sábado, outubro 5, 2024

‘A morte vista de perto’, reflexão de Sebastião Salgado

As fotos de Sebastião Salgado são famosas no mundo inteiro. Suas imagens em preto e branco de trabalhadores e refugiados já ganharam inúmeros prêmios e são reconhecidas pela profunda dignidade que despertam no interlocutor.
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Mas apesar das imagens de Sebastião Salgado já terem dado a volta ao mundo, sua história pessoal, as raízes políticas, éticas e existenciais de seu engajamento fotográfico permaneciam ignoradas. Em Da minha terra à Terra, é seu talento como narrador que surpreende. A autenticidade de um homem que sabe como poucos combinar militância, profissionalismo, talento e generosidade. Abaixo uma das narrativas do livro:

‘A morte vista de perto’ 

“Como já relatei, vi tanto sofrimento, ódio e violência ao longo das reportagens para Êxodos que saí muito abalado. Mas não me arrependo de tê-las feito. “Diante de uma atrocidade, o que constitui uma boa foto?”, às vezes me perguntam. Minha resposta cabe em poucas palavras: a fotografia é minha linguagem. O fotógrafo está ali para ficar quieto, quaisquer que sejam as situações, ele está ali para ver e fotografar. É através da fotografia que trabalho, que me expresso. É através dela que vivo.

Amo Ruanda. Decidi fotografar seus trabalhadores e suas plantações, bem como a beleza de seus parques e as atrocidades que neles foram perpetradas, justamente porque a amo. E naquele período de horror fotografei-a com todo o meu coração. Pensava que todos deviam conhecer aquilo. Ninguém tem o direito de se proteger das tragédias de seu tempo, porque somos todos responsáveis, de certo modo, pelo que acontece na sociedade em que escolhemos viver.

revistaprosaversoearte.com - 'A morte vista de perto', reflexão de Sebastião Salgado
Campo de refugiados ‘Ruanda’ em Benako,Tanzânia, 1994. Êxodos. © Sebastião Salgado/Amazonas images

Deveríamos todos admitir que a sociedade de consumo da qual participamos explora e pauperiza enormemente os habitantes do planeta. Todos deveriam se manter informados — por meio do rádio, da televisão, acompanhando a imprensa, vendo fotografias — a respeito das tragédias provocadas pelas desigualdades entre o Norte e o Sul, das calamidades em série geradas por ela. Este é nosso mundo, precisamos assumi-lo. Não são os fotógrafos que criam as catástrofes, elas são os sintomas da disfunção do mundo do qual todos participamos. Os fotógrafos existem para servir de espelho, como os jornalistas. E não venham me falar de voyeurismo! Voyeurs foram os políticos que deixaram as coisas acontecerem e os militares que facilitaram a repressão em Ruanda. Foram eles os responsáveis, assim como o Conselho de Segurança das Nações Unidas que, com todas as suas falhas, não impediu que milhões de assassinatos fossem cometidos.

Sempre procurei mostrar as pessoas em sua dignidade. Na maioria das vezes, eram vítimas da crueldade, dos acontecimentos. Foram fotografadas quando tinham perdido suas casas, assistido ao assassinato de seus próximos, às vezes de seus filhos. A imensa maioria era formada por inocentes que não mereceram nenhuma das desgraças que caíram sobre suas cabeças. Minhas fotos foram tiradas porque pensei que o mundo inteiro devia saber. É meu ponto de vista, mas não obrigo ninguém a vê-las. Meu objetivo não é dar uma lição a ninguém nem tranquilizar minha consciência por ter despertado algum sentimento de compaixão em outrem. Fiz essas imagens porque eu tinha uma obrigação moral, ética, de fazê-las. Alguns me perguntarão: em tais momentos de desespero, o que é a moral, o que é a ética? No momento em que estou diante de alguém que está morrendo, é quando decido ou não se tiro a foto.”

Sebastião Salgado com Isabelle Francq: Da minha terra à Terra. tradução Julia da Rosa Simões. 1ª ed., São Paulo: Paralela, 2014; 2ª ed., Cia das Letras, 2014. 

ÊXODOS

“Êxodos” é uma história reveladora, que retrata pessoas que abandonam a terra natal contra a própria vontade. Em geral elas se tornam migrantes, refugiadas ou exiladas, compelidas por forças que não têm como controlar, fugindo da pobreza, da repressão ou das guerras. “Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes”, define Salgado.

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Refugiados ruandeses em fila para a distribuição de água em 1994, perto do acampamento de Kibumba, em Goma, no antigo Zaire. Êxodos. © Sebastião Salgado/ Amazonas images
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Morini, Albânia, 1999 – Êxodos © Sebastião Salgado/Amazonas images
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Três crianças acolhidas no orfanato anexo ao hospital do acampamento número 1 de Kibumba, em Goma, antigo Zaire. 1994. Êxodos. © Sebastião Salgado/Amazonas images

Assista abaixo o vídeo com várias fotografias exibidas na Exposição “ÊXODOS”, de Sebastião Salgado

Outras leituras para Sala de Aula:

ÊXODOS. programa educacional: Leituras, narrativas e novas solidariedades no mundo contemporâneo. [Fotografias Sebastião Salgado; Textos Tereza Aline Pereira de Queiroz]. BEI . Comunicação. Disponível no site IFSC.EDU. (acessado em 1.9.2019).
MARTINS, Henrique Manuel de Oliveira. Êxodos de Sebastião Salgado. {material didático}. Disponível no link. (acessado em 1.9.2019)

Sobre o Autor

Sebastião Salgado nasceu em 1944, em Aimorés, Minas Gerais. É formado em economia e começou sua carreira como fotógrafo na França, onde mora desde 1973. Trabalhou para as agências Sigma e Gamma, e desde 1979 faz parte da Magnum. Já recebeu os prêmios mais importantes concedidos ao fotojornalismo, entre eles o de Melhor Repórter Fotográfico do Ano, oferecido pelo International Center of Photography de Nova York, e o Grand Prix da Cidade de Paris.

Saiba mais sobre Sebastião Salgado:
Site oficial de Sebastião Salgado:

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