Bahia,
eu te olho e te ouço
de bordo do meu itazinho pulador,
e sob a mesma noite que nos cobre,
eu sinto o contato de teus membros morenos
e procuro com as mãos, com os lábios,
tudo o que é bom de cingir e beijar!

Para me ver chegar,
os sobrados e as igrejas
subiram nos teus montes e me espiam
de cima com os olhos das janelas acesas.

É o amante que chega!
E as virgens loucas já o esperam
com as lamparinas da Parábola.
E que noite gostosa, que colcha macia,
nos cobre a nós ambos Bahia!
Teu amigo vem saudoso de ti e estende as mãos
aos pedaços melhores de teu corpo:
– tuas ladeiras, teus montes,
as curvas gostosas da cidade mais bonita do Brasil!
És tão cheia de altos e baixos,
Bahia, gostosa dos dendês, jilós, acaçás e pimentas-de-cheiro.
Lamento o mau gosto dos teus turistas
que te conhecem de oitiva,
e não vão além de tua Rua Chile asfaltada, de tuas avenidas
que o Seabra alargou.
Tu, como toda mulher, tens os lugares sombrios mais gostosos:
Baixa do Sapateiro!
Beco do Guindaste dos Padres!
Barroquinha!
Tabuão!
Bahia de Todos os Santos,
por que os teus santos
não quiseram mudar o curso inglório
de meus 17 anos, nos quais
os teus professores retóricos,
os teus médicos literatos,
injetaram a empola de água suja
de doutrinas sem fé?
E depois de tanto tempo perdido,
de tanto caminho errado,
teu amigo voltou para os teus braços abertos.
Perdoa! Perdoa! Bahia!
Eu vim rezar nos teus santuários,
eu já sou um homem que tem
afetos por quem pedir e rezar.

— Jorge de Lima, no livro “Poemas negros”. Cosac Naify, 2014

 

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