chegô seu tenente,
Mandô chamá São Migué
Mandô soltá São Vicente.
São João ajoelhou
No pé de santo nagô.
Saiu daqui São João,
Que eu não sou Nosso Sinhô.
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Ecô… mina, miná… ecô)
) bis
Ecô… mina, miná… ecô)
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Ecô queria dizer que estava na hora de pegá. Até aqui ainda era a liso…
(Canta:)
Vira a mão, iaiá
Vira a mão…
Aí já tinha tirado o outro pra roda. Acabô o liso. Agora era a pegá. Quando eu dizia que era a pegá o outro se plantava. E tinha que se disviá… Porque a perna passava… Brincadeira a liso era só com embigada. Quando era pra pegá, quer dizer, quando ia passá a perna pra derrubá, tinha que jurá o outro. Chegava diante daquele que a gente escolhia e mandava abrir a galha. Abrir a galha era afastá os camarada que estava do lado. Quando passava a perna, o que não caía saia pra tirá outro da roda.
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(Essas rodas de batucada de onde saíam muitos capoeiras na época das eleições para tumultuar a votação em certos distritos, a serviço de cabos eleitorais que os contratavam, realizavam-se em pontos certos no Rio de Janeiro. Ficaram célebres as rodas de capoeira do lardo do Guarani (próximo da atual estação da Estrada de Ferro Leopoldina, em área aterrada com o desmonte do morro do Senado, no início do século), do largo Moura (próximo ao Museu da Imagem e do Som) e para os lados do canal do Mangue. No carnaval o ponto preferido era a Guarda Velha, no largo da Carioca.)

José Ramos Tinhorão – E quando esses capoeiras saíam no carnaval vestidos de velho, de diabo ou de rei dos diabos, eles iam armados? Que armas levavam?
João da Baiana – Tinha uns que iam. Pra defendê. Levava navalha ou faca. Só armas brancas. Revólver faz muito barulho. Chamava a atenção.
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José Ramos Tinhorão – Voltando às origens do samba que nós conhecemos hoje. Você deu a entender que o samba, como gênero de música, nasceu dos estribilhos e dos improvisos usados durante as batucadas violentas e as brincadeiras de roda, ao som de ritmo de percussão e palmas. Explique isso melhor.
João da Baiana – Antes de falá samba a gente falava chula. Chula era qualquer verso cantado. Por exemplo. Os verso que os palhaço de circo cantava era chula de palhaço. Os que saía vestido de palhaço nos cordão-de-velho tinha as chula de palhaço de guizo. Agora, tinha a chula raiada que era o samba do partido alto. Podia chamá de chula raiada ou samba raiado. Era a mesma coisa. Tudo era samba do partido alto. E tinha o samba corrido.

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João da João da Bahiana (1971) – foto: Acervo José Ramos Tinhorão/IMS

José Ramos Tinhorão – E quais eram as diferenças entre chula ou samba raiado ou do partido alto e samba corrido?
João da Baiana – O partido alto era o rei dos sambas. Podia dançar uma pessoa só de cada vez. O acompanhamento era com palmas, cavaquinho, pandeiro e violão, e não cantava todo mundo. No samba corrido todo mundo samba e todo mundo canta. Por exemplo. No samba de partido alto eu canto…
(João da Baiana canta:)
Minha senhora,
Bela dona chegou na canoa.
Minha senhora,
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Bela dona chegou na canoa.
Ô remá
Ô sou de lá
Ô remá
Taparica é beira má
Dona…
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(Este exemplo da chula raiada ou samba de partido alto jamais foi gravado (o compositor e também pioneiro do samba Ernesto Santos, o Donga, só gravou nos LPs com o grupo Velha Guarda o conhecido “Patrão, prenda o seu gado”, desprezando outras sugestões de João da Baiana). A importância desse exemplo é que com ele se confirma a origem baiana do samba carioca: o verso “Taparica é beira má” representa uma clara referência à ilha de Itaparica, fronteira à costa da Bahia. O que explica também a inclusão aparentemente gratuita do outro verso “Ô sou de lá”. O autor desse samba de partido alto era evidentemente baiano nostálgico.)
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Viu só? Agora, no samba corrido cantava todo mundo. Por exemplo… (Canta:)
Pelo amor da mulata
Quase que o nêgo me mata
*Agora todo mundo:
Pelo amor da mulata
Quase que o nêgo me mata
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Foi ela quem me pediu
Um segredo por favor
Quero um vestido de seda
Um sapato e um manto.
*Todo mundo:
Pelo amor da mulata
Quase que o nêgo me mata
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E por aí continuando sem pará. Era o samba corrido. Daí saiu o samba.

José Ramos Tinhorão – Onde se realizavam essas festas com cantos e danças?
João da Baiana – Era lá para os lados da Central do Brasil. As baianas era tudo doceira e tinha empregado pra vendê com os tabuleiro na cidade. Algumas também tinha tabuleiro. As salas da frente das casas dava pruma rua, os fundos dava pra outra. Por exemplo: na rua Barão de São Félix as casas ali era até a rua dos Cajueiros (João da Baiana refere-se ao nome antigo da rua Senador Pompeu, que era Príncipe dos Cajueiros). Na rua Senador Pompeu a saída era na rua Barão de São Félix. Então os africanos alugava aquelas casas com três, quatro ou cinco quartos, duas e três salas. Aí, durante as festa, os velho ficavam reunidos na sala da frente cantando partido alto, e as mulhé dançava o miudinho, que era só tremendo as cadera. Os novos ficavam nos quartos cantando samba corrido. E no quintal ajuntava o pessoal que gostava de batucada.
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José Ramos Tinhorão – Agora que você está com 84 anos, e essas coisas todas que você conta ficaram tão distantes, como é que você se sente aqui sozinho, neste seu quarto longe de todo mundo?
João da Baiana – Ah! Eu espero eu melhorá na saúde pra podê voltá a cantá com os meus amigos, o Donga, o Pixinguinha, a Clementina de Jesus. A minha filha vem aqui às vezes e diz preu i pro Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá. Ela diz assim pra mim “Vai, meu pai. Lá tem gente pra conversá. O sinhô não fica tão sozinho assim”. Mas ela é que pensa que eu tô sozinho…
E João da Baiana aponto o seu altar atrás da porta, o seu peji, onde há uma pequena lâmpada vermelha sempre acesa iluminando as imagens:
… eu estou aqui com os meus santos, os meus guias. Só vive só quem não tem fé.
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:: Entrevista publicada originalmente na revista Veja, 28 de julho de 1971 – Edição 151.


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