Músicos e amigos elaboraram questões para o intérprete, homenageado no 28º Prêmio da Música Brasileira 2017

Entrevista com Ney Matogrosso
– por Adriana DelRe, O Estado de S. Paulo

Alzira Espíndola: Entre tantas composições para a escolha de um repertório, tem algum momento decisivo, seja na interpretação ou na linguagem do arranjo ou no assunto, que interfira na sua escolha para cada música?

É o assunto. A minha percepção é como um texto, como se fosse um texto que estou dizendo. As pessoas me oferecem (as músicas) e o que determina se vou cantar ou não é o assunto.

João Bosco: Meu querido amigo Ney Matogrosso, você tem viajado pelos quatro cantos de nossa música popular. Esse feito o transformou em um dos maiores intérpretes de nossa música brasileira. Alguma coisa aconteceu dentro de você, em algum momento, que o encantou e o fez dizer para si mesmo, como diria Monsueto: ‘Eu quero esse ofício para mim!’. Foi um som? Uma palavra? Uma cena? O que foi? Quando foi isso?

Quando era criança, eu já cantava num parque de diversões que tinha lá em Padre Miguel, (bairro do Rio) onde fui criado. E cantei várias vezes e era uma coisa que eu gostava muito de fazer. Mas me esqueci disso durante muito tempo, e, quando me perguntavam se eu pensava em ser cantor quando criança, eu dizia que não. Mas, então, já criança eu pensava nisso. Se eu ia a um parque de diversões cantar para concorrer com outras pessoas, é porque isso me interessava. Aí esqueci disso, achei que era teatro que era o que eu queria. Até que recebi subitamente uma proposta de fazer parte de um grupo musical em São Paulo (Secos & Molhados). Quando vi o repertório, eu decidi que eu iria, eu iria me arriscar, e depois não consegui mais me afastar da música. Nunca mais.

Lenine: Ney, eu sei da sua paixão botânica. Existe algum objeto do desejo vegetal que você ainda não realizou?

Sim, tentei plantar um vitória-régia que não pegou. É difícil de conseguir muda (dela), mas eu consegui uma vez e plantei. Era uma muda linda. Só que eu não tinha noção que os peixes comeriam (risos). Eu estava tão feliz, porque era a lama mais pura, da nascente do rio, não tinha areia, não tinha barro. Com o maior cuidado, plantei ali e, quando fui ver, tinham comido tudo. E, outra vez, tentei lótus também, mas não deu, os peixes comeram tudo, porque eu não sabia que eles comiam as mudas dessas plantas.

Maria Bethânia: Qual é a música mais bonita para você?

Difícil de escolher uma, mas tudo bem. Ficarei com Rosa de Hiroshima.

Milton Nascimento: Neste ano, estou fazendo uma turnê inspirada nos índios guaranis-caiovás de Mato Grosso do Sul. E tenho ido várias vezes para lá, tanto para Campo Grande quanto para o interior. E, como você sabe, a energia desse lugar é uma coisa diferenciada, forte mesmo. Então, eu gostaria que você me falasse um pouco disso, do que a força do seu local de origem representa para você, na sua vida, na sua música e na sua trajetória até aqui.

Não fui criado lá, vim muito novo para o Rio. Eu não achava que houvesse essa influência. Sou Matogrosso, porque é o sobrenome do meu pai – meu avô colocou em todos os filhos que nasceram lá. Mas eu não achava que eu tinha essa influência. Até que fui fazer um show em Corumbá, que reunia arte da América Latina toda, e aí tive uma coisa muito interessante: subitamente um relâmpago abriu minha cabeça e eu entendi meu pertencimento. Isso foi talvez no começo dos anos 1990. Era uma coisa latino-americana e eu estava ali como um representante brasileiro, e aquilo bateu em mim de uma maneira muito forte que nunca mais apagou. Então, agora sinto, sim, a influência de Matogrosso, que já existia inconsciente, porque eu já fiz capa de disco vestido de índio, com cocar de índio, show todo vestido de índio.

Moska: Ney, o que você faria se só lhe restasse um dia?

Abria a porta do carro, trancava a da delegacia.

Zélia Duncan: Ney querido, estou há um mês lendo sobre você e tendo o prazer de escrever o roteiro do Prêmio. O mote deste Prêmio é, por sua causa, coragem e liberdade. A gente sabe que a coragem não é ausência de medo. Coragem é fazer apesar do medo. De tudo o que você fez, qual foi a atitude que mais te deu medo antes de fazer?

Eu não diria medo, diria que me causou uma certa apreensão, porque eu já tinha 31 anos, eu era um hippie solto no mundo que foi para aquele grupo (Secos & Molhados) e chegou um momento em que eu sabia que inevitavelmente eu ia ter que me comunicar, que iam me procurar, iam me perguntar e eu ia ter que expor meu pensamento. E fiquei apreensivo, até que uma vozinha dentro da minha cabeça me disse assim: ‘Fala a verdade’. E falei sempre a verdade, porque falando a verdade estou com a minha consciência tranquila. Não tenho rabo para ninguém pisar.

Fonte: O Estado de S. Paulo/Cultura







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