Portinari - Santo Antônio Falando aos Peixes (1940)
Num 13 de junho que amanhece com o planeta tremendo, com líderes do mundo se olhando como touros em arena, e as nações balançando à beira de um abismo atômico, é Santo Antônio quem desce do céu como um sopro de esperança. Santo das coisas miúdas e imensas, casamenteiro dos corpos e das almas, operário da ternura e da paz, ele caminha descalço entre os escombros do mundo moderno, ofertando um lírio, um pão e um olhar. Enquanto os senhores da guerra apertam botões, ele entrega bilhetes de amor esquecidos, reaproxima amantes desencontrados, consola órfãos de afetos e acende velas nas esquinas do coração.
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No Brasil, sua imagem repousa nos altares e nas cozinhas, nos terreiros e nas festas juninas, nos presépios de junho e nos bolos recheados de esperança. As mãos calejadas das mulheres do interior ainda amassam o pão de Santo Antônio como se moldassem o destino com fé. Nas grandes cidades, sua estátua é virada de cabeça para baixo em quartos solitários, e promessas são sussurradas com a pressa de quem já cansou de esperar. Em cada gesto, ele é símbolo de algo que escapa aos tanques e às bombas: a delicadeza de existir com amor.
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Mas ele é mais do que casamenteiro. Santo Antônio é a metáfora do encontro em tempos de desencontro, do afeto em tempos de desconfiança, da escuta em dias de grito. Ele não une apenas casais, mas pessoas, ruas, vizinhanças. Ele reata o que o ódio rompe; ele ensina que amar é resistir, que cuidar do outro é desarmar o mundo. Em seus braços repousa um menino, Jesus, como um sinal de que a fé verdadeira não tem voz de trovão, mas o silêncio manso de quem nutre, abraça e permanece.
Hoje, quando os relógios do mundo estão todos adiantados para o fim, Santo Antônio aparece como aquele que atrasa o apocalipse com a leveza do amor. Cada simpatia é um manifesto; cada oração, uma barricada contra o horror. Ele não rege exércitos, mas transforma corações armados em jardins. Em seu nome, mulheres sonham com casamentos, sim, mas também com justiça, com vidas inteiras e dignas, com filhos alimentados, com a paz no travesseiro. Ele é santo da fome e do afeto, do prato e do abraço, do pão e da palavra.
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Santo Antônio sabe que o mundo não se salvará com tratados ou ameaças, mas com gestos. Ele acredita nas mãos que plantam, nos olhos que acolhem, nas palavras que não ferem. Por isso é tão amado no Brasil, onde o povo, ainda que ferido, insiste em sorrir. Em tempos de violência e medo, Santo Antônio é memória e profecia: memória de uma fé que se faz presente no corpo do outro; e profecia de um mundo possível onde a fraternidade será mais forte que o lucro, e o amor, mais necessário que o petróleo.
Neste 13 de junho de 2025, quando o céu ameaça cair sobre nossas cabeças, Santo Antônio reaparece como uma doce e radical resistência. Ele não desfila em tanques, mas dança nas festas do povo, sob bandeirinhas coloridas que insistem em tremular mesmo sob tempestades. Ele anda entre nós, na criança que estende a mão, na senhora que reza no portão, no jovem que acredita no amor mesmo depois de tantas quedas. Ele é um sim sereno e profundo no meio de um mundo de nãos.
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O Brasil o acolhe como se acolhe um velho avô querido, mas também como quem abraça um profeta. Nas ladeiras de Salvador, nos morros do Rio, nos terreiros do Maranhão e nos arrabaldes de São Paulo, Santo Antônio pulsa como promessa viva. E sua promessa não é apenas de casamento, mas de comunhão. Em seu nome, pedimos: que o amor seja o verbo que conjuga o futuro. Que ele una, reconcilie, pacifique, mesmo que o mundo se recuse.
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Que hoje, 13 de junho, a humanidade inteira descubra em Santo Antônio não apenas um santo do amor, mas o amor feito santo. E que sua figura singela, de túnica franciscana e sorriso terno, nos lembre que é possível, mesmo diante do colapso, escolher a paz. Escolher o outro. Escolher amar. Porque só assim, talvez, o mundo não exploda. Só assim, talvez, ele floresça.
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– Paulo Baía* (Cabo Frio/RJ, 13 de junho de 2025).
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* Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor aposentado do Departamento de Sociologia da UFRJ. Suburbano de Marechal Hermes, é torcedor apaixonado do Flamengo e portelense de coração. Com formação em Ciências Sociais, mestrado em Ciência Política e doutorado em Ciências Sociais, construiu uma trajetória acadêmica marcada pelo estudo da violência urbana, do poder local, das exclusões sociais e das sociabilidades periféricas. Atuou como gestor público nos governos estadual e federal, e atualmente é pesquisador associado ao LAPPCOM e ao NECVU, ambos da UFRJ. É analista político e social, colunista do site Agenda do Poder e de diversos meios de comunicação, onde comenta a conjuntura brasileira com olhar crítico e comprometido com os direitos humanos, a democracia e os saberes populares. Leitor compulsivo e cronista do cotidiano, escreve com frequência sobre as experiências urbanas e humanas que marcam a vida nas cidades.
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