Lya Luft - foto: GZH
Não tenho nenhuma receita, nenhum facilitador para se entender a vida: ela é confusão mesmo.
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A gente avança no escuro, teimosamente, porque recuar não dá. Nesse labirinto a gente encontra o fio de um afeto, pontos de criatividade, explosões de pensamento ou ação que nos iluminem, por um momento que seja. Coisas que nos justifiquem enquanto seres humanos.
Tenho talvez a ingenuidade de acreditar que tudo faz algum sentido, e que nós precisamos descobrir — ou inventá-lo. Qualquer pessoa pode construir a sua “filosofia de vida”. Qualquer pessoa pode acumular vida interior. Sem nenhuma conotação religiosa, mas ética: o que valho, e os outros, o que valem para mim? O que estou fazendo com a minha vida, o que pretendo com ela?
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Essa capacidade de refletir, ou de simplesmente aquietar-se para sentir, faz de nós algo além de cabides de roupas ou de idéias alheias. Sempre foi duro vencer o espírito de rebanho, mas esse conflito se tornou esquizofrênico: de um lado precisamos ser como todo mundo, é importante adequar-se, ter seu grupo, pertencer; de outro lado é necessário preservar uma identidade e até impor-se, às vezes transgredir, para sobreviver.
Discernir e escolher fica mais difícil, porque o excesso de informações nos atordoa, a troca de mitos nos esvazia, a variedade de solicitações nos exaure. Para ter algum controle de nossa vida é necessário descobrir quem somos ou queremos ser — à revelia dos modelos generalizantes.
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Dura empreitada, num momento em que tudo parece colaborar para que se aceitem modelos prontos para servir. Pensamento independente passou a ser excentricidade, quando não agressão. Família, escola e sociedade deviam desenvolver o distanciamento crítico e a capacidade de avaliar — e questionar — para poder escolher.
Mas, embora a gente se pense tão moderno, não é o que acontece. Alunos (e filhos) questionadores podem ser um embaraço. Preferimos nos tornar membros da vasta confraria da mediocridade, que cultua o mais fácil, o mais divertido, o que todo mundo pensa ou faz, e abafa qualquer inquietação.
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Por sorte nossa, aqui e ali aquele olho da angústia mais saudável entreabre sua pesada pálpebra e nos encara irônico: como estamos vivendo a nossa vida, esse breve sopro… e o que realmente pensamos de tudo isso — se por acaso pensamos?
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[crônica do livro]
Lya Luft, no livro ‘Pensar é transgredir’. Rio de Janeiro: Record, 2011.
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