O PÁSSARO CATIVO
Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola

De haver perdido aquilo que perdi…
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas…

Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade…
Quero voar! voar!…”

Estas coisas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão, tremendo, lhe abriria
A porta da prisão…

– Olavo Bilac. Antologia poética. [organização e notas Paulo Hecker Filho]. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1997. {Originalmente publicado em “Poesias infantis”. Olavo Bilac. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929}.

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revistaprosaversoearte.com - O pássaro cativo, um poema infantil de Olavo Bilac
Olavo Bilac, por André Abreu

OLAVO BILAC
Nasce em 1865 no Rio de Janeiro. Seu nome completo, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, dá um verso alexandrino, o que sempre foi tomado popularmente como um sinal de sua vocação. Obtém matrícula na Faculdade de Medicina aos 15 anos, vai até o quinto ano, passa a Direito, mas não termina nenhum curso superior, tinha mais o que fazer. E fazia: escrevia e vivia sem parar, em rodas boêmias, literaturas, amores. Aos 21, um soneto em francês, o que era chique e não incomum na época, sai com o “Ora (direis) ouvir estrelas”. É o sucesso, que logo o tornaria o mais conhecido e benquisto homem de letras do país de todos os tempos, até a morte em 1918 (de edema pulmonar por insuficiência cardíaca, tinha gasto o coração…).

A prosa é inacabável, inclusive com contos e um romance, “O esqueleto”, mas mais artigos, conferências, crônicas, e que reúne em vida em vários volumes, alguns em colaboração, com Coelho Neto, Pardal Mallet, até com o Eça iniciou brincando um romance. Em verso, edita “Poesias” em 1988, com a “Profissão de fé”, em que, num eco de “L´art” de Théophile Gautier, empunha a bandeira da Arte e dá o poeta como ourives; não param de criticar, mas ele até podia, pelo poeta que era além do ou­rives… Seguiam-se, no volume, “Panóplias”, “Via Láctea” e “Sarças de fogo”. A segunda é uma série de 35 sonetos, dados aqui na íntegra, e que, na maioria, cantam um amor, com uma perfeição que impressiona, ainda mais se lembrarmos que tinha apenas 23 anos. Apesar da repercussão, a segunda edição de “Poesias” só vem em 1902, acrescentada de “Alma inquieta”, “As viagens” e “O caçador de esmeraldas”, tentativa de poema épico procurada, verbal, mas que acha inspiração para o fim, aqui reproduzido. De 1904 são as “Poesias infantis”, de que o Brasil aprendeu e ainda hoje sabe de cor tantos versos. Por fim, o livro que o grande sensual quer com a solenidade do crepúsculo, “Tarde”, em 1919, no ano seguinte de sua morte, mas cujas provas ainda revisou.
– Texto de Paulo Hecker Filho. Em Antologia Poética. Olavo Bilac (L&PM POCKET, v.38)

** Leia também: Olavo Bilac – o príncipe dos poetas

 







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