sábado, maio 24, 2025

Flup leva experiência única de Brasil para França

Por Julio Ludemir, fundador da Festa Literária das Periferias (FLUP)
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O Brasil é um dos países mais amados do mundo e, no entanto, um dos mais desconhecidos, principalmente do ponto de vista de nossa produção cultural. A extraordinária vitória do filme Ainda estou aqui, o primeiro Oscar de nossa história, só faz corroborar uma narrativa iniciada com o clássico Garota de Ipanema, na qual homens brancos narram o desejo por uma mulher igualmente branca a caminho da praia.
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Essa mesma narrativa encontrou eco em um equivocado comercial de televisão da Schweppes Tônica, refrigerante que associou sua imagem a um grupo de jovens brancos celebrando a vida ao som do também branco Chico Buarque de Hollanda. Essas três obras-primas, ainda que obras-primas, nos fazem pensar que o Brasil é um país quase tão branco quanto a França.

Sinto muito se o decepciono, mas o Brasil é nada menos que o maior país negro fora da África. Mesmo na África, apenas a Nigéria tem mais pessoas negras que o Brasil. Esses números tão superlativos são decorrentes de um vergonhoso passado escravagista, que fez do Brasil o maior importador de pessoas escravizadas da história.
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O país recebeu 4 milhões de pessoas ao longo dos séculos, mas um milhão delas no curto período em que funcionou o Cais do Valongo, maior porto escravagista de todos os tempos. Outra ferida narcísica que nos define é que fomos o último país a abolir a Escravidão e, ao aboli-la, nós a fizemos sem nenhum projeto de inserção do que então correspondia a 80 por cento de nossa população.

Aproveitamos o Ano Cruzado para fazer uma reparação, hoje possível depois de uma das mais revolucionárias políticas implementadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As ações afirmativas que ele criou há pouco mais de uma década não apenas mudaram as universidades brasileiras, mas criaram uma classe média negra que tem redesenhado o mercado de trabalho no sentido mais amplo da palavra.
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Nenhuma indústria brasileira, inclusive a do livro, pode ignorar a geração que tirou proveito das cotas raciais, que, apesar de todas as insuficiências e contradições, criaram o ambiente não apenas para que florescessem escritores como a filósofa Djamila Ribeiro e os premiados romancistas Itamar Vieira, Geovani Martins e Jefferson Tenório, que nos honram com sua presença nesta edição do Etonnants Voygeurs.

Essa grande novidade tem afetado também a produção de artistas brilhantes, como Bernardo Carvalho e Marcelo Quintanilha, que certamente ampliaram seu repertório com os questionamentos e reflexões introduzidos pelos artistas, escritores e cineastas racializados. E acima de tudo nos permite que tragamos o verdadeiro Brasil para a Europa, para a França, para o Etonnants Voyageurs, que não à toa tem como símbolo uma floresta e uma mulher negra que, se não é, nos faz pensar na vereadora Marielle Franco.
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Ainda que esse novo Brasil nos encha de orgulho, não podemos esquecer que tanto as florestas quantos as mulheres negras na política continuam sendo ameaçadas.

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Sobre a Flup – A Festa Literária das Periferias-Flup tem como missão propor outras experiências literárias; por isso, atua em territórios periféricos, abrindo caminhos para que livros, ideias e experiências antes à margem cheguem mais longe. Em 13 anos atuando no Rio de Janeiro, a Flup já passou pelo Morro dos Prazeres, Vigário Geral, Mangueira, Babilônia, Vidigal, Cidade de Deus, Maré, Biblioteca Parque, Museu de Arte do Rio – MAR, Providência e Circo Voador (Lapa), promovendo encontros entre grandes personalidades da literatura, tanto nacionais quanto internacionais. A Flup recebeu prêmios e reconhecimento, entre eles o Faz diferença de 2012 e o Retratos da Leitura de 2016, respectivamente outorgados pelo jornal O Globo, a London Book Fair e o Instituto Pró-Livro. Em 2020, foi vencedora do Prêmio Jabuti na categoria Fomento à Leitura. Em 2023, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro declarou a Flup patrimônio cultural imaterial. A Flup é um festival feito por equipes de produção majoritariamente negras e com mulheres em cargos de liderança.
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Assessoria de imprensa da Flup: Agência Galo


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