Coração Bifurcado, uma ode contemporânea aos eternos caminhos e descaminhos do amor, é o décimo-terceiro disco de inéditas do violonista, cantor e compositor carioca Jards Macalé.

Jards Macalé – Coração Bifurcado
– por Fred Coelho
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Coração Bifurcado, uma ode contemporânea aos eternos caminhos e descaminhos do amor, é o décimo-terceiro disco de inéditas do violonista, cantor e compositor carioca Jards Macalé. Como em todos os principais trabalhos de sua vasta carreira, Jards assume a Direção Musical e, mais uma vez, conta com a parceria de Romulo Fróes na Direção Artística e Rejane Zilles na Direção Geral. Com boa parte das canções compostas em Penedo durante os dois anos agudos de isolamento da pandemia, suas gravações, mixagem e masterização ocorreram entre 2022 e 2023 nos estúdios da Biscoito Fino. Com design da capa feito por de Omar Salomão a partir de fotografias de Leo Aversa, este é o quarto trabalho que reúne Jards e a gravadora – uma relação que se inicia em 2005 com Real Grandeza, disco em homenagem ao seu amigo e parceiro Waly Salomão.
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O nome de Waly, aliás, nos lembra que não é a primeira vez que Jards Macalé faz um disco dedicado ao amor. É com ele que Jards inaugura a “Linha da Morbeza Romântica” no disco Aprender a Nadar, de 1973. Aliás, se pensarmos bem, desde o seu primeiro trabalho – um compacto duplo lançado em 1970 – canções como “Soluços” já abordavam o tema. Em 1972, ano do cinquentenário primeiro disco, o amor ronda, do começo ao fim, clássicos como “Farinha do desprezo”, “78 rotações” e “Movimento dos barcos”, todas em parceria com José Carlos Capinan. E é justamente Capinan quem reaparece, como o letrista que traduz na justa medida para as melodias de Jards o amor e suas dores. Em Coração Bifurcado a dupla atinge novamente alta qualidade na faixa de abertura e manifesto, “Amor in natura” e na resiliente poesia de “A arte de não morrer”. O próprio Capinan confirma a importância desse reencontro ao dizer que ele e Jards tentaram fazer do Amor uma forma (e uma arte) de sobreviverem, apesar da pandemia.
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Outra parceria de destaque neste trabalho – e inédita em quase sessenta anos de carreira – são as duas composições de Jards com outro poeta e compositor consagrado de sua geração, Ronaldo Bastos. Mais um convocado com o mote do amor em tempos de cólera (literalmente), Bastos respondeu com “Mistérios do nosso Amor” e “O amor vem da paz”. As duas canções contam com os arranjos de outro parceiro de longa data de Jards, Cristovão Bastos, e a participação luminosa da voz de Maria Bethânia em “Mistérios do nosso amor”. A presença da voz de Bethânia é mais uma das pontes que Jards produz nesse disco entre passado e presente, já que a parceria com a cantora data de 1966, quando um jovem violonista fez a direção musical do show da joveníssima cantora na Boate Cangaceiro..

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Jards Macalé – foto: ©Leo Aversa

As demais canções do disco fazem parte da usina criativa que se reúne ao redor do “professor” já há alguns anos. Tanto os letristas – Kiko Dinnuci, Rodrigo Campos, Clima e Romulo Fróes – quanto os músicos – o baterista e percussionista Thomas Harres, o guitarrista, cavaquinista e percussionista Rodrigo Campos, o guitarrista Guilherme Held e o baixista Pedro Dantas – já acompanham Macalé em discos e shows ao longo de seus últimos trabalhos. Com Kiko, Jards compôs a faixa-título, o samba “Coração Bifurcado”, um canto pra Exu com refrão cujo mote é uma cantiga para Pombagira (“um amor faz sofrer, dois amô faz chorar”), narrando os amores que ocorrem nas encruzilhadas da vida. A faixa conta ainda com o coro de Analimar Ventapane, Dandara Ventapane e da pianista Maíra Freitas. Com Alice Coutinho, Jards fez a belíssima bossa nova jobiniana “Grãos de açúcar”, primeira parceria com Alice e única música do disco em que podemos ouvi-lo em voz e violão de alta voltagem sentimental. Temos ainda nesse grupo “A foto do amor”, canção que coloca Jards Macalé no mundo fragmentado e cronista de Rodrigo Campos em um retrato do amor mundano e urbano, e “Você vai rir”, composição feita com Clima, cujo início em samba lírico se expande para um samba torto de fim de gafieira, com os sopros (com arranjos impecáveis de Antonio Neves) adornando lindamente a faixa que poderia tranquilamente fazer parte da “linha de morbeza romântica” de 1973.

Já as duas composições com Romulo Fróes seguem caminhos singulares: “Simples assim” foi escrita em cima de uma gravação enviada por Jards. A ideia da letra vem da frase final do músico, no áudio: “É só isso companheiro Romulo, simples assim”. A outra, “Pra um novo amor chegar” é uma inédita parceria tripla composta a partir de uma harmonia de Guilherme Held (inspirada no disco de 1972) e de uma melodia feita por Jards em cima dessa harmonia. Em ambas, as letras de Romulo mergulham no tema amoroso-doloroso e criam um diálogo perfeito com as ideias do disco. Cabe ainda destacar em “Simples assim” a voz perfeita de Ná Ozetti assumindo uma tarefa nada fácil. Afinal, esta seria a faixa em que Gal Costa gravaria caso ainda estivesse entre nós. Como o amor, muitas vezes, se manifesta de formas inesperadas, Jards dedica o disco a Gal.
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Outras duas canções que cabem o destaque em separado das demais é “Amo tanto” e “Cante”, ambas de autoria exclusiva de Jards Macalé. A primeira, umas das composições inaugurais do músico, foi gravada originalmente no disco Nara pede passagem, de 1966. A inclusão no álbum Coração Bifurcado da gravação original, com Copinha na flauta, Canhoto no cavaquinho e Dino 7 Cordas no seu violão de batismo, produz uma presença de Nara para além do arquivo e faz com que, cinquenta e sete anos depois, a faixa encontre seu lugar perfeito em um disco do seu compositor. E por fim, a faixa final, “Cante”, composta em plena pandemia, é o tipo de encerramento que convoca o ouvinte a novos recomeços, novas perspectivas e novas esperanças. Um cântico de renovação dos nossos corações em tempos de, novamente, cantar o amor e amar quem canta a vida.
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As escolhas de arranjos e gêneros que Jards Macalé incorpora neste trabalho é, também, um passeio pelas suas andanças ao longo de décadas. Disco simultaneamente solar e melancólico (como o amor), temos desde as levadas elaboradas por uma banda enxuta porém potente, com bateria, percussão, baixo, guitarras e cavaco – formada por Thomas Harres, Pedro Dantas, Guilherme Held e Rodrigo Campos, além do violão de Jards – até os ares populares do samba-canção e do bolero nos arranjos de Cristovão Bastos, executados por uma banda que também conhece intimamente o som de Jards: o piano de Bastos ao lado de Jurim Moreira na bateria e Jorge Helder no baixo (esse trio tocou com Jards em trabalhos como Macao, de 2008 e Jards, de 2011).
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Nas canções “Amor in natura”, “Coração bifurcado”, “A arte de não morrer”, “Para um novo amor chegar”, “A foto do amor”. “Você vai rir” e “Cante”, a banda que toca na maioria das faixas ocupa o proscênio com arranjos que, ao mesmo tempo, remetem ao universo sonoro de Jards e a novas experimentações e riscos, como, aliás, é de seu feitio desde sempre. Vale destacar nas canções “A arte de não morrer”, “Você vai rir” e “Cante” os arranjos de sopros conduzidos por Antonio Neves e executados por Rui Alvim (clarinete e clarone), Aquiles Moraes (trompete e flugelhorn), Eduardo Santana (trompete e flugelhorn), Oswaldo Lessa (flauta e sax tenor), Everson Moraes (trombone e oficleide), Jonas Horcheman (trombone) e Leandro Dantas (trombone baixo). Já em “Mistérios do nosso amor” e “O amor vem da paz”, os arranjos de Cristovãos Bastos contaram, além da presença da banda citada, com Antônio Rocha (flauta), Aquiles Moraes (trompete), Rui Alvim (sax alto e clarinete) e Yuri Ranevsky (violoncelo).
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Coração Bifurcado, como todos os trabalhos de Jards Macalé, apontam para diferentes temporalidades e sonoridades da música brasileira, mostrando a melhor forma de um músico que completa oitenta anos pleno de ideias, projetos e amores. A manutenção das parcerias com os novos companheiros (Romulo Fróes, Thomas Harres, Pedro Dantas, Guilherme Held, Rodrigo Campos) e com antigos (Capinan, Bethânia) e “novos antigos” (Ronaldo Bastos) companheiros de estrada, as homenagens explícitas e implícitas aos amigos e amores que partiram (Gal Costa, o fotógrafo Cafi e Nara Leão), faz de Coração Bifurcado uma obra sólida e profícua que se coloca realmente aberta para falar do amor quando tudo mais nos diz o contrário. o novo disco de Jards só pede que cantemos aquilo que nos apaixona e nos move em tempos difíceis como os nossos. Pois a melhor coisa do mundo, além do amor, é cantar.

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Capa do álbum “Coração Bifurcado” • Jards Macalé • Biscoito Fino • 2023

DISCO “CORAÇÃO BIFURCADO” • Jards Macalé • Selo Biscoito Fino • 2023
Canções / Compositores:
1. Amor in natura (Jards Macalé e José Carlos Capinan)
2. Coração bifurcado (Jards Macalé e Kiko Dinucci)
3. A arte de não morrer (Jards Macalé e José Carlos Capinan)
4. Mistérios do nosso amor (Jards Macalé e Ronaldo Bastos) | Participação especial: Maria Bethânia
5. Grãos de açúcar (Jards Macalé e Alice Coutinho)
6. O amor vem da paz (Jards Macalé e Ronaldo Bastos)
7. Amo tanto (Jards Macalé) | Gravação de 1966*
8. Pra um novo amor chegar (Guilherme Held, Jards Macalé e Romulo Fróes)
9. A foto do amor (Jards Macalé e Rodrigo Campos)
10. Simples assim (Jards Macalé e Romulo Fróes)
11. Você vai rir (Jards Macalé e Clima) | Participação especial: Ná Ozzetti
12. Cante (Jards Macalé)
– ficha técnica –
Jards Macalé (violão – fx. 1, 2, 3, 5, 8, 11, 12; voz – fx. 1, 2, 3, 5, 6, 8, 9, 11, 12) | Guilherme Held (guitarra – fx. 1, 2, 3, 8, 9, 10, 11, 12) | Pedro Dantas (baixo – fx. 1, 2, 3, 8, 9, 11, 12; synth bass – fx. 2) | Jorge Helder (baixo acústico – fx. 4, 6; violão – fx. 4, 6) | Rodrigo Campos (guitarra – fx. 1, 3, 8, 9, 12; cavaquinho – fx. 2, 11; ganzá – fx. 2, 11; tantan – fx. 2; repique de anel – fx. 2, 11; agogô – fx. 2, 11; pandeiro – fx. 2; tamborim – fx. 2, 11; reco-reco – fx. 2, 11) | Thomas Harres (bateria – fx. 1, 2, 3, 8, 9, 11, 12; atabaque – fx. 2; conga – fx. 2; surdo – 11) | Jurim Moreira (bateria – fx. 4, 6) | Rui Alvim (clarinete – fx. 3, 4, 6, 11; e clarone – fx. 3, 11; sax alto – fx. 4, 6) | Aquiles Moraes (trompete e flugelhorn – fx. 3, 4, 6, 11) | Eduardo Santana (trompete e flugelhorn – fx. 3, 11) | Oswaldo Lessa (flauta e sax tenor – fx. 3, 11) | Antônio Rocha (flauta – fx. 4, 6) | Everson Moraes (trombone e oficleide – fx. 3, 11) | Jonas Horcheman (trombone – fx. 3, 11) | Leandro Dantas (trombone baixo – fx. 3, 11) | Yuri Ranevsky (violoncelo – fx. 4, 6) | Cristovão Bastos (piano – fx. 6) | Maria Bethânia(voz – fx. 4) | Ná Ozzetti(voz – fx. 10) | Nara Leão (voz – fx. 7) – 1966| Copinha (flauta – fx. 7) – 1966 | Dino 7 cordas (violão de sete cordas – fx. 7) – 1966 | Canhoto (cavaquinho – fx. 7) – 1966 || Coro (fx. 2): Analimar Ventapane, Dandara Ventapane e Maíra Freitas || Direção musical: Jards Macalé | Direção artística: Romulo Fróes | Produção: Guilherme Held, Pedro Dantas, Rodrigo Campos e Thomas Harres | Gravação, mixagem e masterização: Lucas Ariel / estúdio da Biscoito Fino | Assistente de gravação: Wallace Ferreira | Arranjos de base: Jards Macalé, Guilherme Held, Pedro Dantas, Romulo Fróes, Rodrigo Campos e Thomas Harres // Exceto faixas 4 e 6: “O amor vem da paz” e “Mistérios do nosso amor”, arranjadas por Cristovão Bastos / Arranjos de sopros: Antônio Neves (fx. 3, 11, 11) // *A gravação de: “Amo tanto” com Nara Leão foi lançada originalmente em 1966 || Capa: foto de Leo Aversa e design de Omar Salomão | Direção geral: Rejane Zilles
Selo: Biscoito Fino
Ano: 2023
Formato: CD digital
#* Ouça o álbum na sua plataforma de música favorita. Clique aqui!
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Leia também: ‘Síntese do Lance’, um álbum necessário de João Donato e Jards Macalé.
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>> Jards Macalé na redeSite Oficial | Instagram | Facebook
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Canção.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske







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