Uma breve coletânea de poemas do poeta russo Velimir Khlébnikov (1885-1922), que foi, segundo Roman Jakobson, um dos mais inventivos autores do século XX. Khlébnikov foi mentor da vanguarda cubo-futurista e criou a linguagem zaúm, ou transmental, que é formada por sons abstratos. Seu trabalho exerceu forte influência na obra de Vladimir Maiákovski e em todo o movimento vanguardista da poesia russa. Para saber mais sobre Khlébnikov, acesse aqui.

Os poemas:

calçando botas de olhos negros,
nas flores de meu coração.
Meninas que pousam as lanças
no lago de suas pupilas.
Meninas que lavam as pernas
no lago de minhas palavras.

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Девушки, те, что шагают
Сапогами черных глаз
По цветам моего сердца.
Девушки, опустившие копья
На озера своих ресниц.
Девушки, моющие ноги
В озере моих слов.

1921
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

Bem pouco me basta!
A crosta de pão
a gota de leite.
E mais este céu,
com as suas nuvens!

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Мне мало надо!
Краюшку хлеба
И каплю молока.
Да это небо,
Да эти облака!

1912-1922
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

Anos, homens e povos
fogem para sempre,
como água corrente.
No espelho dúctil da natureza
somos os peixes – rede, as estrelas,
os deuses: fantasmas e trevas.

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Годы, люди и народы
Убегают навсегда,
Как текучая вода.
В гибком зеркале природы
Звезды — невод, рыбы — мы,
Боги — призраки у тьмы.

1915
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

A noite é sombria,
e o álamo, frio,
o mar ressoante,
e tu, bem distante!

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И вечер темец,
И тополь земец,
И мореречи,
И ты, далече!

1921
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

A lei dos balanços determina
o uso de sapatos ora largos, ora apertados.
Que faça dia e faça noite,
que reinem sobre a terra, ora o rinoceronte, ora o homem.

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Закон качелей велит
Иметь обувь то широкую, то узкую.
Времени то ночью, то днем,
А владыками земли быть то носорогу, то человеку.

1912
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

EU E A RÚSSIA
A Rússia libertou milhares e milhares.
Um gesto nobre! Um gesto inesquecível!
Mas eu tirei a camisa
e cada arranha-céu espelhado de meus cabelos,
cada ranhura
da cidade do corpo
expôs seus tapetes e tecidos de púrpura.
As cidadezinhas e os cidadãos do estado Mim
juntavam-se às janelas dos cabelos,
as olgas e os ígores,
não por imposição,
para saudar o Sol olhavam através da pele.
Caiu a prisão da camisa!
Nada mais fiz que tirá-la.
Estava nu junto ao mar
Dei Sol aos povos de Mim!
Assim eu libertava
milhares e milhares
as brônzeas multidões.

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Я И РОССИЯ
Россия тысячам тысяч свободу дала.
Милое дело! Долго будут помнить про это.
А я снял рубаху,
И каждый зеркальный небоскреб моего волоса,
Каждая скважина
Города тела
Вывесила ковры и кумачовые ткани.
Гражданки и граждане
Меня — государства
Тысячеоконных кудрей толпились у окон.
Ольги и Игори,
Не по заказу
Радуясь солнцу, смотрели сквозь кожу.
Пала темница рубашки!
А я просто снял рубашку —
Дал солнце народам Меня!
Голый стоял около моря.
Так я дарил народам свободу,
Толпам загара.

1921
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

Os homens, quando amam,
dão longos olhares
e longos suspiros.
As feras, quando amam,
turvam os olhos,
dando mordidas de espuma.
Os Sóis, quando amam,
vestem a noite com tecidos de terra,
e dançam majestosos para a amada.
Os deuses, quando amam,
prendem o frêmito do cosmos,
como Puchkin – a chama de amor da criada de Volkónski.

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Люди, когда они любят,
Делающие длинные взгляды
И испускающие длинные вздохи.
Звери, когда они любят,
Наливающие в глаза муть
И делающие удила из пены.
Солнца, когда они любят,
Закрывающие ночи тканью из земель
И шествующие с пляской к своему другу.
Боги, когда они любят,
Замыкающие в меру трепет вселенной,
Как Пушкин — жар любви горничной Волконского.

1911
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

O camponês, deixando a enxada,
contemple o voo de um corvo
e diga: em sua voz ressoa
a Guerra de Tróia,
a ira de Aquiles,
o pranto de Hécuba,
enquanto volteia
sobre nossas cabeças.
Que a mesa empoeirada
deixe desenhos
nas pardas profundezas das ondas.
Estranhos desenhos.
Um menino curioso dirá:
Essa poeira é Moscou
talvez o pasto de Pequim ou de Chicago.
A rede de um pescador
entrama as capitais da Terra
com os laços da poeira,
na malha sonora dos séculos.
E a noiva não desejando
trajar debrum de unhas fúnebres
afirme, ao limpá-las: aqui resplandecem
vivos Sóis e tantos mundos
de todo inatingíveis,
que a unha cobriu com carne fria.
Creio que Sirius resplandece sob as unhas
rompendo com seu brilho a escuridão.

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Пусть пахарь, покидая борону,
Посмотрит вслед летающему ворону
И скажет: в голосе его
Звучит сраженье Трои,
Ахилла бранный вой
И плач царицы,
Когда он кружит, черногубый,
Над самой головой.
Пусть пыльный стол, где много пыли,
Узоры пыли расположит
Седыми недрами волны.
И мальчик любопытный скажет:
Вот эта пыль — Москва, быть может,
А это — Пекин иль Чикаго пажить.
Ячейкой сети рыболова
Столицы землю окружили.
Узлами пыли очикажить
Захочет землю звук миров.
И пусть невеста, не желая
Носить кайму из похорон ногтей,
От пыли ногти очищая,
Промолвит: здесь горят, пылая,
Живые солнца и те миры,
Которых ум не смеет трогать.
Закрыл холодным мясом ноготь.
Я верю, Сириус под ногтем
Разрезать светом изнемог темь.

1921-1922
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

Noite cheia de constelações.
De que destino e informações,
brilhas, ó livro, intensamente?
Será por jogo ou livremente?
Ler a sorte, quando me basta,
à meia noite, em céu tão vasto?

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Ночь, полная созвездий.
Какой судьбы, каких известий
Ты широко сияешь, книга?
Свободы или ига?
Какой прочесть мне должно жребий
На полночью широком небе?

1912
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

Dostoievismo de nuvens fugaz!
Puchkínotas de um lento meio-dia!
A noite tiucheviza sempre mais,
cobrindo de infinito as cercanias.

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О, достоевскиймо бегущей тучи!
О, пушкиноты млеющего полдня!
Ночь смотрится, как Тютчев,
Безмерное замирным полня.

1908-1909
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

NÚMEROS
Eu vos contemplo, ó números!,
E vós me vedes, vestidos de animais, em suas peles,
As mãos sobre carvalhos destroçados,
Ofereceis a união entre o serpear
Da espinha dorsal do universo e a dança da balança.
Permitis a compreensão dos séculos, como os dentes numa breve gargalhada.
Meus olhos se arregalam intensamente.
Aprender o destino do Eu, se a unidade é seu dividendo.

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ЧИСЛА
Я всматриваюсь в вас, о, числа,
И вы мне видитесь одетыми в звери, в их шкурах,
Рукой опирающимися на вырванные дубы.
Вы даруете единство между змееобразным движением
Хребта вселенной и пляской коромысла,
Вы позволяете понимать века, как быстрого хохота зубы.
Мои сейчас вещеобразно разверзлися зеницы
Узнать, что будет Я, когда делимое его — единица.

1912
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

Rá vê seus olhos no pântano ferruginoso e avermelhado,
contemplando a si mesmo e a seu sonho
no ratinho que rouba delicado o cereal pantanoso,
na jovem rã que incha bolhas brancas em sinal de desafio,
na grama verde que corta com escrita vermelha o corpo
[da moça curvada como a foice,
enquanto reúne carriços para o fogo e para a casa,
na correnteza de peixes que movem as matas e soltam
[pequenas bolhas para a superfície,
cercado por um Volga de olhos.
Rá – prolongado em milhares de plantas e animais;
Árvore de folhas vivas, fugazes, pensantes, que sibilan e gemem.
Um Volga de olhos,
mil olhos o seguem, mil raios.
E Rázin
após lavar os pés,
ergue a cabeça contemplando Rá,
até que o pescoço se adelgace num filete avermelhado.

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Ра — видящий очи свои в ржавой и красной болотной воде,
Созерцающий свой сон и себя
В мышонке, тихо ворующем болотный злак,
В молодом лягушонке, надувшем белые пузыри в знак мужества,
В траве зеленой, порезавшей красным почерком стан у
[девушки, согнутой с серпом,
Собиравшей осоку для топлива и дома,
В струях рыб, волнующих травы, пускающих кверху пузырьки,
Окруженный Волгой глаз,
Ра — продолженный в тысяче зверей и растений,
Ра — дерево с живыми, бегающими и думающими листами,
[испускающими шорохи, стоны.
Волга глаз,
Тысячи очей смотрят на него, тысячи зир и зин.
И Разин,
Мывший ноги,
Поднял голову и долго смотрел на Ра,
Так что тугая шея покраснела узкой чертой.

1921
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

O CARVALHO DA PÉRSIA
Na trama de espessas raízes,
como um cântaro vazio,
ergue o carvalho as flores seculares
com uma gruta para anacoretas.
Ao som dos ramos
sibila a consonância
de Marx e Mazda.
“Chamau, chamau!
Uach, uach, chagan!”
Quais lobos açulados
Espalham-se os chacais.
E o ressoar da ramagem recorda
a melodia dos tempos de Báty.

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ДУБ ПЕРСИИ
Над скатертью запутанных корней
Пустым кувшином
Подымает дуб столетние цветы
С пещерой для отшельников.
И в шорохе ветвей
Шумит созвучие
С Маздаком Маркса.
«Хамау, хамау,
Уах, уах, хаган!» —
Как волки, ободряя друг друга,
Бегут шакалы.
Но помнит шепот тех ветвей
Напев времен Батыя.

1921
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

§

– Senta, Gul Mulá!
Uma bebida quente banhou o meu rosto.
– Água negra? Olhou-me Ali Mohammed, pondo-se a rir:
– Eu sei quem você é.
– Quem?
– Um Gul Mulá.
– Um sacerdote das flores?
– Sim-sim-sim,
Rema e sorri.
Navegamos num golfo espelhado
junto a uma nuvem de amarras e monstros de ferro
chamados “Trotski” e “Rosa Luxemburgo”.

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— Садись, Гуль-мулла.
Черный горячий кипяток, брызнул мне в лицо?
Черной воды? Нет — посмотрел Али-Магомет, засмеялся:
— Я знаю, ты кто.
— Кто?
— Гуль-мулла.
— Священник цветов?
— Да-да-да.
Смеется, гребет.
Мы несемся в зеркальном заливе
Около тучи снастей и узорных чудовищ с телом железным,
С надписями «Троцкий» и «Роза Люксембург».
– Velimir Khlébnikov (Велимир Хлебников), em “Eu e a Rússia: poemas de Khlébnikov”. [seleção, tradução e notas Marco Lucchesi; ilustrações Rita Soliéri]. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014.

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revistaprosaversoearte.com - Velimir Khlébnikov - poemas
Velimir Khlebnikov, por M. Larionov (1910)

Leia mais sobre o poeta russo
:: Velimir Khlébnikov – poeta futurista russo (biografia, outros poemas, fortuna crítica e afins)

Leia aqui a entrevista de Marco Lucchesi
PRESTES, Zóia. Marco Lucchesi e a tradução. in: Agulha Revista de Cultura, 30 de agosto de 2017. Disponível no link. (acessado em 19.4.2018)

© Obra em domínio público

© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva







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