sexta-feira, outubro 4, 2024

‘Por que o contato face a face é importante em nossa era digital’ – Susan Pinker

Um abraço em seu melhor amigo e um bom dia para seu vizinho podem ter um impacto em sua qualidade de vida muito maior do que você imagina. Nesta entrevista, Susan Pinker* explica como relações presenciais colaboram para sua longevidade.

Os homens da Sardenha são objeto de estudo da psicóloga canadense Susan Pinker, conferencista do Fronteiras do Pensamento. Em vilarejos da Sardenha, o número de homens que vivem mais de 100 anos é dez vezes superior à média. E o fato de que estes homens possuem muitos amigos, vizinhos e conhecidos é um dos motivos.

Em seu novo livro, The Village Effect: How Face-to-Face Contact Can Make us Healthier, Happier and Smarter [O Efeito Vilarejo: como o contato face a face pode nos tornar mais saudáveis, felizes e espertos], Pinker fala sobre a importância do contato face a face em nossa época de mobilidade ágil e comunicações digitais.

Pinker apresenta provas e relatos reais para lembrar o leitor sobre como a socialização é necessária e sobre seus efeitos no bem-estar físico e mental. Embora a maioria das pessoas reconheça a importância das relações, Pinker destaca, em entrevista, as profundas implicações de as negligenciarmos ao cuidarmos de nossas vidas sociais.

Em seu livro, você mostra diversos motivos para a importância do contato face a face. Afinal, por que o contato físico é tão importante para a construção de relações pessoais?

Presencialmente, as interações disparam uma série de eventos psicológicos e bioquímicos que geram confiança e promovem a empatia. Embora muitas vezes passem despercebidas, o contato visual e a sincronização da postura corporal e do tom de voz com alguém com quem conversamos face a face aprofunda a compreensão mútua.

Por exemplo, candidatos a um emprego que espelham inconscientemente os gestos de seus entrevistadores costumam receber propostas melhores de salário inicial. Equipes esportivas estimuladas a trocar tapinhas nas costas, bater os punhos e apertar as mãos tendem a marcar mais pontos.

Somos uma espécie social que evoluiu para o contato próximo; quando estamos perto dos outros, liberamos hormônios e neurotransmissores que nos permitem resolver problemas, reduzir o estresse, sentir segurança e espantar a solidão. Isso também reduz efeitos de longo prazo danosos para a saúde.

É interessante que algumas pesquisas revelem que, sem contato face a face, os relacionamentos entram em declínio. Se você não viu alguém no último intervalo de dois a cinco anos, é provável que sua posição em seu círculo de amigos tenha sido ocupada por outra pessoa.

A maioria das pessoas reconhece a importância da família e dos amigos próximos, mas você argumenta que “laços frágeis” podem ter a mesma importância para indivíduos e comunidade. Por quê?

Sabemos, através de vários excelentes estudos demográficos de longo prazo, que ter uma vida social integrada é o maior indício de saúde e longevidade.

Pessoas que possuem conexões sociais variadas – não com apenas algumas relações de intimidade, mas com interações rotineiras com as comunidades onde vivem – têm uma notável vantagem de sobrevivência.

Participar de grupos nos permite formar esses laços frágeis que ajudam as pessoas de duas maneiras. A primeira é promovendo o contato social regular com um grupo diversificado de pessoas, o que sabemos ser uma forma de proteção não apenas do ponto de vista imunológico, mas também cognitivo: as pessoas com compromissos sociais diversificados têm menor propensão à demência.

Além disso, os laços frágeis servem como uma fonte de pedacinhos de informação, o que não costuma acontecer com os laços fortes. Por que isso acontece? Muitas vezes, temos histórias e tipos de conhecimento parecidos aos de nossos amigos próximos e familiares.

As pessoas com conexões mais distantes têm acesso a outros bancos de informação. O cientista social Mark Granovetter, por exemplo, fala sobre as vantagens de se ter um círculo social amplo como “o poder dos laços frágeis”.

E as comunidades são mais fortes quando tipos diferentes de pessoas se sentem conectadas, quando sentem que pertencem e se preocupam até mesmo com as pessoas do grupo que não integram suas próprias conexões íntimas.

Sem a coesão dos laços frágeis, uma comunidade seria apenas um aglomerado de indivíduos e unidades familiares sem objetivos comuns e nada que os ligasse um ao outro. Na verdade, não seria uma comunidade.

Você trata em profundidade da tensão entre as promessas da tecnologia e seu limite em nossas vidas. A partir de suas pesquisas, qual seria uma maneira útil de pensar o papel dos gadgets digitais em nossas vidas sociais?

Os aparelhos digitais são imbatíveis para busca, classificação e armazenamento de informações. Tampouco, há dúvidas de que os smartphones, laptops e tablets são ferramentas de comunicação baratas e convenientes.

Mas, gadgets não podem competir com o cérebro humano quando se trata de expressar e compreender as emoções humanas, que são fundamentais para o surgimento da empatia e da coesão social.

Estão surgindo provas de que a cognição e a emoção não seriam eventos neurológicos distintos, como os psicólogos costumavam pensar; processar os sentimentos humanos e responder a eles de forma apropriada são competências fortemente atreladas à habilidade de aprender e agir. Como resultado, esses aparelhos também apresentam limitações para as trocas humanas repletas de nuances, em contextos como a resolução de um problema complexo ou o ensino infantil.

Portanto, a questão central não é fundir diversos modos de comunicação. Quando se trata de nossas vidas sociais, nossos aparelhos foram perfeitamente desenhados para a logística, para pesquisar e ajudar as pessoas a combinar onde e quando se encontrar, e até mesmo para facilitar esses encontros.

Há muitos aplicativos desenvolvidos para ajudar pessoas com interesses semelhantes a se reunirem, e isso é uma mescla engenhosa do tecnológico e do interpessoal.

Por exemplo, quando passei uma semana em Berlim entre duas conferências, descobri um espaço de trabalho comunitário, um “hub”, onde pude conhecer outros escritores e criadores. A pesquisa online foi indispensável para que eu ingressasse neste novo mundo social.

Mas, há diferenças individuais no modo como as pessoas utilizam seus aparelhos. A personalidade tem um papel importante para definir se os gadgets aproximam as pessoas ou afastam-nas umas das outras. Todos nós já vimos casais ou amigos em restaurantes concentrados em suas telas ao invés de seus companheiros.

A pesquisa confirma que as pessoas que não se sentem tão confortáveis ou que não são tão habilidosas para as interações face a face utilizam seus aparelhos para criar uma distância e, indo direto ao ponto, para substituir interações mais íntimas.

Por exemplo, existem dados mostrando que, quanto mais tempo as pessoas passam nas redes sociais menos envolvimento real elas têm com sua comunidade. Uma pesquisa de cientistas sociais holandeses revela que as crianças tímidas ou com problemas de aprendizado têm uma tendência menor a utilizar seus aparelhos digitais para se encontrarem com amigos, enquanto as crianças extrovertidas usam seus aparelhos para marcar reuniões.

E, embora a comunicação online tenha sido uma grande dádiva para aqueles que se encontram no espectro autista, não há indícios de que a comunicação online tenha reduzido sua solidão ou ajudado eles a construir amizades offline reais, o que costuma ser um verdadeiro desafio para as pessoas nessa comunidade.

Estudos de grupos de apoio a pessoas sofrendo de câncer encontraram as mesmas informações em relação à dicotomia do apoio emocional. As pessoas que participam de grupos de apoio online têm uma tendência muito maior a se sentirem sozinhas e deprimidas do que aquelas em grupos de apoio presenciais.

Mesmo que eu presuma que os dois grupos estimulem a troca de informações, apenas os grupos presenciais de apoio reduzem o pavor e o estresse existenciais causados pelas mudanças de uma doença crônica.

Por falar em tecnologia, para o bem ou para o mal, as pessoas vêm reivindicando que as cidades se tornem mais “inteligentes” e se concentrem mais em dados. Qual seria o seu conselho para os planejadores urbanos ao pensarem no design de suas cidades?

As cidades que levam em conta os novos dados encontrados pela neurociência focariam na criação de “espaços terciários”: locais em que as crianças se sentem confortáveis o bastante para se reunir, locais onde pequenos grupos de pessoas experimentem uma sensação de pertencimento.

Atualmente, esse papel foi assumido por empreendimentos comerciais como o McDonald’s e o Starbucks, porque os municípios deixaram um vácuo para a criação de locais onde trabalhadores remotos, aposentados e jovens pais com seus filhos possam se encontrar e socializar.

A ênfase que se costumava dar à construção de parques, livrarias, coretos e outros espaços públicos amigáveis agora está sendo agrupado por um entusiasmo pela tecnologia. Não há como voltar atrás, mas valeria a pena empregar nossas proezas tecnológicas para determinar quais são os locais onde as pessoas gostam de se reunir e quais serão suas necessidades quando estiverem lá.

Assim, ao mesmo tempo em que é muito bom ter uma cidade com WiFi gratuito em todos os lugares, se não houver também um local onde casais e pequenos grupos podem se sentar, esse acesso só servirá para promover um foco individual ainda maior nas telas.

Uma forma mais inteligente de usar a tecnologia nas cidades seria reunir os aposentados ou permitir que as prefeituras saibam exatamente onde os cidadãos idosos e solitários vivem, para que, no caso de um desastre ambiental como uma onda de calor ou uma enchente, as equipes de resgate possam contatar aqueles que vivem isolados. A pesquisa de dados pode ser feita digitalmente, enquanto o contato pode ser feito pessoalmente.

Embora eu não ache que as eras passadas fossem superiores, um dos motivos porque dei ao livro o título The Village Efect [O Efeito Vilarejo] é porque os vilarejos tradicionais europeus são construídos de uma maneira que estimulava as interações sociais e uma sensação de pertencimento.

Há praças onde se reunir e espaços para mercados comunitários; as vilas e cidades foram desenhadas de modo a forçar as pessoas a se cruzarem na rua ao irem de um lugar para o outro. O Google adaptou essa filosofia ao desenvolver o Googleplex. Mesmo que a tecnologia seja a raison d’être do local, eles não só não negligenciam as exigências sociais das pessoas que trabalham lá, como as tratam como prioridade. Essa perspectiva deveria ser o modelo do futuro. O uso de tecnologia para aproximar as pessoas, e não para afastá-las.

*Susan Pinker é reconhecida por seu trabalho na área da psicologia do desenvolvimento. Autora de livros e artigos sobre ciências sociais, é graduada pelas universidades McGill e de Waterloo e possui mais de 25 anos de experiência clínica e docência. Sua linha de pesquisa busca entender a mente humana no contexto da evolução.

Acesse o libreto especial sobre a vida e a obra da psicóloga. O libreto inclui breve biografia e informações de destaque. Também traz o artigo de Pinker, A importância do contato face a face em nossa era digital.

Fonte: Fronteiras do Pensamento.


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