Cia. Teatro do Incêndio atualiza discurso de Fauzi Arap sobre os equívocos entre vida e teatro
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A Cia. Teatro do Incêndio estreia o espetáculo Pano de Boca – Um Conserto de Theatro no dia 29 de abril, sábado, com direção de Marcelo Marcus Fonseca. A temporada acontece na sede da companhia, até o dia 28 de maio, aos sábados (às 20h) e domingos (às 19h). Esta é uma leitura contemporânea do espetáculo Pano de Boca, obra emblemática de Fauzi Arap (1938-2013), escrita em 1975, que o Teatro do Incêndio montou em 2015.
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A peça retrata a implosão de um grupo de teatro após seus integrantes ultrapassarem todos os limites entre arte e vida. Refletindo sobre a banalização do ofício e a superficialidade em figuras alçadas à categoria de artista, da noite para o dia. A remontagem elucida perguntas sobre o que sobrou do ritual ao vivo da cena. “Hoje, a palavra ‘Teatro’ foi sequestrada em seu sentido, sendo usada em vão para definir toda e qualquer mentira da representação social”, diz o encenador. “Teatro é verdade, uma atividade espiritual, não pode ser confundido com o cotidiano que o banaliza”, completa.
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Pano de Boca – Um Conserto de Theatro entra em cartaz pretendendo ser a primeira de uma série de ações do grupo em homenagem a Fauzi Arap, em razão dos 10 anos de sua morte. A montagem surge no momento em que o teatro discute limites impostos por recortes sociais atuais, levando para cena um questionamento do autor: “Quem é o ator? Quem é a atriz?”. Se a atuação deixa de ser entendida como metáfora social, se o teatro passa a ser um lugar com tabus impostos, ele não perderia seu fundamento e princípio? O ator, a atriz, não é quem tem espaço para transitar em todo e qualquer retrato ou recorte do mundo? Não deixaria de ser provocação e reflexão para se tornar imitação iníqua da realidade?
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Pano de Boca teve sua encenação histórica dirigida pelo autor, em 1976, e a atual encenação também faz menção ao cenário criado por Flávio Império (1935-1985) para a montagem original, homenageando duas das maiores personalidades do teatro brasileiro, cuja parceria criativa é considerada inigualável nas artes cênicas. Fonseca explica que a peça questiona o que é o Teatro e qual é a sua essência, tanto do ponto vista real quanto da personagem. O debate gerado sobre a criação humana, a relação entre divino e terreno, trata da difícil tarefa de manter o equilíbrio em um mundo dominado por valores distorcidos. Em um plano não realista, trabalha com a questão do conceito de criação e, mesmo em seu plano realista, ela depende do metafísico para ser entendida. O texto de Fauzi Arap quer aproximar o público da cabeça do autor no momento da criação. Ele, portanto, trata o Teatro como alquimia: Pano de Boca – Um Conserto de Theatro é bem mais uma experiência do que simplesmente uma história.

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Pano de Boca -Marcelo Fonseca, Laura Nóbrega -foto de Camila Rios

O enredo
O texto é estruturado em três planos. No primeiro, dois personagens indefinidos, palhaços inacabados – Pagão (Francisco Silva) e Segundo (Laura Nobrega) -, reclamam vida dentro da cabeça de um autor em crise. No segundo, uma atriz (Camila Rios) dialoga com alguém que não se vê sobre os acontecimentos que motivaram a desintegração de um grupo. E no terceiro, o próprio grupo tenta reabrir o teatro abandonado em uma reunião convocada por alguém não identificado. A peça se funde em uma discussão sobre a criação, a exclusão e o sagrado no teatro. Os atores transitam por linguagens diferentes como o realismo, o circo e um quase surrealismo, diferenciando os três planos aparentemente distintos do texto, que fluem para um caminho único.
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Os palhaços são como duas forças lutando para existir como personagem, que discutem com o autor. “Eis a metáfora: a crise do autor na criação e a discussão com Deus, com o poder criativo. O autor, que nunca aparece em cena, tenta reconstruir algo enquanto todos as personagens da peça estão diante de uma esfinge, que pode ser um mistério maior do teatro, da vida. Ela pode simbolizar o medo, que pode ser o mero medo de existir”, argumenta o diretor. Os palhaços, representando o poder e a fragilidade da criação, fazem o contraponto com realidade da arte na vida do ator. Palhaço canastrão, Pagão é matéria quase bruta; ele emana uma energia mais violenta, mostra-se com pouca sensibilidade, mas ganha contornos humanos na “vida”. Já o palhaço Segundo tem trejeitos miúdos, é sensível, e sua sensibilidade é atacada e violentada o tempo todo, colocando sua existência em risco. Ele propõe uma reflexão sobre como a personagem pode se afirmar, revidar nos embates para sobreviver, pois pode se perder completamente se for exposto ainda inacabado.
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No plano da realidade, os integrantes do grupo de teatro têm um encontro marcado, que se emenda com o plano – real e espiritual – da mulher. Essa mulher conversa com alguém, que pode ser qualquer pessoa. Seu espaço é indefinido, sua alma está em descoberta, sua narrativa conduz ao entendimento sem ser conclusiva: ela tenta compreender suas questões e, ao mesmo tempo, não consegue as respostas que procura.

No grupo de teatro houve afastamento; um desregramento que ultrapassou qualquer contorno pessoal. Os integrantes não conseguem se comunicar. Chamados para uma reunião no antigo espaço da companhia, eles se veem trancados e cercados por um clima de mistério. Sem fazer de conta que nada aconteceu eles são obrigados a encarar o passado para seguir em frente e descobrem que não há como negar o outro, pois a saída é de todos. Na metáfora de Fauzi Arap está dificuldade de reconstruir o que se quedou. Inclusive, uma das personagens, Pedro, foi inspirado na história verídica de Samuca, jovem ator do Grupo Oficina, nos anos 70, que enlouqueceu e parou de falar em consequência do uso abusivo de drogas. A recusa da palavra (recurso mais expressivo do ator) foi usada pelo autor de forma ambígua, também como alegoria da situação do teatro diante da censura política que existia na época.
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FICHA TÉCNICA – Texto: Fauzi Arap. Direção: Marcelo Marcus Fonseca. Elenco / personagens: Francisco Silva (Pagão), Daniel Ortega (Paulo), Camila Rios (Magra), Lui Seixas (Zeca), Almir Rosa (Marco), Laura Nobrega (Segundo), Yana Piva (Ana), Vic Bense (Pedro) e Marcelo Marcus Fonseca (Tarso). Direção de produção: Gabriela Morato. Assistência de direção: Valcrez Siqueira. Cenário: Marcelo Marcus Fonseca e Valcrez Siqueira (a partir de conceito de Flávio império). Figurinos e adereços: O grupo. Música ao vivo: Xantilee Jesus. Iluminação: Rodrigo Alves “Salsicha”. Operação de luz e som: Valcrez Siqueira. Fotos: Camila Rios. Arte gráfica: Gustavo Oliveira. Assessoria de imprensa: Verbena Comunicação. Realização e produção: Cia. Teatro do Incêndio.

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Pano de Boca – foto de Camila Rios

SERVIÇO
Espetáculo: Pano de Boca – Um Conserto de Theatro
Estreia: 29 de abril de 2023 – sábado, às 20h
Temporada: Sábado, às 20h | Domingo, às 19h – Até 28/05/23
Ingressos: R$ 40,00 (inteira), R$ 20,00 (meia) e Grátis
Bilheteria: 2 horas antes das sessões.
Vendas online: Sympla – clique aqui.
Duração: 110 min. Classificação: 14 anos. Gênero: Drama.
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Teatro do Incêndio
Rua Treze de Maio, 48 – Bela Vista / Bixiga. SP/SP.
Espaço com acessibilidade. Capacidade: 40 lugares.
www.teatrodoincendio.com | YouTube: @teatrodoincendio
Na rede: @teatrodoincendio | Contato: (11) 99328-6358 e (11) 2609-3730
E-mail: [email protected]







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