Álvares de Azevedo, o poeta, contista e ensaísta nasceu em São Paulo em 12 de setembro de 1831 e faleceu no Rio de Janeiro em 25 de abril de 1852. Patrono da Cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras. Era filho do então estudante de direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e de Maria Luísa Mota Azevedo, ambos de famílias ilustres. Segundo afirmação de seus biógrafos, teria nascido na sala da biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo; averiguou-se, porém, ter sido na casa do avô materno, Severo Mota. Em 1833, em companhia dos pais, mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 1840, ingressou no colégio Stoll, onde consta ter sido excelente aluno. Quatro anos depois retornou a São Paulo em companhia de seu tio. No ano seguinte, regressa novamente ao Rio de Janeiro, entrando para o internato do Colégio Pedro II.

Em 1848 matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi estudante aplicadíssimo e de cuja intensa vida literária participou ativamente, fundando inclusive a Revista Mensal da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano. Entre seus contemporâneos encontravam-se José Bonifácio, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, estes dois últimos suas maiores amizades em São Paulo, e com os quais constituiu uma república de estudantes na Chácara dos Ingleses. O meio literário paulistano, impregnado de afetação byroniana, teria inoculado no escritor componentes de melancolia, sobretudo a previsão da morte, que parece tê-lo acompanhado como demônio familiar. Tinha sempre à sua cabeceira o poemas de Imitador Byron, Musset e Heine, trio de românticos por excelência, e ainda de Shakespeare, Dante e Goethe. Proferiu as orações fúnebres por ocasião dos enterros de dois companheiros de escola, cujas mortes teriam enchido de presságios o seu espírito. Era de pouca vitalidade e de compleição delicada; o desconforto das repúblicas e o esforço intelectual minaram-lhe a saúde. Nas férias de 1851-52 manifestou-se a tuberculose pulmonar, agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo ocorrida um mês antes. A dolorosa operação a que se submeteu não fez efeito. Faleceu às 17 horas do dia 25 de abril de 1852, domingo da Ressurreição. Como quem anunciasse a própria morte, no mês anterior escrevera a última poesia sob o título “Se eu morresse amanhã”, que foi lida, no dia do seu enterro, por Joaquim Manuel de Macedo.

Entre 1848 e 1851, publicou alguns poemas, artigos e discursos. Depois da sua morte surgiram as Poesias (1853 e 1855), a cujas edições sucessivas foram se juntando outros escritos, alguns dos quais publicados antes separadamente. As obras completas, como as conhecemos hoje, compreendem: Lira dos vinte anos; Poesias diversas, O poema do frade e O conde Lopo, poemas narrativos; Macário, “tentativa dramática”; A noite na taverna, contos fantásticos; a terceira parte do romance O livro de Fra Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla, além de artigos, discursos e 69 cartas. Preparada para integrar As três liras, projeto de livro conjunto de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, a Lira dos vinte anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja edição foi preparada pelo poeta. Vários poemas foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma), à medida que iam sendo descobertos. (Cortesia Academia Brasileira de Letras)

Segue os 5 belíssimos poemas do livro “Lira dos Vinte Anos”, obra-prima do romantismo brasileiro, onde o poeta solta sua veia exacerbadamente romântica, escrevendo e descrevendo paixões arrebatadoras que sua vida breve só permitiu que fossem vividas na sua pura e bela literatura:

Amor
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
.
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
.
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
.
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
.
Vem, anjo, minha donzela,
Minha’alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
.
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
– Álvares de Azevedo, do livro “Lira dos Vinte Anos”. Porto Alegre: L&PM editores, 1998.

§§

Solidão
Nas nuvens cor de cinza do horizonte
A lua amarelada a face embuça;
Parece que tem frio e, no seu leito,
Deitou, para dormir, a carapuça.
.
Ergueu-se… vem da noite a vagabunda
Sem xale, sem camisa e sem mantilha,
Vem nua e bela procurar amantes…
— É doida por amor da noite a filha.
.
As nuvens são uns frades de joelhos,
Rezam adormecendo no oratório…
Todos têm o capuz e bons narizes
E parecem sonhar o refeitório.
.
As árvores prateiam-se na praia,
Qual de uma fada os mágicos retiros…
Ó lua, as doces brisas que sussurram
Coam dos lábios teus como suspiros!
.
Falando ao coração… que nota aérea
Deste céu, destas águas se desata?
Canta assim algum gênio adormecido
Das ondas mortas no lençol de prata?
.
Minh’alma tenebrosa se entristece,
É muda como sala mortuária…
Deito-me só e triste sem ter fome
Vendo na mesa a ceia solitária.
.
Ó lua, ó lua bela dos amores,
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro,
À meia-noite vem cear comigo!
– Álvares de Azevedo, do livro “Lira dos Vinte Anos”. Porto Alegre: L&PM editores, 1998.

§§

Lembranças de Morrer
Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
– Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
.
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde o fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
.
Só levo uma saudade – é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas …
De ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!
.
De meu pai… de meus únicos amigos,
Poucos – bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
.
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta destes flores…
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar dos teus amores.
.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo …
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
.
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
.
Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
.
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos.
Deixai a lua pratear-me a lousa!
– Álvares de Azevedo, do livro “Lira dos Vinte Anos”. Porto Alegre: L&PM editores, 1998.

Desânimo
Estou agora triste. Há nesta vida
Páginas torvas que se não apagam,
Nódoas que não se lavam… se esquecê-las
De todo não é dado a quem padece…
Ao menos resta ao sonhador consolo
No imaginar dos sonhos de mancebo!
.
Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!
Meus sonhos, consolai-me! distraí-me!
Anjos das ilusões, as asas brancas
As névoas puras, que outro sol matiza.
Abri ante meus olhos que abraseiam
E lágrimas não tem que a dor do peito
Transbordem um momento…
.
E tu, imagem,
Ilusão de mulher, querido sonho,
Na hora derradeira, vem sentar-te,
Pensativa e saudosa no meu leito!
O que sofres? que dor desconhecida
Inunda de palor teu rosto virgem?
Por que tu’alma dobra taciturna,
Como um lírio a um bafo d’infortúnio?
Por que tão melancólica suspiras?
.
Ilusão, ideal, a ti meus sonhos,
Como os cantos a Deus se erguem gemendo!
Por ti meu pobre coração palpita…
Eu sofro tanto! meus exaustos dias
Não sei por que logo ao nascer manchou-os
De negra profecia um Deus irado.
Outros meu fado invejam… Que loucura!
Que valem as ridículas vaidades
De uma vida opulenta, os falsos mimos
De gente que não ama? Até o gênio
Que Deus lançou-me à doentia fronte,
Qual semente perdida num rochedo,
Tudo isso que vale, se padeço!
.
Nessas horas talvez em mim não pensas:
Pousas sombria a desmaiada face
Na doce mão e pendes-te sonhando
No teu mundo ideal de fantasia…
Se meu orgulho, que fraqueia agora,
Pudesse crer que ao pobre desditoso
Sagravas uma ideia, uma saudade…
Eu seria um instante venturoso!
.
Mas não… ali no baile fascinante,
Na alegria brutal da noite ardente,
No sorriso ebrioso e tresloucado
Daqueles homens que, pra rir um pouco,
Encobrem sob a máscara o semblante,
Tu não pensas em mim. Na tua ideia
Se minha imagem retratou-se um dia
Foi como a estrela peregrina e pálida
Sobre a face de um lago…
– Álvares de Azevedo, do livro “Lira dos Vinte Anos”. Porto Alegre: L&PM editores, 1998.

§§

Se Eu Morresse Amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
.
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
.
Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
.
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã…
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
– Álvares de Azevedo, do livro “Lira dos Vinte Anos”. Porto Alegre: L&PM editores, 1998.

§§

Leia mais sobre: Álvares de Azevedo – o poeta da Lira dos vinte anos (biobibliografia, outros poemas, fortuna crítica e afins)

 

“…A vida é um escárnio sem sentido. Comédia infame que ensanguenta o lodo…”
– Álvares de Azevedo, em “Glória Moribunda”.







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