sábado, julho 27, 2024

Fabio Zanon lança álbum ‘Alborada’, pelo selo GuitarCoop

O violonista Fabio Zanon lança disco dedicado à música espanhola. No disco, Zanon registra uma seleção de peças de Federico Moreno Torroba (Sonatina; Suite Castellana; Piezas Características; Nocturno), Joaquin Turina (Fandanguillo; Sevillana; Homenaje a Tarrega) e Vicente Arregui (Tres Piezas Líricas).
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Internacionalmente conhecido por suas interpretações expressivas e impactantes, o violonista brasileiro Fabio Zanon apresenta seu novo álbum “Alborada” pela gravadora GuitarCoop. Este é o quinto lançamento de Zanon em parceria com a GuitarCoop e 2º volume de sua projetada série de gravações de Música Espanhola, dando continuidade ao êxito do volume 1, “Spanish Music”, lançado em 2016.
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Zanon, após recital em São Paulo, retoma agenda internacional com concertos no Chile, Inglaterra e Alemanha, já tendo passado por Espanha e França

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Fabio Zanon – foto: Heloisa Bortz

ALBORADA
A figura do espanhol errante que, com um violão amarrado às costas, sente a curva do planeta sob seus pés, percorrendo vestígios do passado romano e mourisco e transforma, com sua música e suas histórias, qualquer taverna miserável em um lugar tão cheio de aventuras quanto um castelo encantado é uma potente imagem do Romantismo literário. A guitarra espanhola concentrava desejos sublimados de um modo de vida sem amarras, sem submissão às expectativas da sociedade burguesa, mais próximo ao que se considerava um mundo governado por sentimentos genuínos. Essa visão idealizada ajudou a manter o violão ausente da linha-mestra da música clássica moderna, que se consolidou no século 19. Ao longo desse período, ele alternou períodos de maior ou menor ostracismo e menosprezo.
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Uma reação se esboça na virada do século 20, porém uma carreira plena de um concertista ainda precisava ser criada, e esse papel coube principalmente ao espanhol Andrés Segovia que, ao longo de uma carreira de mais de 70 anos, consolidou aquilo que hoje não é mais uma curiosidade: o violão clássico de concerto, com um repertório, uma estética e uma pedagogia.
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Mas, no raiar desse movimento, na década de 1910, a situação do violão não era muito promissora. Faltava música adequada para se tocar. A literatura era, então, composta por um repertório romântico de baixa densidade, música de salão, transcrições e um legado de música antiga ainda desconhecido. Ao ser convidado para sua primeira turnê internacional, na América do Sul, o organizador pediu que Segovia enviasse oito programas diferentes, como era de hábito em turnês de pianistas ou cantores. Ele possuía somente dois. Hoje estamos cientes de que ele ignorou música de valor. Mas ele tinha confiança na identidade que procurava projetar, duvidava da eficiência da maior parte do repertório então corrente. Paradoxalmente, ele queria que o violão fosse aceito exatamente pela cultura burguesa que o encarava como um símbolo de insubordinação.

Orientado por seu empresário, e talvez inspirado pelo recente exemplo de uma pequena, porém extraordinária Homenaje, composta por Manuel de Falla, ele se impôs o desafio de convencer compositores não-violonistas a escreverem música original para violão, um procedimento então novo e que seria também adotado por seus colegas Llobet, Pujol e Sainz de la Maza.
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Assim, as obras compostas por Torroba e Turina na década de 1920 tornaram–se um dos carros-chefes do êxito de suas primeiras turnês mundiais a partir de 1924. Não é exagero dizer que, para o público ao redor do mundo, estas obras, que eram ouvidas pela primeira vez, são a alvorada de um universo sonoro: aquilo que hoje entendemos como a guitarra clássica espanhola.
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A partir de 1927, elas também estiveram entre as primeiras que ele registrou em disco, chegando a todos os rincões aonde sua carreira ainda não o havia levado. Cem anos mais tarde, nós violonistas ainda percebemos os sorrisos de reconhecimento e aprovação quando tocamos uma obra como a Sonatina de Torroba ou o Fandanguillo de Turina em concerto.

11 de Junho de 1921 é, então, uma data histórica: na sua segunda turnê da América do Sul, Segovia estreou a Danza Castellana de Moreno Torroba (1891-1982), a primeira obra a ele dedicada, no Teatro Odeón de Buenos Aires. Repetidas vezes Segovia citou-a como a primeira obra composta por um não-violonista em 1919 ou 20 (eles se conheciam desde 1918). Mesmo sem levar em conta tentativas anteriores de Respighi ou Fabini, há razão para discordar. Não se explica o longo intervalo entre a suposta composição e a estreia dessa obra. Porém, a Homenaje de Falla, datada de setembro de 1920, foi tocada por Miguel Llobet em Madri em 8 de março de 1921. Suas ondas de choque devem ter atingido Torroba e o levado a escrever a sua primeira obra e Segovia a aprendê-la em meio a uma turnê.
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Talvez já mais seguro de seu instinto ao escrever para o violão, Torroba adicionou mais dois movimentos, o Fandanguillo, com suas animadas repetições e Arada, uma canção camponesa, à Danza Castellana, agora renomeada como apenas Danza, formando o que conhecemos como Suite Castellana; estes foram estreados em maio de 1922 no Teatro de la Comedia em Madri.
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Este álbum coincide com o centenário da triunfal estreia de Segovia em Paris, em 7 de abril de 1924: a partir de então, sua carreira ganha, de fato, contornos internacionais, movida pelo empenho missionário de levar o violão aos quatro cantos do globo. A crítica parisiense, já acostumada a ouvir o violão de Llobet e Pujol, viu em Segovia uma nova dimensão. O compositor Pierre-Octave Ferroud escreveu que Segovia fazia mais pela Espanha com seu violão que Primo de Rivera com suas ordens estatutárias. O musicólogo Marc Pincherle apontou seu senso de estilo e proporção, a miríade de cores que extraia do violão e a substância de um programa que evitou transcrições vexatórias, em favor das melhores obras do passado e novas obras de harmonias ousadas, como a Sevillana de Turina e a Sonatina de Torroba que, segundo ele, Segovia nunca tocava sem que o público pedisse que tocasse novamente.

A Sonatina, em particular, parece ter sido uma favorita desde a estreia, que, presume-se, aconteceu no Teatro Colón da Cidade do México em 4 de maio de 1923, seguida de uma estreia espanhola no Teatro de la Comedia em Madri, em 17 de dezembro do mesmo ano. O céu-sem-nuvens expressivo, a clareza e fluência, a despretensão sofisticada, o obstinado ritmo de seguidilla no 1º movimento, a atmosfera de sonho do Andante, a propulsão buliçosa do Allegro, tudo conspirou para a criação de um clássico instantâneo.
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Se Torroba era ainda um desconhecido do público internacional nessa época, internamente sua carreira foi notável. O período entre guerras é aquele do embate entre o nacionalismo e o neoclassicismo em toda a Europa; na Espanha, há um embate entre dois tipos de nacionalismo: o de vanguarda, que buscava uma linguagem mais internacionalizada e atualizada, que tivesse raízes na cultura popular, que teve em Manuel de Falla sua figura máxima; e o castiço, que se contentava com uma estilização das fontes populares, sem questionar a herança romântica. Moreno Torroba estava fincado neste segundo grupo e concentrou toda sua força criativa na música para o teatro – a zarzuela. Especialmente depois do êxito de La Marchenera (1928) e Luísa Fernanda (1932) ocupou posições de poder e prestígio, dirigindo teatros de zarzuela e a sociedade de autores espanhóis. Dessa forma, foi, junto a Rodrigo, o único compositor espanhol de sua geração a manter um fluxo constante de composições para violão; são dezenas de obras, desde a Suite Castellana de 1922 até os vários concertos de violão e orquestra da década de 1970.
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Sua próxima obra, entretanto, o Nocturno, estreado em 12 de novembro de 1924 em Markneukirschen, Alemanha, é uma interessante experiência modernista de mosaico, alternando modos eclesiásticos, escalas exóticas típicas do impressionismo francês e intensos cantos populares pontuados por acordes firmes, que sugerem uma procissão.

Esse requinte se espraia ao próximo ciclo, as Piezas Características, parcialmente estreadas em 12 de novembro de 1930 no Teatro Isabel la Católica, em Granada. Mais elusivas e aforísticas, com um colorido harmônico rico, elas traduzem a quintessência da elegância castelhana. O ciclo se abre com um Preambulo impressionista, seguido por Oliveras, uma dança com um quê de tonadilla. A pouco tocada Melodia é uma canção em forma de tremolo, seguido por Los Mayos, outra peça dançante que evoca as festas de primavera típicas de Castilla, e Albada, uma canção de louvor às manhãs, imediatamente memorável. O ciclo se encerra com Panorama, que o amarra na forma de uma colagem de trechos dos movimentos anteriores, retrabalhados na forma de um fugato que leva a um final brilhante.
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Como faixas-bônus, oferecemos duas peças lentas e líricas. Em sua gravação dessas Piezas, Segovia substitui a Melodia pela Burgalesa, estreada no Town Hall de Nova York em 11 de janeiro de 1928. Ela pertence a um tipo característico de canção sublime que Torroba revisitou frequentemente. O praticamente desconhecido Nocturno nº 2 (1956), cujo histórico de criação e estreia não está documentado, é igualmente sedutor e incluído aqui como um complemento ao primeiro. Se o casticismo de Torroba foi uma decisão pessoal de permanecer num campo conservador, Vicente Arregui Garay (1871-1925), 20 anos mais velho, é ainda um remanescente da geração romântica. Atendendo à expectativa de sua época, estabeleceu-se em Madri como compositor de ópera e música sinfônica, hoje praticamente desconhecida. Sabia-se que Segovia havia estreado uma obra chamada Campesina em 25 de abril de 1925 no Teatro de la Comedia, mas que a havia abandonado logo em seguida. Em 2001, finalmente o arquivo musical de Andrés Segovia foi revelado e, entre dezenas de obras inéditas, foi redescoberta. Ela faz parte de uma série de Tres Piezas Líricas, escritas em fevereiro de 1925, alguns meses antes do compositor falecer precocemente. Mesmo com alguns problemas formais, elas mantêm o frescor das obras espanholas desta década. Uma certa semelhança entre a Campesina e o 3º movimento da Sonatina de Torroba pode ter sido a razão para o desinteresse de Segovia.
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Madri foi o centro de atuação da maioria dos compositores espanhóis do período entre-guerras, incluindo Arregui e Turina. Arregui vinha de Navarra e parece ter preservado um carinho pelo folclore do País Basco. Já Joaquin Turina Pérez (1882-1949) vinha de Sevilla, um epicentro da região que assombrou o imaginário romântico, a Andalucia. Depois de um encontro com Albéniz e Falla em Paris, foi convencido de que sua relevância para o modernismo internacional seria tão maior quanto mais falasse de sua terra. Assim, Turina tornou-se o único compositor espanhol dessa geração cujo alcance internacional podia se comparar ao de Falla.
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Esteticamente, ele parece estar num ponto intermediário entre os casticistas e os modernistas. Sua adesão ao folclorismo é inabalável, mas justamente pela herança multicultural do discurso da música andaluza e da sua afinidade com o interesse do modernismo francês por harmonias exóticas e formas não-germânicas, a música de Turina é matéria de sonho. Ele preserva como ninguém a profundidade de sentimento dos cantaores e a excitabilidade rítmica da guitarra flamenca, numa forma fluida, ao mesmo tempo imprevisível e inexorável.

Ele era, então, já célebre quando escreveu para Segovia a Sevillana, op.29, que parece ter sido estreada no concerto que incluiu a Sonatina de Torroba em Madri em dezembro de 1923; ela também foi bem recebida no concerto em Paris em 1924. O manuscrito, dedicado “ao maravilhoso guitarrista Andrés Segovia, com admiração e carinho” não traz o título de Fantasia, erroneamente acrescentado. Ela tem a rara qualidade de combinar um movimento espiralado, que revolve ao redor das mesmas notas, com um crescente arrebatamento, flanqueado por duas seções de rasgueados. Muitos compositores desse período se fascinaram com a ambiguidade harmônica das cordas soltas do violão, mas Turina aqui as celebra e inaugura uma técnica que rapidamente se transformou em lugar-comum.
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Fandanguillo, op.36 tornou-se uma assinatura na carreira de Segovia, a obra que ele utilizou para melhor ilustrar sua inimitável sutileza na exploração das cores do violão. Uma melodia se insinua sobre uma obstinada repetição da figura rítmica do fandango, escutada na forma de percussão no início da peça; depois de reprisada e desenvolvida, ela dá lugar a uma segunda ideia, ainda mais sufocante e intensa, que desemboca numa exibição de escalas velozes e termina com uma memória fugaz da atmosfera do início. Essa forma não-ortodoxa confere a esta obra uma densidade maior que sua curta duração. Ela foi estreada em 7 de outubro de 1925, no Conservatorio de Genebra, Suíça.
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Turina compôs mais três obras para violão, que não permaneceram no repertório de Segovia. Uma delas é esta Homenaje a Tarrega, op.69, mais conhecida como Garrotin y Soleares e publicada em 1935. Várias razões, inclusive de ordem ideológica, podem ser especuladas para justificar o desinteresse de Segovia; ele mesmo disse que as encontrava em dissonância com o título, já que são inspiradas em duas formas do flamenco, enquanto Tarrega era um violonista clássico. Seja como for, elas encontram o ponto ideal entre a repetição obsessiva e a minuciosa riqueza sonora. Garrotin é uma forma binária de origem asturiana, muito popular como forma de dança com sapateado. Soleares é o plural de Soleá, um dos palos básicos da arte flamenca, normalmente acompanhado unicamente por violões.
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As obras deste álbum foram compostas entre 1921 e 1935 e têm mantido um frescor de alvorada até hoje. Elas são a trilha sonora de um período em que a música, a literatura e as artes espanholas conquistaram a admiração do mundo todo através de nomes como Falla, Turina, Segovia, Casals, Picasso, Miró, Garcia Lorca e Ortega y Gasset. A partir daí, entretanto, a polarização política atingiria o ponto de máxima pressão, que explodiria na Guerra Civil Espanhola em 1936 e devastaria esse panorama nas décadas seguintes.
— ©Fabio Zanon, 2024 —

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Capa do álbum ‘Alborada’ • Fabio Zanon . Selo GuitarCoop • 2024

DISCO ‘ALBORADA’ • Fabio Zanon . Selo GuitarCoop • 2024
Composições/ autores
Sonatina (Federico Moreno Torroba)
1. Allegretto
2. Andante
3. Allegro
Piezas Caracteristicas (Federico Moreno Torroba)
4. Preambulo
5. Oliveras
6. Melodia
7. LosMayos
8. Albada
9. Panorama
10. Nocturno
Tres Piezas Liricas (Vicente Arregui)
11. Confidencia
12. Intermedio
13. Campesina
14. Fandanguillo, op. 36 (Joaquin Turina)
15. Sevillana, op.29 (Joaquin Turina)
Homenaje a Tarrega, op.69 (Joaquin Turina)
16. Garrotin
17. Soleares
Suite Castellana (Federico Moreno Torroba)
18. Fandanguillo
19. Arada
20. Danza
21. Burgalesa (Federico Moreno Torroba)
22. Nocturno nº 2 (Federico Moreno Torroba)
– ficha técnica –
Fabio Zanon (violão – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22) | Arranjos: Fabio Zanon | Gravado entre 6 e 9 de Outubro de 2023 | Produzido por Henrique Caldas | Engenheiro de som: Ricardo Marui | Texto do encarte: ©Fabio Zanon | Design gráfico: Gabrielle Mendes de Souza Delgado | Fotos: Heloísa Bortz | Edição digital: Henrique Caldas | Mixagem e masterização: Ricardo Marui | Assessoria de imprensa: Tambores Comunicações | Selo: GuitarCoop | Formato: CD / Digital | Ano: 2024 | Lançamento: 17 de maio | ♪Ouça o álbum: clique aqui.

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Fabio Zanon – foto: Heloisa Bortz

Fabio Zanon, violonista brasileiro é destaque internacional
Fabio Zanon é um dos artistas brasileiros de maior prestígio internacional. É aclamado por interpretações que combinam imaginação, integridade e uma poderosa sonoridade. Suas atividades como regente, educador e difusor da música clássica têm contribuído para colocar o violão clássico numa perspectiva cultural mais ampla. Vencedor dos maiores concursos internacionais de violão, como o GFA nos EUA, o Francisco Tárrega na Espanha e Alessandria na Itália, Fabio já se apresentou em mais de 50 países, em salas como o Royal Festival Hall em Londres, Philharmonie em Berlim, Sala Tchaikovsky em Moscou e Concertgebouw em Amsterdã. Seu repertório inclui mais de 40 concertos para violão e orquestra, muitos dos quais tocados em estreia mundial, e dedica-se com afinco à música de câmara, em uma enorme variedade de combinações e gêneros. Com uma trajetória que contribui significativamente para o Brasil e para o cenário do violão clássico, Zanon eleva a visibilidade do talento musical brasileiro em todo o mundo, demonstrando a qualidade artística e o profissionalismo dos músicos do país.
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GUITARCOOP
GuitarCoop é uma plataforma criada por um grupo de músicos que compartilham a visão de que é necessário ir além do modelo tradicional de negócios em música. Nosso objetivo é ser o eixo de convergência global para os apreciadores de violão, criando uma nova experiência musical por meio de gravações e vídeos na mais alta qualidade, em uma experiência multimídia que reflete as tecnologias e os hábitos de escuta do século 21.
O foco na qualidade e uma filosofia de parceria com os artistas permeiam tudo o que fazemos. Nossos artistas gravam nas melhores salas, com os melhores equipamentos, e desfrutam de liberdade artística e de participação nos resultados das vendas.
Site: GuitarCoop | @guitarcoop_oficial
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Série: Discografia da Música Brasileira / Música espanhola / Violão / Música instrumental / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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