“As pessoas não morrem, ficam encantadas… a gente morre é para provar que viveu.”
– João Guimarães Rosa em “discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL)”. 16.11.1967.

João Guimarães Rosa morreu três dias após tomar posse na Academia Brasileira de Letras, dia 19 de novembro de 1967, em condições que até hoje suscitam o interesse dos estudiosos da obra e da vida do autor. Marcelo Marinho, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e pesquisador da Sorbonne Nouvelle – Paris 3, é um desse acadêmicos.

Médico, diplomata e escritor, Rosa impressiona os estudiosos por sua polivalência, mas principalmente pela maneira como orquestrou sua vida. “Aos seis anos ele aprendeu francês sozinho, aos nove aprendeu holandês, entrou muito jovem na faculdade de medicina, aprendeu japonês, russo, se tornou diplomata. Era alguém que tinha um controle sobre-humano de sua própria existência”, relata o especialista, lembrando que o escritor falava mais de 20 idiomas. “E ao que parece, mesmo na sua morte ele soube como ter perfeito controle”, analisa. “Esse é um mistério cuja explicação se encontra na própria obra de Rosa”, lança Marinho. Leia o Discurso de Posse de João Guimarães Rosa na ABL.

“Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. … Viver nem não é muito perigoso?”
– João Guimarães Rosa, no livro “Grande Sertão: Veredas”. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.

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João Guimarães Rosa, no Itamaraty – acervo IMS

Um chamado João

João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
e precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, dassupostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com… (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.
– Carlos Drummond de Andrade (poema publicado no jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 22 nov. 1967)

Leia: João Guimarães Rosa – o demiurgo do sertão.

Noites do Sertão – Milton Nascimento

Não se espante assim meu moço com a noite do meu sertão
Tem mais perigo que a poesia do que o julgo da razão
A tormenta gera história é tão vida quanto o sol
São cavalos beirando o rio, é o corpo da menina ofegante ali do lado
Ansiosa pelo tato do carinho arrebatado do calor da tua mão

Não se engane que o silêncio não existe no anoitecer
Fala mais vida que a cidade, tem mais lenda a oferecer
Não demore ela é donzela mas conhece outra mulher
Seu desejo e a madrugada só esperam teu carinho
Quando o ato terminado
Chegue perto da janela olhe fora e olhe dentro
A paisagem se molhou

Ouça aqui!

“Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida, também fui brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que vivi antes. E para estas duas vidas um léxico apenas não me é suficiente. Em outras palavras: gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um magister da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar da sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo, porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade.”
– João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz – “Dialogo com Guimarães Rosa”.

*Leia o Discurso de Posse de João Guimarães Rosa na ABL.

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