SOCIEDADE

Papa Francisco | Uma sociedade habituada a jogar fora

A vida é sagrada e inviolável desde sua concepção até o fim natural.
Papa Francisco / Discurso, 9 de maio de 2014.
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“O abandono é a “doença” mais grave do idoso e também a injustiça maior que ele pode sofrer: aqueles que nos ajudaram a crescer não devem ser abandonados quando têm necessidade da nossa ajuda, do nosso amor e da nossa ternura.”
– Papa Francisco no livro “Quem sou eu para julgar?” [reunido e editado por Anna Maria Foli; tradução de Clara A. Colotto]. LeYa, 2017.
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A VIDA “DESCARTADA”
Constata-se, com pesar, uma prevalência das questões técnicas e econômicas no centro do debate político, em detrimento de uma autêntica orientação antropológica. O ser humano corre o risco de ser reduzido a uma simples engrenagem de um mecanismo que o trata à semelhança de um bem de consumo utilizável, de modo que — notamos, infelizmente, com frequência —, quando a vida não é funcional a tal mecanismo, é descartada sem muitas hesitações, como no caso dos doentes, dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cura, ou das crianças mortas antes de nascer.
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É o grande equívoco que ocorre quando prevalece o poder absoluto da técnica, que termina realizando uma confusão entre fins e meios. Resultado inevitável da “cultura do descarte” e do “consumismo exacerbado”.
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Ao contrário, afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente e não pode por isso ser objeto de troca ou de comercialização.
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Tomar conta da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardar a memória e a esperança; significa encarregar-se do presente na sua situação mais marginal e angustiante, e ser capaz de ungi-lo de dignidade.
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[Discurso no Parlamento europeu, 25 de novembro de 2014]
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Do livro
“Quem sou eu para julgar?” / ‘Chi sono io per giudicare?’ / Papa Francisco [reunido e editado por Anna Maria Foli; tradução de Clara A. Colotto]. Rio de Janeiro: LeYa, 2017.

Papa Francisco – foto: Stefano dal Pozzolo / Contrasto

UMA SOCIEDADE HABITUADA A JOGAR FORA
Os idosos são descartados porque esta sociedade joga fora aquilo que não é útil: usa e joga fora. As crianças não são úteis: por que ter crianças? Melhor não tê-las. Contudo, tenho afeto, me arranjo também com um cãozinho e um gato. A nossa sociedade é assim: quanta gente prefere descartar as crianças e confortar-se com o cãozinho ou o gato! Descartam-se as crianças, descartam-se os idosos, para ficarem livres. Nós, idosos, temos enfermidades, problemas, e levamos problemas para os outros, e as pessoas talvez nos descartem por nossas enfermidades, porque não servimos mais. E também há o hábito de deixar os idosos morrerem — desculpem-me a palavra — e, como gostamos, e muito, de usar eufemismos, dizemos uma palavra técnica: eutanásia. Não apenas a eutanásia feita com uma injeção, mas a eutanásia oculta, aquela feita ao não dar os remédios aos idosos, ao não cuidar deles, fazer com que a vida deles fique triste para assim morrerem, chegarem ao fim.
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O melhor remédio para viver muito é a proximidade, a amizade, a ternura. Às vezes pergunto aos filhos que têm genitores idosos: “Vocês são próximos de seus pais?”. E se os idosos estão numa instituição de repouso — porque em casa acontece, de verdade, de não poderem ficar, pois os filhos trabalham —, pergunto a eles se visitam os pais lá.
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Na outra diocese, quando visitei casas de repouso, encontrei muitos idosos, e eu lhes perguntava:
— E os seus filhos?
— Bem, bem, bem.
— Eles vêm visitá-los?
Ficavam quietos e eu descobria logo…
— Quando vieram pela última vez?
— No Natal.
Estávamos no mês de agosto.
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[Discurso, 21 de março de 2015]
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Do livro
“Quem sou eu para julgar?” / ‘Chi sono io per giudicare?’ / Papa Francisco [reunido e editado por Anna Maria Foli; tradução de Clara A. Colotto]. Rio de Janeiro: LeYa, 2017.

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