LUÍS ROJAS MARCOS EM ENTREVISTA
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Define a resiliência como “a força natural que nos ajuda a superar as piores dificuldades”.
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Numa altura em que a humanidade enfrenta uma das mais graves crises de sempre, o psiquiatra Luis Rojas Marcos partilha o seu conhecimento e experiência em saúde mental, num livro que nos ajuda a conhecer enquanto seres humanos e que pode servir de pilar nos momentos de dificuldade.
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No livro “Superar a adversidade: O poder da resiliência”, publicado pela Planeta Editora (Portugal, em 2010). Luis Rojas Marcos lembra como é importante não perder a esperança e o espírito positivo, mesmo nas situações mais difíceis.

Em tempos difíceis como os que vivemos, onde podemos encontrar otimismo? 

As pessoas resistem a terríveis infortúnios movidas pela paixão de viver. A maioria luta contra as adversidades e não desiste por não querer afastar-se, abandonar ou perder os entes que lhes são queridos. O medo da morte, algo natural, é outro motivo universal para viver. Em momentos difíceis, evocar situações complicadas que superamos no passado alimenta a esperança.

Por outro lado, as pessoas que localizam o centro do controlo no interior de si mesmas e acreditam que podem fazer algo para minimizar os efeitos nefastos das circunstâncias resistem melhor do que aquelas que se sentem indefesas, pensam que não controlam a vida, desvalorizam as suas decisões e depositam as esperanças em poderes alheios como a sorte ou seja o que Deus quiser.

O pensamento positivo nasce com a pessoa ou conquista-se? 

Os estudos indicam que a herança genética determina cerca de um terço da nossa perspectiva otimista. Os genes também influenciam o desenvolvimento de mecanismos de defesa, como a intuição, a sociabilidade e a extroversão ou a tendência para desabafar. Além disso, traços da personalidade e as experiências positivas e negativas nos primeiros 15 ou 20 anos também moldam o nosso carácter, assim como as expetativas, os costumes e os valores culturais.

Um ambiente familiar amoroso, seguro e estimulante cultiva a confiança. Pelo contrário, em circunstâncias de falta de afeto, tende-se a desenvolver uma disposição de desconfiança e receio.

Como devemos agir? 

Todos podemos trabalhar para fortalecer o pensamento positivo e a capacidade para superar as adversidades. Praticar o sentido de controlo sobre os nossos comportamentos em diferentes circunstâncias ou ver como gerimos o quotidiano ajuda a neutralizar as emoções negativas, a resistir aos fatores de stress e a protegermo-nos de sentimentos perigosos de impotência ou desamparo.

A capacidade de suportar os momentos difíceis é maior nos homens ou nas mulheres?

Para começar, o par de cromossomas femininos XX tem vantagens sobre o parceiro XY quando é necessário oferecer defesas para certas doenças. Nas mulheres, um gene X danificado é neutralizado pelo companheiro X saudável, o que permite livrar-se de certos males, como é o caso da hemofilia. Pelo contrário, o cromossoma Y não só não pode ser substituído no caso do companheiro X ter problemas, como não é resistente.

É um facto universal que as crianças e os adolescentes do sexo masculino morrem com mais frequência por acidentes e, quando adultos, têm o dobro da probabilidade de morrer em confrontos pessoais violentos, acidentes de automóvel, de trabalho e na prática desportiva.

E em caso de depressão?

Embora a ansiedade e a depressão sejam diagnosticadas com mais frequência no sexo feminino, a taxa de suicídio dos homens é três vezes mais alta. De fato, depois da morte da companheira ou perante o desemprego, os homens têm um risco de suicídio sete vezes superior ao das mulheres.

A realidade implacável é que, desde o momento do nascimento, em cada etapa do ciclo da vida morrem mais homens, o que explica que a maioria dos países tenha uma população maioritariamente feminina. Em média, elas vivem mais sete anos do que eles.

Qual é origem da resiliência?

A mistura natural de força e flexibilidade, física e psicológica, a que chamamos resiliência, existe em mais pessoas do que imaginamos. Só assim, na minha opinião, se explica a evolução contínua da Humanidade.

A maioria das pessoas que enfrenta muitas dificuldades comove-se mas não sofre de transtornos psicológicos e, se porventura sofrer, é de forma temporária.

Além disso, muita gente aprende algo de positivo com as experiências negativas e, depois de recuperar ou, pelo menos, de se adaptar, reconhece ter vivido mudanças favoráveis na percepção de si mesma e nas relações com os outros.

Como é que as batalhas da vida, como lhes chama, conseguiram produzir essas mudanças positivas?

Quem vive situações adversas vê-se, muitas vezes, obrigado a enfrentar momentos extremamente estressantes que testam todos os seus recursos e que, em simultâneo, ajudam a descobrir forças positivas que desconheciam. É compreensível que a sensação de ter vencido a adversidade constitua uma injeção de confiança e autoestima. No entanto, ao contrário do que se possa pensar, o sofrimento
não nos torna mais fortes.

A dor é um veneno para a felicidade que nos amarga a existência e nos consome a energia vital. O que pode ser uma fonte favorável é a coragem para superar as circunstâncias que provocam o sofrimento.

O que acontece se perdermos um dos pilares da resiliência?

Os pilares da resiliência são elementos distintos que se complementam entre si. Se perdemos um deles, o mais frequente é que um dos outros seja reforçado. Há pessoas que se vão abaixo perante desgraças insuportáveis porque a resiliência não é imune aos efeitos tóxicos de certos estados emocionais, como o pânico, o aturdimento, a depressão e a apatia.

Outra das causas de vulnerabilidade é ter-se sido vítima de vários acontecimentos  traumático no passado. É inevitável que um historial de desgraças esgote a resistência das pessoas. Todos temos um limite para o número de desgraças que conseguimos suportar
sem perder o equilíbrio emocional.

Como é que se consegue ultrapassar uma depressão?

Acredito que a depressão é o veneno mais nocivo da resiliência humana. Esgota a energia vital, afasta-nos dos outros, destrói a confiança em nós próprios e rouba a esperança, o pão
da vida.

Quando falo de depressão, não me refiro aos momentos normais de desânimo que salpicam as nossas vidas, mas sim como doença. Felizmente, hoje existem tratamentos psicológicos e farmacológicos muito eficazes para curar ou, pelo menos, controlar este mal.

A morte prematura de alguém querido causa sofrimento. Como se pode superar?

Num período que não costuma durar mais de dois anos, quase todas as pessoas que perdem prematuramente um ser querido e passam por um período de dor, recuperam. Não quer dizer que esqueçam, mas tornam a ser capazes de funcionar no dia a dia, alimentam
ilusões e voltam desfrutar da vida.

Numa altura em que o desemprego é elevadíssimo, o que devem fazer os pais nesta situação para evitar que os filhos sejam afetados?

Depende da idade dos filhos. É recomendável que os pais respondam honestamente e com seriedade às perguntas dos mais pequenos. Devem transmitir esperança e a ideia de que
podem fazer algo para minimizar as consequências e de que são capazes de os proteger.

De que forma a resiliência pode ajudar alguém a sobreviver a uma doença grave?

Em primeiro lugar, a principal fonte de ajuda são as ligações afetivas com as outras pessoas. Depois, é necessário adotar uma perspetiva otimista porque corresponde à vontade viver
e de lutar contra a doença sem perder a esperança, a essência do pensamento
positivo.

Também é muito importante procurar informação credível, inteligente e útil, que forneça conhecimento sobre a doença, aumentando a cooperação do paciente com o tratamento e as probabilidades de cura ou de melhoria.

Expressar sentimentos e partilhar o que nos preocupa é outra estratégia de defesa
comprovada.

Permite-nos esclarecer, validar e enfrentar os receios. O sentido de humor é outro mecanismo mental extremamente saudável quando temos de reduzir a intensidade emocional, pois protege-nos dos estados de ansiedade e depressão.

No dia-a-dia, o que devemos fazer para manter a estabilidade emocional?

Aceitar que, para viver uma vida saudável e completa, é importante conhecer e valorizar os aspetos favoráveis da nossa natureza, que nos ajudam a defender e a superar os duros golpes que assombram a vida. Aceitar igualmente que todos somos vulneráveis às desgraças, mas que as evidências provam que a maioria dos seres humanos recupera dos ataques mais fortes. O meu conselho é que nos familiarizemos com os ingredientes
da resiliência, essa força natural que nos ajuda a enfrentar e a superar as piores
adversidades.

Os pilares da resiliência 

Estes são os que o psiquiatra Luís Rojas Marcos aponta:

  • Ligações afetivas e executivas gratificantes;
  • Capacidade para controlar as emoções;
  • Identificar objetivos e programar os passos para os atingir;
  • Localizar o centro de controlo no interior de cada um de nós, em vez de o deslocar para forças externas;
  • Auto-estíma saudável;
  • Receber e explicar as coisas de forma positiva;
  • Consciência de motivos pessoais que confiram significado à própria vida.

Breve biografia de Luis Rojas Marcos
Nascido em Sevilha em 1943 Luis Rojas Marcos emigrou, com apenas 25 anos, para Nova Iorque, onde se tem dedicado à medicina, psiquiatria e saúde pública. É professor de Psiquiatria na Universidade de Nova Iorque e membro da Academia de Medicina da mesma cidade.

Em Espanha, colabora com instituições que se dedicam a questões sociais e de saúde. Autor de «La Pareja Rota», «Las Semillas de la Violência», que venceu o prêmio Espasa Ensaio, Luis Rojas Marcos já editou em Portugal «A Força do Optimismo» e «A Auto-Estima», ambos por A Esfera dos Livros. «Superar a adversidade – O poder da resiliência» (Planeta)
é o seu mais recente livro em português.

*Texto e fontes: Fátima Lopes Cardoso | Sapo/ /Lifestyle







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