COLUNISTA

Tocando a Vida, por Paulo Baía

Tocando a vida é um ato simples, mas profundo. Como o sol que surge a cada manhã, desafiando a escuridão da noite, tocar a vida é perceber o momento em que o dia começa, com a primeira luz a rasgar o horizonte. É aquele instante sutil em que o mundo parece acordar devagar. Nós, por um momento, somos parte de algo maior: do ciclo eterno da vida. A cada raiar do sol, sentimos o pulsar do mundo em nossa pele e, ao mesmo tempo, tocamos esse movimento com o mais íntimo de nós mesmos.
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Tocar a vida é também se perder nas páginas de um livro, onde palavras se tornam mundos e, ao virar de cada folha, uma nova realidade nos envolve. A leitura tem o poder mágico de expandir nossa mente, de levar-nos por lugares que só existiriam no recôndito da imaginação. Há algo de libertador em mergulhar nas palavras, como um viajante sem rumo, com o mapa da mente por guiar. Não importa onde a história nos leve: cada página virada é uma nova descoberta. Nesse movimento, a vida é tocada, tocada de uma forma que se mistura à nossa própria narrativa.

Mas tocar a vida também é um ato mais tangível. É ver um jogo do Flamengo e ouvir o grito de gol ecoar pela alma quando Pedro balança as redes. A emoção de uma vitória vai além do futebol. É o símbolo de que os momentos de alegria, como as vitórias e as conquistas, nos tocam, nos fazem sentir vivos. Somos tocados pelo coletivo, pela energia que permeia o estádio. Naqueles minutos, compartilhamos com todos uma felicidade que é, ao mesmo tempo, pessoal e universal.
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Tocar a vida é, ainda, caminhar. Sentir o vento bater no rosto enquanto nossos passos marcam o chão. Cada caminhada é uma forma de diálogo com o mundo, um gesto de pertencimento. É sentir o próprio corpo em movimento, sendo guiado pela cadência dos próprios pensamentos. Na caminhada, podemos não apenas explorar a rua. Também podemos, em silêncio, navegar em nossas mentes, imaginar novos horizontes, projetar futuros e relembrar o passado. A caminhada é um espaço de reflexão onde o movimento físico nos leva ao movimento mental.
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Mas, talvez, tocar a vida seja mais ainda. É o estado de imaginação que surge em momentos de tranquilidade quando, sem pressa, nos entregamos ao prazer de viajar em nossos próprios pensamentos. Pensar, refletir, construir castelos no ar: essas são formas de tocarmos a vida que nos ajudam a entender quem somos, o que desejamos, para onde vamos. É, paradoxalmente, quando estamos parados que a mente se expande, como se fosse possível viajar sem sair do lugar, navegando pelas possibilidades de um mundo que só existe dentro de nós.

Tocar a vida é também transmutar o pessimismo que insiste em se instalar nas frestas do cotidiano. É olhar para as preocupações cívicas, os impasses sociais, as angústias políticas e, ainda assim, encontrar frestas de luz onde parecia só haver desilusão. Tocar a vida é reinventar a esperança. É acreditar, com o gesto pequeno e constante, que o mundo pode ser diferente. Que mesmo em meio ao ruído, há silêncio fértil. Que mesmo em tempos duros, é possível plantar sementes. É nesse gesto de confiar no porvir que se tece o fio invisível entre o cuidado com a vida e o compromisso com o coletivo.
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Tocar a vida é isso: uma mistura do tangível com o intangível. É ver o nascer do sol e sentir que o dia começa, é ler e viajar, é caminhar e se perder na paisagem, é vibrar com uma vitória de um time e com a própria jornada pessoal. E, no fim, tocar a vida é deixar que ela nos toque de volta com toda a sua complexidade e sua simplicidade, com toda a sua beleza e sua capacidade de nos surpreender a cada novo amanhecer.
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[Cabo Frio/RJ, 21 de Julho de 2025]
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Paulo Baía – Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ

* Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor aposentado do Departamento de Sociologia da UFRJ. Suburbano de Marechal Hermes, é torcedor apaixonado do Flamengo e portelense de coração. Com formação em Ciências Sociais, mestrado em Ciência Política e doutorado em Ciências Sociais, construiu uma trajetória acadêmica marcada pelo estudo da violência urbana, do poder local, das exclusões sociais e das sociabilidades periféricas. Atuou como gestor público nos governos estadual e federal, e atualmente é pesquisador associado ao LAPPCOM e ao NECVU, ambos da UFRJ. É analista político e social, colunista do site Agenda do Poder e de diversos meios de comunicação, onde comenta a conjuntura brasileira com olhar crítico e comprometido com os direitos humanos, a democracia e os saberes populares. Leitor compulsivo e cronista do cotidiano, escreve com frequência sobre as experiências urbanas e humanas que marcam a vida nas cidades.
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