Sou raiz
Sou raiz, e vou caminhando
sobre as minhas raízes tribais.
Velhas jardineiras do passado …
Condutores e cobradores, vós me levastes de mistura
com os pequenos e iletrados, pobres e remendados …
Destes-me o nível dos humildes em tantas lições de vida.
Passante das estradas rodageiras, boiadeiros e comissários,
aqui fala a velha rapsoda.
Escuto na distância o sonido augusto do berrante que marca
o compasso das manadas que vão pelas estradas.
O mugido, o berro, o chamado da querência, a aguada,
o barreiro salitrado, a solta, o curral, a porteira,
a tronqueira, o cocho, o moirão, a salga, o ferro de marcar,
rubro, esbraseado. A castração impiedosa.
Eu sou a gleba e nada mais pretendo ser.
Mulher primária, roceira, operária, afeita à cozinha,
ao curral, ao coalho, ao barreleiro, ao tacho.
Seguro sempre nas mãos cansadas a velha candeia
de azeite veletudinária e vitalícia do passado.
Viajei nas velhas e valentes jardineiras
do interior roceiro, suas estradas de terra,
lameiros e atoleiros, seus heróicos e anônimos condutores
e cobradores, práticos, sabidos daqueles motores desgastados,
molas e lataria rangentes.
Santos milagreiros eram eles. Onde estarão?
Viajei de par com os humildes que tanto me ensinaram.
Viajantes das velhas jardineiras, meus vizinhos
das estradas viaje iras …
Meus trabalhadores: Manoel Rosa, José Dias, Paulo, Manoel,
João, Mato Grosso, plantadores e enxadeiros, meus vizinhos sitiantes,
onde andarão eles?
Andradina, Castilho, Jaboticabal, comissários e boiadeiros, tangerinos,
esta página é toda de vocês.
Fala de longe a velha rapsoda.
.
– Cora Coralina, em “Vintém de Cobre: meias confissões de Aninha“. 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997, p. 111.
“Nós temos dentro de nós um porãozinho. Ele abre e fecha automaticamente. E as coisas caíram dentro do meu porão. E o porão se fechou. E ficou fechado durante quarenta e cinco anos. O tempo todo que eu estive fora da minha cidade. E eu senti a necessidade de abrir esse porão voltando. Lá não. Tinha que voltar para abrir o porão. Aqui é que o meu porão tinha que ser aberto soltando as coisas de
dentro. Soltando o passado de dentro.”
– Cora Coralina, em ‘entrevista’ na Casa Velha da Ponte, 1985.
SOBRE O LIVRO
Quase memórias, ou meias confissões como a autora prefere, “Vintém de cobre” reúne poemas ricos de experiência humana, escritos em tom simples e comunicativo, no lirismo quase de toada sertaneja, peculiar a Cora Coralina. Chamados de vintém de cobre, por malícia, são na realidade puras e autênticas moeda de ouro.
FICHA TÉCNICA
Título: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha
Páginas: 240
Formato: 23 x 16 x 1.6 cm
Acabamento: Brochura
Lançamento: 01/01/2013
ISBN: 978-8526018884
Selo: Global Editora
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