Símbolo da renovação no Centro do Rio, livraria-restaurante fecha as portas
– por Alvaro Costa e Silva, colunista/F. São Paulo

Misto de livraria, restaurante e cervejaria com marcas artesanais e gringas, o Al-Farábi abre as portas pela última vez no sábado (28). É mais uma vítima da onda de lojas vazias e fechadas em toda a cidade recentemente olímpica. Carlos Alves, o ex-editor de livros que tocava o negócio, diante da crise não resistiu ao aluguel superior a R$ 13 mil. E olha que os há ainda muito mais altos, na mesma região central e histórica do Rio, apelidada de complexo Ouvidor-Rosário.

Dois dias antes da inauguração do (só para os íntimos) Alfa, no escaldante fevereiro de 2004, encontrei o Alves no meio da maior bagunça, entre caixas, estantes e volumes empoeirados, alguns raros, da coleção Brasiliana. Estava lá o cartunista Jaguar, bebendo uma estupidamente gelada e desenhando com abstração de criança o logo do sebo: um alfarrabista árabe (mas com jeitão de carioca) sentado numa lua crescente.

Na festa de abertura, ao som do bloco Escravos da Mauá, um homem, que ninguém sabia quem era, roubou a cena. No chão de pedras amalgamadas com óleo de baleia, fez uma estranha dança, que ele próprio denominou “passo do siri-patola”: requebros, umbigadas, bundadas, pernadas, piruetas velozes. Em certos momentos parecia flutuar no ar. Ou cair no chão. No fim feriu o dedão do pé esquerdo descalço, e seu sangue batizou o espaço. A meu lado o poeta Carlito Azevedo assistia a tudo de queixo caído, e definiu: “É uma mistura de Pina Bausch com o Delegado da Mangueira”.

Antes do Boulevard Olímpico, que fica a poucos metros e continua entupido de gente, a livraria de Carlos Alves foi um dos principais símbolos da renovação de uma área abandonada pelo poder público; e agora avacalhada pela especulação imobiliária.

Um brinde ao Alfa. Que em seu lugar não surja mais um botequim de grife e sem alma.

Fonte: Folha de São Paulo







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