ISTO
ÇA

(de PARIS)

Bastardo de Crioula e Bretão,
Ele viu Paris – aglomerado,
Bazar que da pedra é privado,
Onde o sol é um vago borrão.

– Ânimo! Em fila… à multidão
Um guarda te empurra – cuidado! –
…Incêndio sem luz, apagado;
Baldes passam, vazios ou não. –

E a Musa, donzela desdita,
Fez o ponto qual senhorita.
Diziam: Quais são seus talentos?

– Nenhum. – Estúpida ficava,
Alheia ao vazio que soava
Só olhava passar o vento…
.

(de PARIS)

Bâtard de Créole et Breton,
Il vint aussi là — fourmilière,
Bazar où rien n’est en pierre,
Où le soleil manque de ton.

— Courage! On fait queue… Un planton
Vous pousse à la chaîne — derrière! —
… Incendie éteint, sans lumière;
Des seaux passent, vides ou non. —

Là, sa pauvre Muse pucelle
Fit le trottoir en demoiselle,
Ils disaient: Qu’est-ce qu’elle vend?

— Rien. — Elle restait là, stupide,
N’entendant pas sonner le vide
Et regardant passer le vent…
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

(de PARIS)

A minha roseira – Baile, baile!
Já não tem botão – Bem bailado!

Poeta – A coisa?… Pois não:
O Parnaso a ser escalado,
O Desgostoso, o Sacristão,
A Clorose, o Desvairado…

O Incompreendido desempoeira
A pose ao sombrio lampião.
O Ingênuo: “a minha roseira,
Baile, baile! não tem botão!”

“Um botão na roseira, Bailado!”
– A seu passo o pé ritmado.
“Na roseira”… – Tarde demais! –

“Um botão” … – Natureza em flor!
– É pedicuro, é provador
Quem faz arte… e pouco mais!
.

(de PARIS)

Je voudrais que la rose, — Dondaine!
Fut encore au rosier, — Dondé!

Poète — Après?… Il faut la chose:
Le Parnasse en escalier,
Les Dégoûteux, et la Chlorose,
Les Bedeaux, les Fous à lier….

L’Incompris couche avec sa pose,
Sous le zinc d’un mancenillier;
Le Naïf “voudrait que la rose,
Dondé! fût encore au rosier!“

“La rose au rosier, Dondaine!“
— On a le pied fait à sa chaîne.
“La rose au rosier“… — Trop tard! —

“La rose au rosier“… — Nature!
— On est essayeur, pédicure,
Ou quelqu’autre chose dans l’art!
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

(de PARIS)

Tu ris. – Pois ri! – Te acostuma
Ao fel, Mefisto gozador.
Absinto! e teu lábio escuma…
Diz que vem do peito esta dor.

Faz de ti tua obra póstuma.
Castra o amor… o amor – torpor!
A glória em miasmas se avoluma
Em teu mau pulmão, ó vencedor!

Basta. Agora vai!
Deixa antes
Tua bolsa – última amante –
E a arma – último camarada…

Essa pistola enferrujada!
… Ou bebe teu resto de vida
Sobre a toalha desservida…
.

(de PARIS)

Tu ris. — Bien! — Fais de l’amertume,
Prends le pli, Méphisto blagueur.
De l’absinthe! et ta lèvre écume…
Dis que cela vient de ton cœur.

Fais de toi ton œuvre posthume,
Châtre l’amour… l’amour — longueur!
Ton poumon cicatrisé hume
Des miasmes de gloire, ô vainqueur!

Assez, n’est-ce pas? va-t’en!
Laisse
Ta bourse — dernière maîtresse —
Ton revolver — dernier ami…

Drôle de pistolet fini!
… Ou reste, et bois ton fond de vie,
Sur une nappe desservie…
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

EPITÁFIO

Salvo os amantes principiantes ou finados que querem principiar pelo fim existem tantas coisas que findam pelo princípio que o princípio por princípio é o próprio fim o fim será tal que os amantes e outros finalmente principiarão por reprincipiar por este princípio que afinal terá sido somente o fim retornado o que a princípio será igual à eternidade que não tem fim nem princípio e será por fim também finalmente igual à rotação da terra onde afinal não se distinguirá mais onde principia o fim de onde finda o princípio que é todo fim de todo princípio igual a todo princípio de todo fim que é o princípio final do infinito definido pelo indefinido – Igual um epitáfio igual um prefácio e reciprocamente.

Sabedoria das Nações

Morreu de preguiça, ou matou-se exaltado.
Se vive, é de olvido; eis aqui seu legado:

— Não ser sua amante foi seu único pecado. —

Veio ao mundo por descuido,
De vento em proa empurrado,
Ele foi um angu-guisado,
Mistura adúltera de tudo.

Tinha um algo mais, — mais de menos;
Ouro, — dormindo no sereno;
Nervos, —mas de vigor estanco;
Ímpeto, — só que era manco;
Alma, — e sem um violino;
Amor, — era macho franzino.

— Nomes demais para ter um nome. —

Idealista, — a idéia faltava;
Rima rica, — sem muita arte;
Como quem tinha estado, voltava,
Perdido sempre em toda parte.

Poeta, apesar do verso;
Artista sem arte, — ao inverso,
Filósofo, — do que é diverso.

Arlequim, — sem ser engraçado.
Ator, esqueceu seu papel;
Pintor: ele tocava um fado;
E músico: usava o pincel.

Um crânio! — mas sem miolos;
Louco demais para ser tolo;
Tão ligado à palavra tão.
— Seu verso manco não foi em vão.

Ave rara, — uma bagatela;
Tão macho… e às vezes tão ela;
Capaz de tudo, — bom para nada;
Fazia o mal, mas de bom grado.
Com o menino do Testamento,
Pródigo, — mas sem testamento.
Bravo, — temendo entrar em cena,
Acabava fazendo uma cena.

Colorista fogoso, — e descorado;
Incompreendido, — do próprio peito;
Chorou, cantou bem desafinado;
— E foi um defeito perfeito.

Um ninguém que não tinha igual
A pose era o seu natural.
Não posava, — posando de único;
Muito ingênuo, e muito cínico;
Cético do posto e seu oposto.
— Seu gosto estava no desgosto.

Cru, — porque sempre esteve frito,
Ele era a sua cara, escrito.
Do tédio sentia tal falta
Que se acordava noite alta.
Flanava ao largo, — com a brisa,
Como destroços à deriva.

Cheio de Si, sem se suportar,
Alma no chão, cabeça no ar,
Acabado, não soube acabar,
Morreu à espera de viver
Viveu, à espera de morrer.

Aqui jaz, — coração de pedra, desancorado,

Vitorioso fracassado.
.

ÉPITAPHE

Sauf les amoureux commençans ou finis qui veulent commencer par la fin il y a tant de choses qui finissent par le commencement que le commencement commence à finir par être à la fin la fin en sera que les amoureux et autres finiront par commencer à recommencer par ce commencement qui aura fini par n’être que la fin retournée ce qui commencera par être égal à l’éternité qui n’a ni fin ni commencement et finira par être aussi finalement égal à la rotation de la terre où l’on aura fini par ne distinguer plus où commence la fin d’où finit le commencement ce qui est toute fin de tout commencement égale à tout commencement final de l’infini défini par l’indéfini. — Égale une épitaphe égale une préface et réciproquement.

(Sagesse des Nations)

Il se tua d’ardeur, ou mourut de paresse,
S’il vit, c’est par l´oubli; voici ce qu’il se laisse:

— Son seul regret fut de n’être pas sa maîtresse. —

Il ne naquit par aucun bout,
Fut toujours poussé vent-de-bout,
Et fut un arlequin-ragoût,
Mélange adultère du tout.

Du je-ne-sais-quoi. — mais ne sachant où;
De l’or, — mais avec pas le sou;
Des nerfs, — sans nerf; vigueur sans force;
De l’élan, — avec une entorse;
De l’âme, — et pas de violon;
De l’amour, — mais pire étalon.

— Trop de noms pour avoir un nom. —

Coureur d’idéal, — sans idée;
Rime riche, — et jamais rimée;
Sans avoir été, — revenu;
Se retrouvant partout perdu.

Poète, en dépit de ses vers;
Artiste sans art, — à l’envers;
Philosophe, — à tort à travers.

Un drôle sérieux, — pas drôle.
Acteur: il ne sut pas son rôle;
Peintre: il jouait de la musette;
Et musicien: de la palette.

Une tête! — mais pas de tête;
Trop fou pour savoir être bête;
Prenant pour un trait le mot très.
— Ses vers faux furent ses seuls vrais.

Oiseau rare — et de pacotille;
Très mâle… et quelquefois très fille;
Capable de tout, — bon à rien;
Gâchant bien le mal, mal le bien.
Prodigue comme était l’enfant
Du Testament, — sans testament.
Brave, et souvent, par peur du plat,
Mettant ses deux pieds dans le plat.

Coloriste enragé, — mais blême;
Incompris… — surtout de lui-même;
Il pleura, chanta juste faux;
— Et fut un défaut sans défauts.

Ne fut quelqu’un, ni quelque chose.
Son naturel était la pose.
Pas poseur, — posant pour l’unique;
Trop naïf, étant trop cynique;
Ne croyant à rien, croyant tout.
— Son goût était dans le dégoût.

Trop crû, — parce qu’il fut trop cuit,
Ressemblant à rien moins qu’à lui,
Il s’amusa de son ennui,
Jusqu’à s’en réveiller la nuit.
Flâneur au large, — à la dérive,
Épave qui jamais n’arrive…

Trop Soi pour se pouvoir souffrir,
L’esprit à sec et la tête ivre,
Fini, mais ne sachant finir,
Il mourut en s’attendant vivre
Et vécut, s’attendant mourir.

Ci-gît, — cœur sans cœur, mal planté,

Trop réussi — comme raté.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

OS AMORES AMARELOS
LES AMOURS JAUNES

I SONETO
ACOMPANHADO DE MODO DE USAR

Pautar a folha e caprichar na letra:

Versos fiados à mão e de um pé uniforme,
Marcando o passo, quatro a quatro, em pelotão;
Indicando a cesura, eis que um deles dorme…
Soldado de chumbo, ele dorme em posição.

Sobre o railway do Pindo está a linha, a forma;
E nos fios do telégrafo: – são quatro, acima;
Em cada poste, a rima – um exemplo: pro forma.
Cada verso é um fio, cada estaca uma rima.

– Telegrama – 20 palavras. – Tu vens e medes
(Sonetos – é um soneto –), ó Musa de Arquimedes.
– A prova do soneto é uma adição;

– Soma-se 4 e 4 = 8! E logo em seguida
Soma de 3 e 3! – Manter Pégaso à brida :
“Ó lira! Ó delírio! Ó…” – Soneto – Atenção!

            Pico da Maladetta. – Agosto
.

I SONNET
AVEC LA MANIÈRE DE S’EN SERVIR

Réglons notre papier et formons bien nos lettres:

Vers filés à la main et d’un pied uniforme,
Emboîtant bien le pas, par quatre en peloton;
Qu’en marquant la césure, un des quatre s’endorme…
Ça peut dormir debout comme soldats de plomb.

Sur le railway du Pinde est la ligne, la forme;
Aux fils du télégraphe: — on en suit quatre, en long;
À chaque pieu, la rime — exemple: chloroforme.
— Chaque vers est un fil, et la rime un jalon.

— Télégramme sacré — 20 mots. — Vite à mon aide…
(Sonnet — c’est un sonnet —) ô Muse d’Archimède!
— La preuve d’un sonnet est par l’addition:

— Je pose 4 et 4 = 8! Alors je procède,
En posant 3 et 3! — Tenons Pégase raide:
“Ô lyre! Ô délire! Ô…” — Sonnet — Attention!

          Pic de la Maladetta. — Août.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

DUELO DAS CAMÉLIAS
Eu vi o sol duro de encontrar aos tufos
Esgrimir. – Vi a esgrima ensolarar,
Fazendo paradas em lances bufos;
Melros de negro assistiam brilhar.

Um senhor em camisa se apromtava;
Parecia uma camélia, todo branco;
No ramo outra flor rosa vicejava
Como… E o florete vergou num flanco.

– Raiva, estou roxo!… Ah! ele me degola –
… Camélia branca – lá – como Sua gola…
Camélia amarela, – aqui – mastigada…

Meu amor morto, da lapela caiu.
– Eu , chaga aberta, flor primaveril!
Camélia viva, de sangue matizada!

Veneris Dies 13 ***
.

DUEL AUX CAMÉLIAS
J’ai vu le soleil dur contre les touffes
Ferrailler. — J’ai vu deux fers soleiller,
Deux fers qui faisaient des parades bouffes;
Des merles en noir regardaient briller.

Un monsieur en ligne arrangeait sa manche;
Blanc, il me semblait un gros camélia;
Une autre fleur rose était sur la branche,
Rose comme… Et puis un fleuret plia.

— Je vois rouge… Ah oui! c’est juste: on s’égorge —
… Un camélia blanc — là — comme Sa gorge…
Un camélia jaune, — ici — tout mâché…

Amour mort, tombé de ma boutonnière.
— À moi, plaie ouverte et fleur printanière!
Camélia vivant, de sang panaché!

Veneris Dies 13***
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

POBRE RAPAZ
A Besta-Fera.

Ele que assobiava altivo, seu desafinamento,
Perto de mim minguava; ele procurava,
Não achava, e… eu gostava de ver que o tento
Lhe faltava, o herói não soube ver que me amava.

Provoquei ricochetes no peito em tormento.
Ele só olhava… É isso que o estragava?…
Que difícil é tocar o poeta, este instrumento!…
Eu o toquei, E isso – de fato – me alegrava.

Morreu!… Ah – até que era um rapaz engraçado.
Levou então a sério o papel destinado
Para si, nem me contou… – E morreu, assim?…

Teria se deixado fluir de poesia?…
Morte de chic, de tísica, ou porque bebia,
Ou, talvez, enfim de nada…
talvez de Mim!
.

PAUVRE GARÇON
La Bête féroce.

Lui qui sifflait si haut, son petit air de tête,
Était plat près de moi; je voyais qu’il cherchait…
Et ne trouvait pas, et… j’aimais le sentir bête,
Ce héros qui n’a pas su trouver qu’il m’aimait.

J’ai fait des ricochets sur son cœur en tempête.
Il regardait cela… Vraiment, cela l’usait?…
Quel instrument rétif à jouer, qu’un poète!…
J’en ai joué. Vraiment — moi — cela m’amusait.

Est-il mort?… Ah — c’était, du reste, un garçon drôle.
Aurait-il donc trop pris au sérieux son rôle,
Sans me le dire… au moins. — Car il est mort, de quoi?…

Se serait-il laissé fluer de poésie…
Serait-il mort de chic, de boire, ou de phtisie,
Ou, peut-être, après tout: de rien…
ou bien de Moi.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

SERENATA DAS SERENATAS
SÉRÉNADE DES SÉRÉNADES

TELHA
Não! Prefiro esperar sentado
Cair uma telha.
Lembrança Tua que o telhado
Vem me dar na telha.

Lambi a pedra, — me obceca
A sede – rumino
Grama numa Cólica-seca
Do intestino!

Eu rasgarei – maldito espasmo! –
Teu tímpano ou a pele de asno
De meu bom tambor!

E, ó janela! calma e pura,
Jaz talvez em tua moldura…

………………………………………………..

Um surdo senhor!
.

TOIT
Tiens non! J’attendrai tranquille,
Planté sous le toit,
Qu’il me tombe quelque tuile,
Souvenir de Toi!

J’ai tondu l’herbe, je lèche
La pierre, — altéré
Comme la Colique-sèche
De Miserere!

Je crèverai — Dieu me damne! —
Ton tympan ou la peau d’âne
De mon bon tambour!

Dans ton boîtier, ô Fenêtre!
Calme et pure, gît peut-être…
. . . . . . . . . . . . . . . .
Un vieux monsieur sourd!
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

HORAS
Esmola ao salteador em caça
Ao olho assassino um mau-olhado!
Ao espadachim ferro cruzado!
— Minha alma não está em estado de graça! —

Sou o lunático de Pamplona,
Meu medo é o riso que ressona:
É a Lua hipócrita no céu,
Horror! trazendo a noite com seu negro véu…

Já ouço a matraca se agitando…
É a mala hora me chamando.
Dentro do oco das noites cai: um dobre… dois

Já contei mais de quatorze horas…
A hora é uma lágrima – Choras,

Peito meu!… Cante mais, cante – Conte depois.
.

HEURES
Aumône au malandrin en chasse
Mauvais œil à l’œil assassin!
Fer contre fer au spadassin!
— Mon âme n’est pas en état de grâce! —

Je suis le fou de Pampelune,
J’ai peur du rire de la Lune,
Cafarde, avec son crêpe noir…
Horreur! tout est donc sous un éteignoir.

J’entends comme un bruit de crécelle…
C’est la male heure qui m’appelle.
Dans le creux des nuits tombe: un glas… deux glas

J’ai compté plus de quatorze heures…
L’heure est une larme — Tu pleures,

Mon cœur!… Chante encor, va — Ne compte pas.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

GOLPES DA SORTE
RACCROCS

RAPSÓDIA DO SURDO
À Senhora D***

O homem da arte diz: – Já chega, está perfeito.
O senhor está surdo; tratamento feito.
Agora, entre os órgãos, tem de menos o ouvido. –
E ele entendeu, sem ter nem ao menos ouvido.

– “Muito grato, doutor, pela devolução
Da cabeça como um caixão.
A crédito, ouvirei tudo de agora em diante
Com um orgulho confiante…

Pelos belos olhos – Mas o olho tem inveja
Da orelha vazada!… – Não – Por que gritar?
… Se contra o ridículo em face se esbraveja,
Na face, com certeza, ele vem injuriar! …

Eu, manequim mudo, e público! Mais tarde,
Na rua, um amigo virá dizer, à parte:
– Meu velho gagá… ou nada, delicado;
E eu lhe responderei – Bem e você, obrigado! –

Se alguém me fala aos berros, fico furioso;
Se, ao contrário, se cala: seria de dó?…
Como em um enigma, eu procuro cauteloso
Um jogo de palavras… – Não – Pois estou só!

– Ou alguém – outra viola – de oficiosa casta
Cujo beiço faz movimentos de quem pasta,
Pensa falar comigo… E eu mostro, entre os dentes,
Um sorriso idiota – com ar inteligente!

– Gorro de lã cinza que minh`alma aprisiona!
E – belo coice de mula… Eia! – Uma dona
Que também é velha Feirante da Paixão!
Virá salivar sua santa compaixão
Na trompa de Eustáquio, gritando, com vontade,
Sem que seu calo eu possa pisar à vontade!

– Tolo como a virgem e altivo como o leproso
Estou aqui, ausente… Dizem: O cretinoso
É um poeta amordaçado, ouriço às avessas?… –
Um dar de ombros diz: é um surdo, esqueça!

– Histérico tormento de um Tântalo acústico!
Palavras voam sem que eu possa abocanhar;
Papa-mosca na boca aberta de um mosquito,
Bode expiatório espiando a culpa lhe pesar.
Ó música celeste: o gesso arranhado
Por uma concha! a faca fazendo estridor
Numa rolha!… um osso vivo sendo serrado!
Um refrão de teatro! um rondó! um senhor!…

– Nada – Falo pelos fundos… Frases que ao ar
Vou soltando de chic, sem saber se falo grego…
Ou talvez com o clarinete a gaitear
De um cego tapado que se engana de dedo.

– Vai, pêndulo bêbado, alterar o meu juízo!
Bate a toda o tambor surdo, taquara rachada
Que vem dar à voz feminina um quê de guizo,
Um quê de cuco!… e às vezes: uma mosca alada…

– Repousa, peito meu! e só do repouso vela.
Na lanterna furta-fogo abafa a vela
E tudo o que aí – já não sei onde – vibrava,
Masmorra onde se acaba de por uma trava.

– Cala-te por mim, Ídolo contemplativo,
Esquecendo a palavra, ambos compreensivos,
Não me dirás nada: eu não farei objeção…
E nada poderá desdourar tal relação.

O silêncio é de ouro
                    (São João Crisóstomo)
.

RAPSODIE DU SOURD
À Madame D***

L’homme de l’art lui dit: – Fort bien, restons-en là.
Le traitement est fait: vous êtes sourd. Voilà
Comme quoi vous avez l’organe bien perdu. –
Et lui comprit trop bien, n’ayant pas entendu.

– “Eh bien, merci Monsieur, vous qui daignez me rendre
La tête comme un bon cercueil.
Désormais, à crédit, je pourrai tout entendre
Avec un légitime orgueil…

À l’oeil – Mais gare à l’oeil jaloux, gardant la place
De l’oreille au clou!… – Non – À quoi sert de braver?
… Si j’ai sifflé trop haut le ridicule en face,
En face, et bassement, il pourra me baver!…

Moi, mannequin muet, à fil banal! – Demain,
Dans la rue, un ami peut me prendre la main,
En me disant: vieux pot…. ou rien, en radouci;
Et je lui répondrai – Pas mal et vous, merci! –

Si l’un me corne un mot, j’enrage de l’entendre;
Si quelqu’autre se tait: serait-ce par pitié?…
Toujours, comme un rebus, je travaille à surprendre
Un mot de travers… – Non – On m’a donc oublié!

– Ou bien – autre guitare – un officieux être
Dont la lippe me fait le mouvement de paître,
Croit me parler… Et moi je tire, en me rongeant,
Un sourire idiot – d’un air intelligent!

– Bonnet de laine grise enfoncé sur mon âme!
Et – coup de pied de l’âne… Hue! – Une bonne-femme
Vieille Limonadière, aussi, de la Passion!
Peut venir saliver sa sainte compassion
Dans ma trompe-d’Eustache, à pleins cris, à plein cor,
Sans que je puisse au moins lui marcher sur un cor!

– Bête comme une vierge et fier comme un lépreux,
Je suis là, mais absent… On dit: Est-ce un gâteux,
Poète muselé, hérisson à rebours?… –
Un haussement d’épaule, et ça veut dire: un sourd.

– Hystérique tourment d’un Tantale acoustique!
Je vois voler des mots que je ne puis happer;
Gobe-mouche impuissant, mangé par un moustique,
Tête-de-truc gratis où chacun peut taper.
Ô musique céleste: entendre, sur du plâtre,
Gratter un coquillage! un rasoir, un couteau
Grinçant dans un bouchon!… un couplet de théâtre!
Un os vivant qu’on scie! un monsieur! un rondeau!…

– Rien – Je parle sous moi… Des mots qu’à l’air je jette
De chic, et sans savoir si je parle en indou…
Ou peut-être en canard, comme la clarinette
D’un aveugle bouché qui se trompe de trou.

– Va donc, balancier soûl affolé dans ma tête!
Bats en branle ce bon tam-tam, chaudron fêlé
Qui rend la voix de femme ainsi qu’une sonnette,
Qu’un coucou!… quelquefois: un moucheron ailé…

– Va te coucher, mon cœur! et ne bats plus de l’aile.
Dans la lanterne sourde étouffons la chandelle,
Et tout ce qui vibrait là – je ne sais plus où –
Oubliette où l’on vient de tirer le verrou.

– Soyez muette pour moi, contemplative Idole,
Tous les deux, l’un par l’autre, oubliant la parole,
Vous ne me direz mot: je ne répondrai rien…
Et rien ne pourra dédorer l’entretien.

Le silence est d’or

                        (Saint Jean Chrysostome)
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

LITANIA DO SONO
      Cansei o sono!
Macbeth

Você que ronca ao pé da esposa adormecida,
RUMINANTE! Conhece a INSÓNIA, esse gemido?
— Você já viu a Noite, viu o Sono alado,
Mariposa à meia-noite alta esvoaçada,
Sem asas amigas, ficando na soleira,
Só, em um buraco negro sem ribanceira?
Já navegou?… — Não? — O pensamento restolha
Seixos como a onda: minha cabeça… uma bóia.
— Já deixou-se embarcar em um balão?
— Não? — Pois é a insónia. — Um pontapé malsão
Lá! — Você verá velinhas em desarranjo:
Uma mulher, uma Glória de sol, arcanjos…
E quando apaga a noite no dia mal nascido,
Você acorda imóvel, sem ter adormecido.

*
SONO! falarei baixo : escuta-me direito :
Sono. – Dossel-de leito dos que não têm Leito!

TU que planas junto ao Albatroz da tormenta,
E que em honestos gorros-de-pompom te assentas!
SONO! – Travesseiro branco da virgem completa!
Das virgens cem por cento a Válvula secreta!
– Colchão macio da espinha que se espeta!
Saco preto onde o acusado esconde a veneta!
Vagabundo de arrabalde! Proxeneta!
País no qual o mudo acorda profeta!
Cesura do verso longo, e Rima do poeta!

SONO! – Lobisomem cinza! Negrura esfumaçada!
SONO! – Máscara das más caras, de renda embalsamada!
Beijo da Desconhecida, e Beijo da Amada!
– SONO! Larápio noturno! Viração revirada!
Perfume indo ao céu das tumbas perfumadas!
Carruagem que leva a puta ao conto de fadas!
Obsceno Confessor das devotas abortadas!

TU que vens com a tua lambida canina
Consolar o mártir que a morte tortura ainda!
Sorriso forçado da crise que finda!
SONO! – Brisa alísia! Bruma matutina!

EXCESSO de existência, nova Esponja-de-aço
No CAFÉ DA VIDA, para cada prato grasso!
Grão de tédio que chove do tédio do espaço!
Coisa que passou aqui, sem esteira ou traço!
SONO! – Passagem do impasse! Ponte do lapso!

SONO! – Camaleão lantejoulado de estrelas!
Navio-fantasma errando só a toda vela!
Mulher do encontro, que ainda mal se desvela!
SONO! – Aranha triste, tua teia é minha cela!

SONO aureolado! Apoteose luxuosa
Exaltando o catre do sem-classe que posa!
Paciente Auditor do incompreendido e sua prosa!
Refúgio do pecador, da inocência medrosa!
Dominó! Diabos-azuis! Anjo da guarda rosa!

VOZ fugaz ressoando com eternas ondas!
Despertar de ecos mortos e coisas profundas,
– Jornal da noite: TEMPS, SIÈCLE e REVUE DES DEUX MONDES!

FONTE da Juventude e Fronteira da ousadia!
– Tu que atendes a fome não atendida!
Tu que vens liberar a alma precavida,
Imundando-a de ar puro ao largo desta vida!

TU que, cortinas fechadas, solta o cordão
Que controla o Gato, o Delegado, e o Bufão,
Também o Violonista e o seu violão,
A lira e as Musas de boa reputação!

BOM Deus, Deus do Amor! Amor de minha Amante
Que me engana contigo – Preguiça estimulante –
Ó Banho de volúpias! Carícia fulgurante!

SONO! Honestidade dos ladrões! Luar
Dos olhos pregados! – SONO! Fortuna a sortear
Aos desafortunados! Varredosr do pesar!

Ferradurada do Planeta indo para o brejo!
Acorde eólico a que o ouvido surdo almeja!
– Narrador que dorme em pé: conversa fiado?…
SONO! – Chave mestra dos que à porta são colocados!

SONO! – Cara-de-pau do cobrador! Porta do cobrado!
Lareira dos que têm o lume apagado!
Lareira dos que têm apagado o lume!
– Contra a esposa-forte marital tapume!

FUNDOS dos profundos! Lisura dos papalvos!
O alvo do soldado e o soldador dos alvos!
Paz do juíz de paz! Onde a polícia está a salvo!
SONO! – Dama-da-noite entreabrindo o cálice malvo!
Larva, Noturno Cilício, Vaga-lume!

RESPIRADOURO! Sopro de poeira impalpável,
Apagando do dia a lanterna implacável!

*
SONO – falarei baixo: escuta o que vou dizer:
Crepúsculo vago do Ser ou não ser! …

OBSCURA lucidez! Claro-escuro! Ressurgir
Do Inaudito! Maré! Horizonte! Porvir!
Conte das Mil e uma noites bom de se ouvir!
Lampadeiro de Aladim que sabe seduzir!
Eunuco negro! Mudo branco! Djim! Faquir!
Conto de fadas onde o Rei se deixa sucumbir!
Mata para onde Pele de Asno pode fugir!
Guarda-comida onde pode o Ogre se servir!
Torre onde a Bela Adormecida vai dormir!
Onde minha irmã Anne ia ver ninguém a vir!
De onde dama Malbrouck via a pajem sair…
E a esposa Barba-Azul via a hora se extinguir!

COURAÇA do pequeno! Camisa do forte!
Mordaça do remorso! Do desnorteado o Norte!
Consciência do justo, e do bebum desmaiado!
Contrapeso dos pesos viciados da Sorte!
Retrato colorido da lívida morte!

RIO largo em que Cupido retempera os dardos
SONO! – Corneta de Diana e corno do corneado!
Cobertura do lagarto, e do magistrado!
Angu de Arlequim: batata, bife, tomate –
SONO! – Núpcias dos que estão nas belas artes.

PRISÃO do demente, Liberdade do cativo!
Farra do sonâmbulo, Folga do compusivo! –
SOMA! Ativo do passivo e Passivos do ativo!
Parágrafo que aloja as digressões do livro!
– Ó vem trocar a pata do alcatraz pensativo!

Louco Amante da Sombra! Manso Amante do alvor!
Baile em que Psique quer desmascarar o Amor!
Gorda Nudez em saia curta do prior!
Tintureiro ideal! Imenso furta-cor!
Omnibus, na Orbe, passeando o visitor!

SONO! Drama truculento! mole Langor!
Boca de ouro do mudo! Mudez do gozador!
Cantiga do vencido! Pódio do vencedor!

DO moço sonhador Singular Feminino!
Da mulher sonhando plural masculino!

SONO! – Cocho cheio do Pégaso irritado!
SONO! – Dédalo vago onde pena a alma penada!
SONO! – Corredor onde o vento plangora uma toada!
SONO! – Bonança logo após a tempestade!
ÓCIO do ocioso! Lazzarone sem idade!
Aurora boreal num dia sem claridade!

SONO! – Tantos extratos de nossa eternidade!
Insônia de pedra! Monte-da-Piedade!
Herança na Espanha a todo deserdado!
Rio Letes fazendo água ao ser desafiado!
Gênio no nimbo dourado dos alucinados!
Ninho do filhote mocho! Asa dos depenados!

VACA leiteira com a teta em nossas mãos!
Arca onde se troca a sucuri, e o poltrão!
Arco-íris cintilante! Regra da exceção!
Gozo que a ralé confunde com hibernação!
Bruxa da Boêmia com saio verdemar!
Tityre na sombra com flautas a testar!
Tempo sem a foice: um chibuque em seu lugar!
SONO! – Parca com a tesoura a azeitar!
SONO! – Parca com os fusos para untar!
Gato com o novelo de Atropos a brincar!

SONO! – Maná de graça de quem se desgraçou!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

EIS QUE O SONO ACORDA E DIZ: VOCÊ ME CANSOU
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*

TU que ofegas sobre a esposa paralisada,
Dilatando tua pupila avermelhada,
RUMINANTE! Conheces – ou não? – O DESPERTAR! –
Que boceja entre as crinas d`ouro do astro solar
E entre as crinas louras da Deusa fremebunda?…
– Conheces o despertar do filósofo imundo
– O Porco – cedo grunhindo uma prece bruta?
E o despertar, certidão de idade da puta?…
– Não?… – Nunca soaste o despertar da matilha?…
Nunca sentiste o motim que se engatilha?…
Ou o despertar de chumbo do moribundo?…
Viste se espreguiçar o olhar do vagabundo?…
Ruminante! Ouviste o canto da cotovia?
– Não – Teus cílios grudam, tua úvula atrofa!
Se acordas, da INSÔNIA não tens conhecimento;
Quando tens SONO, dormes, ó Saco sonolento!

          (Leitos diversos – Da noite para o dia)
.
LITANIE DU SOMMEIL
 J’ai scié le sommeil!
Macbeth

Vous qui ronflez au coin d’une épouse endormie,
RUMINANT! savez-vous ce soupir: L’INSOMNIE?
— Avez-vous vu la Nuit, et le Sommeil ailé,
Papillon de minuit dans la nuit envolé,
Sans un coup d’aile ami, vous laissant sur le seuil,
Seul, dans le pot-au-noir au couvercle sans œil?
— Avez-vous navigué?… La pensée est la houle
Ressassant le galet: ma tête… votre boule.
— Vous êtes-vous laissé voyager en ballon?
— Non? — bien, c’est l’insomnie. — Un grand coup de talon
Là! — Vous voyez cligner des chandelles étranges:
Une femme, une Gloire en soleil, des archanges…
Et, la nuit s’éteignant dans le jour à demi,
Vous vous réveillez coi, sans vous être endormi.

*

SOMMEIL! écoute-moi: je parlerai bien bas:
Sommeil — Ciel-de-lit de ceux qui n’en ont pas!

TOI qui planes avec l’Albatros des tempêtes,
Et qui t’assieds sur les casques-à-mèche honnêtes!
SOMMEIL! — Oreiller blanc des vierges assez bêtes!
Et Soupape à secret des vierges assez faites!
— Moelleux Matelas de l’échine en arête!
Sac noir où les chassés s’en vont cacher leur tête!
Rôdeur de boulevard extérieur! Proxénète!
Pays où le muet se réveille prophète!
Césure du vers long, et Rime du poète!

SOMMEIL! — Loup-Garou gris! Sommeil Noir de fumée!
SOMMEIL! — Loup de velours, de dentelle embaumée!
Baiser de l’Inconnue, et Baiser de l’Aimée!
— SOMMEIL! Voleur de nuit! Folle-brise pâmée!
Parfum qui monte au ciel des tombes parfumées!
Carrosse à Cendrillon ramassant les Traînées!
Obscène Confesseur des dévotes mort-nées!

TOI qui viens, comme un chien, lécher la vieille plaie
Du martyr que la mort tiraille sur sa claie!
Ô sourire forcé de la crise tuée!
SOMMEIL! Brise alizée! Aurorale buée!

TROP-PLEIN de l’existence, et Torchon neuf qu’on passe
Au CAFÉ DE LA VIE, à chaque assiette grasse!
Grain d’ennui qui nous pleut de l’ennui des espaces!
Chose qui court encor, sans sillage et sans traces!
Pont-levis des fossés! Passage des impasses!

SOMMEIL! — Caméléon tout pailleté d’étoiles!
Vaisseau-fantôme errant tout seul à pleines voiles!
Femme du rendez-vous, s’enveloppant d’un voile!
SOMMEIL! — Triste Araignée, étends sur moi ta toile!

SOMMEIL auréolé! féerique Apothéose,
Exaltant le grabat du déclassé qui pose!
Patient Auditeur de l’incompris qui cause!
Refuge du pêcheur, de l’innocent qui n’ose!
Domino ! Diables-bleus! Ange-gardien rose!

VOIX mortelle qui vibre aux immortelles ondes!
Réveil des échos morts et des choses profondes,
— Journal du soir: TEMPS, SIÈCLE et REVUE DES DEUX MONDES!

FONTAINE de Jouvence et Borne de l’envie!
— Toi qui viens assouvir la faim inassouvie!
Toi qui viens délier la pauvre âme ravie,
Pour la noyer d’air pur au large de la vie!

TOI qui, le rideau bas, viens lâcher la ficelle
Du Chat, du Commissaire, et de Polichinelle,
Du violoncelliste et de son violoncelle,
Et la lyre de ceux dont la Muse est pucelle!

GRAND Dieu, Maître de tout! Maître de ma Maîtresse
Qui me trompe avec toi — l’amoureuse Paresse —
Ô bain de voluptés! Éventail de caresse!

SOMMEIL! Honnêteté des voleurs! Clair de lune
Des yeux crevés! — SOMMEIL! Roulette de fortune
De tout infortuné! Balayeur de rancune!

Ô corde-de-pendu de la Planète lourde!
Accord éolien hantant l’oreille sourde!
— Beau Conteur à dormir debout: conte ta bourde?…
SOMMEIL! — Foyer de ceux dont morte est la falourde!

SOMMEIL — Foyer de ceux dont la falourde est morte!
Passe-partout de ceux qui sont mis à la porte!
Face-de-bois pour les créanciers et leur sorte!
Paravent du mari contre la femme-forte!

SURFACE des profonds! Profondeur des jocrisses!
Nourrice du soldat et Soldat des nourrices!
Paix des juges-de-paix! Police des polices!
SOMMEIL! — Belle-de-nuit entr’ouvrant son calice!
Larve, Ver-luisant et nocturne Cilice!
Puits de vérité de monsieur La Palisse!

SOUPIRAIL d’en haut! Rais de poussière impalpable,
Qui viens rayer du jour la lanterne implacable!

*

SOMMEIL — Écoute-moi, je parlerai bien bas:
Crépuscule flottant de l’Être ou n’Être pas!…

SOMBRE lucidité! Clair-obscur! Souvenir
De l’Inouï! Marée! Horizon! Avenir!
Conte des Mille-et-une-nuits doux à ouïr!
Lampiste d’Aladin qui sais nous éblouir!
Eunuque noir! muet blanc! Derviche! Djinn! Fakir!
Conte de Fée où le Roi se laisse assoupir!
Forêt-vierge où Peau-d’Âne en pleurs va s’accroupir!
Garde-manger où l’Ogre encor va s’assouvir!
Tourelle où ma sœur Anne allait voir rien venir!
Tour où dame Malbrouck voyait page courir…
Où Femme Barbe-Bleue oyait l’heure mourir!…
Où Belle au-Bois-Dormant dormait dans un soupir!

CUIRASSE du petit! Camisole du fort!
Lampion des éteints! Éteignoir du remord!
Conscience du juste, et du pochard qui dort!
Contre-poids des poids faux de l’épicier de Sort!
Portrait enluminé de la livide Mort!

GRAND fleuve où Cupidon va retremper ses dards
SOMMEIL! — Corne de Diane, et corne du cornard!
Couveur de magistrats et Couveur de lézards!
Marmite d’Arlequin! — bout de cuir, lard, homard —
SOMMEIL! — Noce de ceux qui sont dans les beaux-arts.

BOULET des forcenés, Liberté des captifs!
Sabbat du somnambule et Relais des poussifs! —
SOMME! Actif du passif et Passif de l’actif!
Pavillon de la Folle et Folle du poncif!…
— Ô viens changer de patte au cormoran pensif!

Ô brun Amant de l’Ombre! Amant honteux du jour!
Bal de nuit où Psyché veut démasquer l’Amour!
Grosse Nudité du chanoine en jupon court!
Panier-à-salade idéal! Banal four!
Omnibus où, dans l’Orbe, on fait pour rien un tour!

SOMMEIL! Drame hagard! Sommeil, molle Langueur!
Bouche d’or du silence et Bâillon du blagueur!
Berceuse des vaincus! Perchoir des coqs vainqueurs!
Alinéa du livre où dorment les longueurs!

DU jeune homme rêveur Singulier Féminin!
De la femme rêvant pluriel masculin!

SOMMEIL! — Râtelier du Pégase fringant!
SOMMEIL! — Petite pluie abattant l’ouragan!
SOMMEIL! — Dédale vague où vient le revenant!
SOMMEIL! — Long corridor où plangore le vent!
NÉANT du fainéant! Lazzarone infini!
Aurore boréale au sein du jour terni!

SOMMEIL! — Autant de pris sur notre éternité!
Tour du cadran à blanc! Clou du Mont-de-Piété!
Héritage en Espagne à tout déshérité!
Coup de rapière dans l’eau du fleuve Léthé!
Génie au nimbe d’or des grands hallucinés
Nid des petits hiboux! Aile des déplumés!

IMMENSE Vache à lait dont nous sommes les veaux!
Arche où le hère et le boa changent de peaux!
Arc-en-ciel miroitant! Faux du vrai! Vrai du faux!
Ivresse que la brute appelle le repos!
Sorcière de Bohême à sayon d’oripeaux!
Tityre sous l’ombrage essayant des pipeaux!
Temps qui porte un chibouck à la place de faux!
Parque qui met un peu d’huile à ses ciseaux!
Parque qui met un peu de chanvre à ses fuseaux!
Chat qui joue avec le peloton d’Atropos!
SOMMEIL! — Manne de grâce au cœur disgracié!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

LE SOMMEIL S’ÉVEILLANT ME DIT: TU M’AS SCIÉ.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
*

TOI qui souffles dessus une épouse enrayée,
RUMINANT! dilatant ta pupille éraillée;
Sais-tu?… Ne sais-tu pas ce soupir — LE RÉVEIL! —
Qui baille au ciel, parmi les crins d’or du soleil
Et les crins fous de ta Déesse ardente et blonde?…
— Non?… — Sais-tu le réveil du philosophe immonde
— Le Porc — rognonnant sa prière du matin;
Ou le réveil, extrait-d’âge de la catin?…
As-tu jamais sonné le réveil de la meute;
As-tu jamais senti l’éveil sourd de l’émeute,
Ou le réveil de plomb du malade fini?…
As-tu vu s’étirer l’œil des Lazzaroni?…
Sais-tu?… ne sais-tu pas le chant de l’alouette?
— Non — Gluants sont tes cils, pâteuse est ta luette,
Ruminant! Tu n’as pas L’INSOMNIE, éveillé;
Tu n’as pas LE SOMMEIL, ô Sac ensommeillé!

             (Lits divers — Une nuit de jour)
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

AO ETNA
      Sicelides Musae, pauto majora canamus.
VIRGÍLIO

Etna — eu subi no Vesúvio…
O Vesúvio se rebaixava:
Eu ardia mais que seu eflúvio;
Mais que sua crista, eriçava…

— Quando te comparam à fêmea…
— É pela idade? — Pela alma gêmea
Do calhau cozido?… — Ah, sonhar…
— E tu ris disso até rachar! —

— Ris amarelo e escarras, quando
Tosses, um velho amor malsão;
O velho câncer vai purulando
A lava em teu seio de vulcão.

— Durmamos juntos, Camarada!
— Nossa carne doente imanada:
Nós somos irmãos, por Vênus,
Vulcão!…
Pouco mais… pouco menos…

            Palermo. – Agosto.
.

À L’ETNA
Sicelides Musæ, paulo majora canamus.
VIRGILE

Etna — j’ai monté le Vésuve…
Le Vésuve a beaucoup baissé:
J’étais plus chaud que son effluve,
Plus que sa crête hérissé…

— Toi que l’on compare à la femme…
— Pourquoi? — Pour ton âge? ou ton âme
De caillou cuit?… — Ça fait rêver…
— Et tu t’en fais rire à crever! —

— Tu ris jaune et tousses: sans doute,
Crachant un vieil amour malsain;
La lave coule sous la croûte
De ton vieux cancer au sein.

— Couchons ensemble, Camarade!
Là — mon flanc sur ton flanc malade:
Nous sommes frères, par Vénus,
Volcan!…
Un peu moins… un peu plus…

                  Palerme. — Août.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

PÁRIA
Que repúblicas os contentem,
Homens livres! – rebanho preso –
Que suas proles amamentem!…
– Sou um cuco magro de desprezo.

– Coração eunuco, amputado
Daquilo que molhe ou que vibra…
Da Liberdade libertado
Estou! sempre só. Sempre livre.

– Minha Pátria… é o mundo afora;
Logo, não temo achar-me fora,
Pois que redondo o mundo é…
Minha pátria está onde a planta
– Em terra ou em mar – a planta
Dos meus pés – quando estou de pé.

– Quando deito: é a cama amada
Minha pátria, amarrotada,
Onde eu aperto contra o peito
Minha outra parte, desalmada;
É a mulher não encontrada,
Essa outra parte que estreito.

– O meu ideal: é um sonho
Oco; horizonte – o imprevisto –
E eu padeço de um mal medonho:
Saudade de algo nunca visto.

Que o rebanho siga a trilha,
De Carcassona a Tombuctu…
– Minha trilha me segue, milha
A milha, de norte a sul.

Meu bastão sobre mim revoa,
E tem o céu como coroa:
É meu cabelo contra o vento…
Não importa a língua falada,
Posso manter a boca fechada
Ou parlamentar com talento.

É um sopro árido o que penso:
É o ar. É o ar imenso.
Minha palavra é o eco mudo
Que não diz nada – e isso é tudo.

Meu passado: é o esquecido.
Só o que me mantém unido
São minhas mãos se dando, irmãs.
Lembrança – Nada. – Só a marca.
Presente – é tudo isso que passa
Futuro – Amanhã… amanhã.

Meu próximo não me é afim;
Sou aquilo que faço de mim.
– Odioso é o Eu humano…
– Não me odeio nem me amo.

– Vamos… a vida é uma dama
E ao seu bel-prazer fui posto…
O meu é: jogá-la na lama,
Prostituí-la a contragosto.

– Deuses?… – Vim por acaso a nascer;
Talvez existam – por acaso…
Se eles querem me conhecer,
Estou por aí, em todo caso.

– Morto, da minha pátria ganho
A mortalha de bom tamanho,
De um lado a outro do caminho…
Mas pra quê?… Se o que me encerra
É minha pátria que está na terra
Meus ossos irão bem sozinhos…
.

PARIA
Qu’ils se payent des républiques,
Hommes libres! – carcan au cou –
Qu’ils peuplent leurs nids domestiques!…
– Moi je suis le maigre coucou.

– Moi, – coeur eunuque, dératé
De ce qui mouille et ce qui vibre…
Que me chante leur Liberté,
A moi: toujours seul. Toujours libre.

– Ma Patrie… elle est par le monde;
Et, puisque la planète est ronde,
Je ne crains pas d’en voir le bout…
Ma patrie est où je la plante:
Terre ou mer, elle est sous la plante
De mes pieds – quand je suis debout.

– Quand je suis couché: ma patrie
C’est la couche seule et meurtrie
Où je vais forcer dans mes bras
Ma moitié, comme moi sans âme;
Et ma moitié: c’est une femme…
Une femme que je n’ai pas.

– L’idéal à moi: c’est un songe
Creux; mon horizon – l’imprévu –
Et le mal du pays me ronge…
Du pays que je n’ai pas vu.

Que les moutons suivent leur route,
De Carcassonne à Tombouctou…
– Moi, ma route me suit. Sans doute
Elle me suivra n’importe où.

Mon pavillon sur moi frissonne,
Il a le ciel pour couronne:
C’est la brise dans mes cheveux…
Et dans n’importe quelle langue
Je puis subir une harangue;
Je puis me taire si je veux.

Ma pensée est un souffle aride:
C’est l’air. L’air est à moi partout.
Et ma parole est l’écho vide
Qui ne dit rien – et c’est tout.

Mon passé: c’est ce que j’oublie.
La seule chose qui me lie,
C’est ma main dans mon autre main.
Mon souvenir – Rien – C’est ma trace.
Mon présent, c’est tout ce qui passe
Mon avenir – Demain… demain.

Je ne connais pas mon semblable;
Moi, je suis ce que je me fais.
– Le Moi humain est haïssable…
– Je ne m’aime ni ne me hais.

– Allons! la vie est une fille
Qui m’a pris à son bon plaisir…
Le miens, c’est: la mettre en guenille,
La prostituer sans désir.

– Des dieux?… – Par hasard j’ai pu naître;
Peut-être en est-il – par hasard…
Ceux-là, s’ils veulent me connaître,
Me trouveront bien quelque part.

– Où que je meure, ma patrie
S’ouvrira bien, sans qu’on l’en prie,
Assez grande pour mon linceul…
Un linceul encor: pour que faire?…
Puisque ma patrie est en terre
Mon os ira bien là tout seul…
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

ARMÓRICA
ARMOR

PAISAGEM MÁ
Praias de velhos ossos – a onda
Dobra: som a som, ela estertora…
– Paul pálido, onde a lua ronda
Buscando vermes, noite afora.

– Calma de peste, onde a febre,
Como um duende danado, arde…
– Erva fétida, onde a lebre
Foge, feito um bruxo covarde…

– A Lavadeira branca lida
Na roupa dos mortos escondida,
Ao sol dos lobos… – E singelo,

O sapo, cantor melancólico,
Envenena com sua cólica,
A própria casa, o cogumelo.

Pântano de Guérande. – Abril.
.

PAYSAGE MAUVAIS
Sables de vieux os – Le flot râle
Des glas: crevant bruit sur bruit…
– Palud pâle, où la lune avale
De gros vers, pour passer la nuit.

– Calme de peste, où la fièvre
Cuit… Le follet damné languit.
– Herbe puante où le lièvre
Est un sorcier poltron qui fuit…

– La Lavandière blanche étale
Des trépassés le linge sale,
Au soleil des loups… – Les crapauds.

Petits chantres mélancoliques
Empoisonnent de leurs coliques,
Les champignons, leurs escabeaux.

Marais de Guérande. – Avril.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.


§

GRITOS DE CEGO
(Sobre motivo baixo-bretão Ann hini goz.)

No olho matado há calor
Uma cunha dá-lhe cor
Cravejado eu estou sem um caixão
Vazaram meu olho sem compaixão
No olho vazado há calor
E a cunha turva a cor

Deus misericors
Deus misericors
Bate em minha cabeça de pau
O martelo do suplício final
Deus misericors
Deus misericors

Os urubus têm pavor
De provar do meu odor
Abreviar meu Gólgota é uma vã
Esperança, Lamma sabacthani
Pombas da morte sem pavor
Molhai o bico desse odor

Vermelha como uma flor
A chaga é prova de amor
Vermelha como a gengiva babada
No riso de uma velha desdentada
A chaga é prova de amor
Vermelha como uma flor

Vejo círculos de cor
E o sol branco mordedor
Na água dos meus olhos se retempera
O ferro cozido no fogo do inferno
Vejo um círculo de cor
E o sol branco mordedor

Brota em meu interior
Uma gota de humor
Eu vejo o paraíso que se esconde
Lá dentro, Miserere, De profundis
O enxofre do interior
Do crânio é todo meu humor

Aquele que morto for
Dê graças ao criador
Sejam gratos o mártir e o eleito
Com Jesus e a Virgem sem defeito
Se morto e julgado for
Que agradeça ao criador

Um cavaleiro ao redor
Repousa sem rancor
Descansa no cemitério bendito
Dormindo sua sesta de granito
O homem de pedra ao redor
Tem dois olhos sem rancor

Oh sinto ainda tua cor
Terra amarela d’Amor
Entre os meus dedos sinto o rosário
Cristo de osso no lenho do Calvário
Boquiaberto com tua cor
Ó céu defunto d’Amor
Perdão por orar em dor
Senhor, contra teu favor
Meus olhos são furos em vermelhidão
Que o capeta fez com a própria mão
Perdão por gritar de dor
Senhor, se este é teu favor

Ouço o vento em furor
Com seu corne zumbidor
Esse é o halali dos trespassados
Eu ladro após minha hora demasiado
Ouço o vento em furor
Já sinto o zumbi da dor

Menez Arrez.
.

CRIS D’AVEUGLE
(Sur l’air bas-breton Ann hini goz.)

L’œil tué n’est pas mort
Un coin le fend encor
Encloué je suis sans cercueil
On m’a planté le clou dans l’œil
L’œil cloué n’est pas mort
Et le coin entre encor

Deus misericors
Deus misericors
Le marteau bat ma tête en bois
Le marteau qui ferra la croix
Deus misericors
Deus misericors

Les oiseaux croque-morts
Ont donc peur à mon corps
Mon Golgotha n’est pas fini
Lamma lamma sabacthani
Colombes de la Mort
Soiffez après mon corps

Rouge comme un sabord
La plaie est sur le bord
Comme la gencive bavant
D’une vieille qui rit sans dent
La plaie est sur le bord
Rouge comme un sabord

Je vois des cercles d’or
Le soleil blanc me mord
J’ai deux trous percés par un fer
Rougi dans la forge d’enfer
Je vois un cercle d’or
Le feu d’en haut me mord

Dans la moelle se tord
Une larme qui sort
Je vois dedans le paradis
Miserere, De profundis
Dans mon crâne se tord
Du soufre en pleur qui sort

Bienheureux le bon mort
Le mort sauvé qui dort
Heureux les martyrs, les élus
Avec la Vierge et son Jésus
Ô bienheureux le mort
Le mort jugé qui dort

Un Chevalier dehors
Repose sans remords
Dans le cimetière bénit
Dans sa sieste de granit
L’homme en pierre dehors
A deux yeux sans remords

Ho je vous sens encor
Landes jaunes d’Armor
Je sens mon rosaire à mes doigts
Et le Christ en os sur le bois
À toi je baye encor
Ô ciel défunt d’Armor

Pardon de prier fort
Seigneur si c’est le sort
Mes yeux, deux bénitiers ardents
Le diable a mis ses doigts dedans
Pardon de crier fort
Seigneur contre le sort

J’entends le vent du nord
Qui bugle comme un cor
C’est l’hallali des trépassés
J’aboie après mon tour assez
J’entends le vent du nord
J’entends le glas du cor

      Menez Arrez.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

HOMENS DOMAR
GENS DE MER

O RENEGADO
Isto é um renegado. Um grande contumaz:
Para fazer nada, tudo faz.
Cortou sete mares, ou mais; bravo e poltrão,
Corsário anfíbio, em passeio ou em ação;
Escravo, flibusteiro, negro, branco, soldado,
Capanga; faz de tudo um pouco, o coitado:
Macaco, sabujo de dama… e mesmo: dama.
Profeta in partibus, vendendo a alma por grama;
Veneno, flautista, carrasco ou enforcado,
Médico, eunuco; pedinte, um facão do lado…

A morte o conhece, e já não se sente atraída…
Cuspido pela morte, cuspido pela vida,
Ele come homem, ouro, excremento, poeira,
Come chumbo, ambrósia… ou nada – Aquilo que cheira. –

– Seu nome! – Trocar de pele lhe era fácil…
Em todas as línguas é: Cidalísia, Inácio,
Todos los santos… Mas tal peso já não tem;
O T.F. de forçado apagou muito bem!…

– Quem o moveu… o amor? – Já cheirou a cueiro!
Ele violou tudo: a forca e o carcereiro.
– Ódio? – Não. – Roubo? – Recusou o que era dado.
– Amarrou o bode do vício? – Não é viciado:
Não… na barriga ele tem uma messalina,
É um temperamento… um artista de rapina.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
– Não teve misericórdia nem com o diabo.
– Tenha o leme! – Apodreceu tudo até o cabo,
Matou toda besta, destratou o trato tosco…
Puro, por haver purgado todo desgosto.

                   Baleares.
.

LE RENÉGAT
Ça c’est un renégat. Contumace partout:
Pour ne rien faire, ça fait tout.
Écumé de partout et d’ailleurs; crâne et lâche,
Écumeur amphibie, à la course, à la tâche;
Esclave, flibustier, nègre, blanc, ou soldat,
Bravo: fait tout ce qui concerne tout état;
Singe, limier de femme… ou même, au besoin, femme;
Prophète in partibus, à tant par kilo d’âme;
Pendu, bourreau, poison, flûtiste, médecin,
Eunuque; ou mendiant, un coutelas en main…

La mort le connaît bien, mais n’en a plus envie…
Recraché par la mort, recraché par la vie,
Ça mange de l’humain, de l’or, de l’excrément,
Du plomb, de l’ambroisie… ou rien — Ce que ça sent. —

— Son nom? — Il a changé de peau, comme chemise…
Dans toutes langues c’est: Ignace ou Cydalyse,
Todos los santos… Mais il ne porte plus ça;
Il a bien effacé son T. F. de forçat!…

— Qui l’a poussé… l’amour? — Il a jeté sa gourme!
Il a tout violé: potence et garde-chiourme.
— La haine? — Non. — Le vol? — Il a refusé mieux.
— Coup de barre du vice? — Il n’est pas vicieux;
Non… dans le ventre il a de la fille-de-joie,
C’est un tempérament… un artiste de proie.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Au diable même il n’a pas fait miséricorde.
— Hale encore! — Il a tout pourri jusqu’à la corde,
Il a tué toute bête, éreinté tous les coups…

Pur, à force d’avoir purgé tous les dégoûts.

              Baléares.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

O FIM
Que inúmeros patrões e quantas equipagens,
Que partiram, buscando incógnitas paragens,
Guarda o môrno horizonte – ha séculos – occultos!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Que de bravos, meu Deus! dormem no immundo pego!
O Oceano as dispersára… e, caprichoso e cego,
Para longe lhes leva os carcomidos ossos…
Ninguém lhes sabe o fim mysterioso e triste!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E quando, enfim, a morte as pálpebras lhe cerra,
Ninguem vos lembrará sobre a face da terra,
Nem quem fôstes, siquer, uma inscripção recorda…
Ai! nem a árvore ao duro inverno desfolhada
E nem mesmo a canção monótona e maguada,
Com que um cego em lágrimas o echo acorda!
V. Hugo. – Oceano nox.

Sim, esses marinheiros – patrões e equipagens
Para sempre no grande Oceano sumiram…
Partiram procurando incógnitas paragens
E estão mortos – do mesmo modo que partiram..

Eh… é o oficio; estão mortos dentro das botas,
Água benta* no peito, fortes nos capotes…
– Mortos… Eles são do mar, a Funesta não;
Ela dorme comigo: é você que ela afaga…
– Eles, eh: Inteiros! levados pela voga!
Ou perdidos no turbilhão…

Um turbilhão… é isso a morte? a vela baixa
Debatendo-se na água! – Isso se diz que soçobrar…
Mão pesada de mar, e o mastro que abaixa
Chicoteando a espuma – e isso se diz afundar.

– Afundar – Atenção à palavra. A morte
É coisa rasa a bordo, sob o vento forte…
Frente ao grande sorriso amargo a tomar
O marujo que luta. – Eh, libere o posto! –
Fantasma acordado, a Morte mada de rosto:
O Mar! …

Afogados? – Eh, eia! Esses são de água doce.
– Tragados! corpos e bens! Mesmo o precoce
Noviço, que um desafio nos dentes sustenta!
Sobre a espuma cuspindo o fundo estertorado,
Bebendo sem náusea o longo caldo salgado…
– Como beberam a água-benta. –
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
– Sem sete palmos, ou ratos de sepultura:
Eles vão direto aos tubarões! Não é
Em suas batatas que a alma deles ressuma.
Ela respira com a maré.

– Veja no horizonte a onda alevantada;
É a paixão num ventre louco
Da mulher da vida no cio, e embriagada…
Estão lá! – A onda tem um oco. –

– Escute, escute uivar a tormenta lá fora!…
É aniversário deles – a qualquer momento –
Vá, poeta, e o seu canto de cego leve embora;
– O De profundis lhes vem na corneta do vento.

… Que rolem infinitos nos virgens espaços!
Verdes e nus, sem incensório,
Que eles rolem sem pregos, sem círios, sem traços…
– Deixem que rolem, ó marujos de escritório!

      A bordo. – 11 de Fevereiro.
* Água-benta: ração de aguardente.
.

LA FIN
Oh! combien de marins, combien de capitaines
Qui sont partis joyeux pour des courses lointaines
Dans ce morne horizon se sont évanouis!…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Combien de patrons morts avec leurs équipages!
L’Océan, de leur vie a pris toutes les pages,
Et, d’un souffle, il a tout dispersé sur les flots,
Nul ne saura leur fin dans l’abîme plongée…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Nul ne saura leurs noms, pas même l’humble pierre,
Dans l’étroit cimetière où l’écho nous répond,
Pas même un saule vert qui s’effeuille à l’automne,
Pas même la chanson plaintive et monotone
D’un aveugle qui chante à l’angle d’un vieux pont.
V. Hugo. — Oceano nox.

Eh bien, tous ces marins — matelots, capitaines,
Dans leur grand Océan à jamais engloutis…
Partis insoucieux pour leurs courses lointaines
Sont morts — absolument comme ils étaient partis.

Allons! c’est leur métier; ils sont morts dans leurs bottes!
Leur boujaron* au cœur, tout vifs dans leurs capotes…
— Morts… Merci: la Camarde a pas le pied marin;
Qu’elle couche avec vous: c’est votre bonne femme…
— Eux, allons donc: Entiers! enlevés par la lame!
Ou perdus dans un grain…

Un grain… est-ce la mort ça? la basse voilure
Battant à travers l’eau! — Ça se dit encombrer…
Un coup de mer plombé, puis la haute mâture
Fouettant les flots ras — et ça se dit sombrer.

— Sombrer — Sondez ce mot. Votre mort est bien pâle
Et pas grand’chose à bord, sous la lourde rafale…
Pas grand’chose devant le grand sourire amer
Du matelot qui lutte. — Allons donc, de la place! —
Vieux fantôme éventé, la Mort change de face:
La Mer!…

Noyés? — Eh allons donc! Les noyés sont d’eau douce.
— Coulés! corps et biens! Et, jusqu’au petit mousse,
Le défi dans les yeux, dans les dents le juron!
À l’écume crachant une chique râlée,
Buvant sans hauts-de-cœur la grand’ tasse salée…
— Comme ils ont bu leur boujaron. —
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

— Pas de fond de six pieds, ni rats de cimetière:
Eux ils vont aux requins! L’âme d’un matelot
Au lieu de suinter dans vos pommes de terre,
Respire à chaque flot.

— Voyez à l’horizon se soulever la houle;
On dirait le ventre amoureux
D’une fille de joie en rut, à moitié soûle…
Ils sont là! — La houle a du creux. —

— Écoutez, écoutez la tourmente qui beugle!…
C’est leur anniversaire — Il revient bien souvent —
Ô poète, gardez pour vous vos chants d’aveugle;
— Eux: le De profundis que leur corne le vent.

… Qu’ils roulent infinis dans les espaces vierges!…
Qu’ils roulent verts et nus,
Sans clous et sans sapin, sans couvercle, sans cierges…
— Laissez-les donc rouler, terriens parvenus!

       À bord. — 11 février.
* Boujaron: ration d’eau-de-vie.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

RONDÉIS PARA DEPOIS
RONDELS POUR APRÉS

SONETO PÓSTUMO
Dorme: é tua cama… Dorme sossegado.
– Mais vale quem Deus ajuda. – Dorme bastante.
O amado é sempre o Outro – Tu serás amado…
Sonha: A mais amada é sempre a mais distante…

Dorme: apanhador de estrelas vais te chamar!
Cavalgador de raios!… em noite sombria;
O anjo negro, a aranha, em casa vai fiar
– Sem azar – suas teias na fronte vazia.

Mordaçador de véus! um beijo se desvenda
Sob o véu… para veres onde, feche os olhos.
Ri: Sob o lençol te espera a tua prenda.

Teu nariz sofrerá o golpe do incensório,
Doce aroma!… na cara cheia de oferendas
Íntimas de um sacristão com seus acessórios.
.

SONNET POSTHUME
Dors: ce lit est le tien… Tu n’iras plus au nôtre.
– Qui dort dîne. – à tes dents viendra tout seul le foin.
Dors: on t’aimera bien – L’aimé c’est toujours l’Autre…
Rêve: La plus aimée est toujours la plus loin…

Dors: on t’appellera beau décrocheur détoiles!
Chevaucheur de rayons!… quand il fera bien noir;
Et l’ange du plafond, maigre araignée, au soir,
– Espoir – sur ton front vide ira filer ses toiles.

Museleur de voilette! un baiser sous le voile
T’attend… on ne sait où: ferme les yeux pour voir.
Ris: Les premiers honneurs t’attendent sous le poêle.

On cassera ton nez d’un bon coup d’encensoir,
Doux fumet!… pour la trogne en fleur, pleine de moelle
D’un sacristain très-bien, avec son éteignoir.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

RONDEL
É noite, menino, ladrão de cetelhas!
Não há mais noites, e dias já não há;
Dorme… esperando chegar a vez daquelas
Que diziam: Claro! e diziam: Quiçá!

Escutas os passos vindos para cá?…
Oh, seus pés têm asas… – o Amor usa delas!
É noite, menino, ladrão de centelhas!

Escutas vozes?… não, na cova surda hás
De dormir, sob perpétuas amarelas;
E dos teus amigos-da-onça não virá
Nenhum, jogar pedras em tuas donzelas…
É noite, menino, ladrão de centelhas!
.

RONDEL
Il fait noir, enfant, voleur d’étincelles!
Il n’est plus de nuits, il n’est plus de jours;
Dors… en attendant venir toutes celles
Qui disaient: Jamais! Qui disaient: Toujours!

Entends-tu leurs pas?… Ils ne sont pas lourds:
Oh! les pieds légers! — l’Amour a des ailes…
Il fait noir, enfant, voleur d’étincelles!

Entends-tu leurs voix?… Les caveaux sont sourds.
Dors: Il pèse peu, ton faix d’immortelles:
Ils ne viendront pas, tes amis les ours,
Jeter leur pavé sur tes demoiselles…
Il fait noir, enfant, voleur d’étincelle!
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

NANA NENÊ …
Buona vespre! Dorme: teu círio termina…
Puseram aqui, depois foram embora.
Pobre criança, não tenhas medo agora…
É um castiçal de albergue que te ilumina.

Dá o livro à palmatória, é tua sina,
Não temas!… Acordar-te é o que os apavora.
Buona sera! Dorme: teu círio termina…

De morrer. – No albergue vazio só te nina
O vento do sul ou do norte, lá fora,
Que na tua teia de aranha bafora.
Psiu! Teu solo o pé-de-anjo abomina.
– Buona notte! Dorme: teu círio termina…
.

DO, L’ENFANT, DO…
Buona Vespre! Dors: Ton bout de cierge…
On l’a posé là, puis on est parti.
Tu n’auras pas peur seul, pauvre petit?…
C’est le chandelier de ton lit d’auberge.

Du fesse-cahier ne crains plus la verge,
Va!… De t’éveiller point n’est si hardi.
Buona sera! Dors: Ton bout de cierge…

Est mort. — Il n’est plus, ici, de concierge:
Seuls, le vent du nord, le vent du midi
Viendront balancer un fil-de-la-Vierge.
Chut! Pour les pieds-plats, ton sol est maudit.
— Buona nocte! Dors: Ton bout de cierge…
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

GAITA
Dorme de amor, ó maldoso caçador!
O sapo que caças feliz cantará
Também dentro o joio que te cobrirá
Com as coaxadas de um gentil cantor.

Lágrimas de orvalho trará o alvor;
E o lírio branco um lençol te fará…
Dorme de amor, ó maldoso caçador.

Chorosa a ventania virá com sua dor…

A Musa funesta aqui se assentará
E em tua boca negra ainda achará
Rimas que arrepiam o pálido pudor…
Dorme de amor, ó maldoso caçador!
.

MIRLITON
Dors d’amour, méchant ferreur de cigales!
Dans le chiendent qui te couvrira
La cigale aussi pour toi chantera,
Joyeuse, avec ses petites cymbales.

La rosée aura des pleurs matinales;
Et le muguet blanc fait un joli drap…
Dors d’amour, méchant ferreur de cigales.

Pleureuses en troupeau passeront les rafales…

La Muse camarde ici posera,
Sur ta bouche noire encore elle aura
Ces rimes qui vont aux moelles des pâles…
Dors d’amour, méchant ferreur de cigales.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

ALLEGRO MORTO
Vai depressa, tu que penteias cometas!
Teu cabelo será a relva ao vento;
Fogos-fátuos escaparão pelas gretas
Dos olhos para fora do crânio cinzento…

O amor-perfeito, teu fúnebre ornamrento,
E o miosótis, que em masmorras vegeta,
Abundarão em teu sorriso barrento…

Não faças de pesado: caixão de poetas
Para o papa-defunto é divertimento,
Caixas de violino de oco tangimento…
Para o burguês – tolo – ficas na valeta…
Vai depressa, tu que penteias cometas!
.

PETIT MORT POUR RIRE
Va vite, léger peigneur de comètes!
Les herbes au vent seront tes cheveux;
De ton œil béant jailliront les feux
Follets, prisonniers dans les pauvres têtes…

Les fleurs de tombeau qu’on nomme Amourettes
Foisonneront plein ton rire terreux…
Et les myosotis, ces fleurs d’oubliettes…

Ne fais pas le lourd: cercueils de poètes
Pour les croque-morts sont de simples jeux,
Boîtes à violon qui sonnent le creux…
Ils te croiront mort — Les bourgeois sont bêtes —
Va vite, léger peigneur de comètes!
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

MALA-FLORINHA
Para cá voltará a pálida florinha
Cujas primaveras são sempre passado…
No peito aberto, entre o osso amontoado,
Vem semeá-la, um dia, a brisa repentina…

Cospe-se nela; e, como ela, daninha,
Escandaliza-se o homem moderado…
Para cá voltará a pálida florinha.

– Oh! não tema o anátema que ela aninha,
Cucurbitácio, nesse seu ventre inchado!
Ela conhece todos seus trespassados!
E sabe que é amada quando assassina…
– É a flor da boêmia, uma flor malina. –

Para cá voltará a pálida florinha.
.

MALE-FLEURETTE
Ici reviendra la fleurette blême
Dont les renouveaux sont toujours passés…
Dans les cœurs ouverts, sur les os tassés,
Une folle brise, un beau jour, la sème…

On crache dessus; on l’imite même,
Pour en effrayer les gens très-sensés…
Ici reviendra la fleurette blême.

— Oh! ne craignez pas son humble anathème
Pour vos ventres mûrs, Cucurbitacés!
Elle connaît bien tous ses trépassés!
Et, quand elle tue, elle sait qu’on l’aime…
— C’est la male-fleur, la fleur de bohème. —

Ici reviendra la fleurette blême.
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

PARIS NOTURNA
Não é uma cidade, é um mundo.

— É o mar: — calmaria — e a maré gigante
Retirou-se, com seu ribombo já distante.
A onda voltará, torcendo seu açoite —
— Ouves arranhar o caranguejo da noite?…

— É o Estige seco: Diógenes trapeiro,
A lanterna na mão, lá vem errar fagueiro.
No riacho negro, pescam poetas perversos;
Em seus crânios ocos levam vermes de versos.

— E o campo: para espigar impuras filaças
Assenta-se o vôo da harpia que caça. Coelhos-pingados, quando afluem roedores,
Deixam Bondy aos noturnos vindimadores.

— É a morte: A polícia jaz — No quarto, ao lado,
O amor chupa a carne de um braço pesado,
Onde o beijo ardente uma marca rubra esquece…
A hora está só — Ouça: … nenhum sonho se mexe

— É a vida: Ouça: canta a fonte viçosa
Sua eterna canção, na cabeça viscosa De um deus marinho, os membros nus e esverdeados
No leito da morgue… De olhos arregalados!
.

PARIS NOCTURNE
Ce n’est pas une ville, c’est un monde

– C’est la mer: – calme plat – et la grande marée,
Avec un grondement lointain, s’est retirée.
Le flot va revenir, se roulant dans son bruit –
– Entendez-vous gratter les crabes de la nuit…

– C’est le Styx asséché: Le chiffonnier Diogène,
Sa lanterne à la main, s’en vient errer sans gêne.
Le long du ruisseau noir, les poètes pervers
Pêchent; leur crâne creux leur sert de boîte à vers.

– C’est le champ: Pour glaner les impures charpies
S’abat le vol tournant des hideuses harpies.
Le lapin de gouttière, à l’affût des rongeurs,
Fuit les fils de Bondy, nocturnes vendangeurs.

– C’est la mort: La police gît – En haut, l’amour
Fait la sieste en têtant la viande d’un bras lourd,
Où le baiser éteint laisse sa plaque rouge…
L’heure est seule – Ecoutez: … pas un rêve ne bouge

– C’est la vie: Écoutez: la source vive chante
L’éternelle chanson, sur la tête gluante
D’un dieu marin tirant ses membres nus et verts
Sur le lit de la morgue… Et les yeux grand` ouverts!
– Tristan Corbière, no livro “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Iluminuras, 1996.

§

Saiba mais sobre Tristan Corbière (biografia, poemas e fortuna crítica):
Tristan Corbière – um poeta maldito

revistaprosaversoearte.com - Tristan Corbière - poemas
Retrato de Tristan Corbière, desenho de 2016 – ©Felipe Stefani

© Obra em domínio público

© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva







Literatura - Artes e fotografia - Educação - Cultura e sociedade - Saúde e bem-estar