Literatura e medicina: doze obras inesquecíveis – Moacyr Scliar
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A medicina e a palavra escrita sempre andaram juntas. A arte de curar foi evoluindo através de obras que eram reverenciadas pelos médicos como a Bíblia, a começar pelos textos atribuídos a Hipócrates — atribuídos, porque não se sabe se foi ele quem realmente os escreveu. Os livros de Galeno, que viveu no segundo século depois de Cristo, representaram a mais importante fonte de conhecimento sobre doenças durante o milênio que durou a Idade Média. O Regimen sanitatis Salernitanum, um livro sobre higiene escrito pelos médicos da chamada Escola de Salerno, já no fim do período medieval, era muito lido, entre outras razões porque composto em versos facilmente memorizáveis. De humani corporis fabrica, de Vesálio, foi o primeiro tratado de anatomia digno deste nome. E assim por diante: hoje qualquer estudante de medicina sabe que, em caso de dúvida, deve recorrer aos grossos manuais, o Cecil ou o Harrison. Claro, breve tudo isto estará em disquete; por enquanto, o livro ainda reina soberano.
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Mas não é só nos textos científicos que está a medicina. A literatura muitas vezes se inspirou na doença e na figura do médico para nos dar algumas obras magistrais. E muitos jovens buscaram a profissão influenciados pelo trabalho dos escritores.

Os meus preferidos? Aqui estão doze deles: A montanha mágica, de Thomas Mann, escrito numa época em que a tuberculose ainda era tratada em sanatório (como aconteceu com a mulher de Mann). Como todo grande escritor, Thomas Mann usa a doença para mergulhar na condição humana, porque, como ele mesmo diz, “a doença nada mais é que a emoção transformada”. A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, uma curta e dilacerante novela sobre um homem que está morrendo de câncer, enfrentando a hipocrisia e a indiferença de médicos e familiares. Arrowsmith, de Sinclair Lewis, uma irônica descrição dos bastidores da ciência. O dilema do médico, peça teatral de Bernard Shaw, cujo prefácio é uma das melhores análises sobre a mercantilização da medicina (“Pagar a um cirurgião pelas pernas que amputa da mesma forma que se paga a um padeiro pelos pães que faz é acabar com toda a racionalidade”). O doente imaginário, de Molière, também uma peça de teatro, também satírica. A cidadela, de A. J. Cronin, a lacrimosa história de um jovem médico, que levou vários jovens à faculdade de medicina. The Doctor Stories, de Williams Carlos Williams, grande escritor que, como pediatra, trabalhava em bairros pobres de sua cidade nos Estados Unidos. Olhai os lírios do campo, de Erico Verissimo, também sobre a comercialização da medicina. O alienista, de Machado de Assis, notável sátira à psiquiatria autoritária do fim do século xix. Tenda dos Milagres, de Jorge Amado, sobre os racistas médicos da Bahia no começo do século. A peste, de Camus, e O amor nos tempos do cólera, de García Márquez: ficção nascendo das pragas. Obras importantes, deveriam figurar no currículo médico, junto com o Cecil e o Harrison.
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[4/11/1995]
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— Moacyr Scliar, no livro “Território da emoção”. São Paulo: Companhia das Letras, 2013

SOBRE O LIVRO revistaprosaversoearte.com - Literatura e medicina: veja quais foram as doze obras preferidas de Moacyr Scliar
Organizada e apresentada por Regina Zilberman, esta coletânea de crônicas dá sequência ao projeto da Companhia das Letras de publicar uma amostra significativa das crônicas escritas por Moacyr Scliar ao longo de mais de trinta anos de colaboração com o jornal Zero Hora, de Porto Alegre. A literatura e a medicina são dois eixos constantes na imaginação de Scliar: incansavelmente, o escritor – ele próprio médico sanitarista – voltou aos temas que o apaixonavam. Em sua concepção, ambos estão vinculados pela palavra. Assim, nestas crônicas desfilam médicos escritores (dos primórdios de Galeno e Vesálio até Thomas Mann, Tolstói e Molière); recordações dos anos de estudante na faculdade de medicina em Porto Alegre; histórias da prática médica; escritores doentes e o modo como lidaram com as próprias limitações físicas; escritores que escreveram sobre medicina… E ainda, numa outra vertente, questões políticas e éticas, como a colaboração de alguns médicos com a ditadura, tanto no Brasil como em outros regimes autoritários. O humor de Scliar funciona mais no registro da malícia que no da ironia; é ele o responsável pela leveza encantadora dessas crônicas, que não se furtam à gravidade de muitas das questões que abordam, a começar pela maior delas, âmago tanto da literatura como da medicina. Para o escritor, a medicina opera “pequenas ressurreições” diante do “aguilhão da morte”. “A última palavra é a da Morte. Mas enquanto ela não chega a medicina tem muito a dizer.” E a literatura também.
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FICHA TÉCNICA
Título: Território da emoção
Páginas: 280
Formato: 20.8 x 13.6 x 1.8 cm
Acabamento: Livro brochura
Lançamento: 13/3/2013
ISBN: 978-8535922387
Selo: Companhia das Letras
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Saiba mais sobre Moacyr Scliar:
Moacyr Scliar – uma vida entre a medicina e a literatura
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