Era apenas uma bengala.
Mas, para quem olhava de fora, parecia o fim.
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O fim da autonomia, da juventude, da leveza, do andar livre e solto pelo mundo.
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Mas não era. Era o começo.
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A minha bengala, chamada Flores, chegou na minha história corajosa depois de quebrar o pé, como quem estende a mão a alguém que está prestes a cair de novo. Ela me dava coragem!
Sem fazer alarde, sem me ocupar demais, sem exigir nada em troca além da permissão para estar ali — presente, firme e silenciosa.
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E muita gente precisa de uma bengala chamada Flores quando percebe que os joelhos começam a avisar que não aguentam mais sozinhos.
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Quando o medo de cair está agora passando a pesar mais do que o orgulho de não precisar de apoio.
E foi assim que começou a virada.
Com o tempo, Flores deixa de ser um estigma e vira companhia.
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Bengala pode ser a força de uma liberdade responsável.
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Porque com a bengala, toda mulher volta a andar mais segura, a sair de casa, a subir a calçada, a enfrentar a vida em pé.
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O preconceito contra bengalas não está nas mãos de quem as usa, mas nos olhos de quem julga.
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É como se admitir uma necessidade fosse sinônimo de fracasso, quando na verdade é pura sabedoria.
Quem aceita uma bengala aceita o tempo, aceita o corpo, aceita viver com inteligência.
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Porque a vida não exige que sejamos invencíveis. Ela só pede que sigamos em frente, com o que for necessário para não parar.
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Há quem dê nome ao cão, à planta, à bicicleta. Por que não nomear também a bengala que salva quedas e devolve caminhos?
Flores pode ser o nome de uma bengala da Ana, mas também pode ser o nome de uma escolha: a de não cair, a de não se esconder, a de caminhar com dignidade.
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Que sejamos capazes de olhar para uma bengala e ver coragem,
não fraqueza. Ver humanidade, não limitação. Ver vida, e não declínio.
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Eu vejo um cajado de poder sobre o tempo.
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Uma bengala não é um fardo. É força concentrada num ponto. É a sabedoria de quem entende que o corpo muda, mas o valor de caminhar continua o mesmo.
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* Ana Claudia de Lima Quintana Arantes é uma médica, escritora, palestrante e professora brasileira reconhecida por seu trabalho pioneiro em cuidados paliativos, envelhecimento e abordagem humanizada da morte e do luto.
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