SOCIEDADE

Escutar os mais velhos é um habito africano ignorado

– por Silvia Nascimento*
.
As narrativas pessoais são indispensáveis para a construção histórica de uma comunidade. A tradição oral, se falarmos das culturas africanas, foi fundamental para conhecer o que sabemos hoje sobre nossos antepassados. Não é por acaso que o emocionante depoimento da Dona Diva Guimarães durante o evento “A pele que habito”, durante a Flip 2017, em Paraty, fez mais de 11 milhões de pessoas pararem para ouvi-la. Temos uma dívida com os nossos mais velhos.

Os influenciadores, ou seja, as pessoas que a mídia por critérios discutíveis, aponta como quem devemos ouvir devido a relevância do seu discurso são cada vez mais jovens. O que vemos, em muitos casos, é uma reprodução de discursos muitas vezes baseados em achismos e seriados da Netflix, já que não se pode falar muito sobre vivências, visto que são jovens. O olhar dessa nova geração é egocêntrico e narcisista. A minoria tem um preocupação legítima com o mundo, que não necessite de um registro para o Facebook, ou que está aberto a ouvir pessoas fora da sua bolha social.
.
Não estou aqui afirmando que jovens são ignorantes, até porque eu sigo muitos deles, que leem e se informam antes de emitir sua opinião e discorrem sobre assuntos que eu aos 20 e poucos nem sabia que exista. Minha provocação é, mas porque só os jovens têm falas relevantes hoje em dia e de como isso pode empobrecer a nossa visão de mundo.

“Eu posso dizer com certeza que em comunidades de Angola e Congo onde eu tenho mais contato as pessoas mais velhas ainda têm uma importância muito grande. Em Angola por exemplo, os mais velhos são chamados de cota”, explica o professor Carlos Machado, autor do precioso livro “Gênio das Humanidade – Ciência, Tecnologia, Inovação Africana e Afrodescendente. “A cultura de empoderar os jovens, é algo muito ocidental”, finaliza Machado.

Nas culturas tradicionais africanas os influenciadores são pessoas mais maduras

A chave é a pluralidade, mas vemos que há vozes muitos silenciados nos espaços onde discutimos negritude. Tão importante quanto a literatura são os depoimentos de senhoras como a dona Diva, que não discorreu sobre dados sobre o déficit na educação pública, ela se abriu sobre como fatos históricos afetaram emocionalmente sua vida. Poucos são os livros que se atentam as emoções, a tristeza, raiva ou compaixão que sentimos em situações de conflito racial.
.
Que as marcas que dona Diva deixou dentro de nós seja um símbolo de resgate a valorização dos nossos idosos negros. Temos que ouvi-los antes que seja tarde demais.
.
* Silvia Nascimento é jornalista e diretora de conteúdo do site Mundo Negro, curadora digital e produtora de conteúdo especializada em questões étnicas.
.
Fonte: Mundo Negro

Revista Prosa Verso e Arte

Música - Literatura - Artes - Agenda cultural - Livros - Colunistas - Sociedade - Educação - Entrevistas

Recent Posts

Eliane Faria completa 60 anos com show inédito e convidados no Teatro Rival Petrobras

A cantora e compositora Eliane Faria sobe ao palco do Teatro Rival Petrobras para comemorar…

13 horas ago

O dengo e a eternidade no toque: crônica da emoção ancestral, por Paulo Baía

A palavra é Dengo. E ela chega acompanhada por um nome que ecoa com o…

16 horas ago

Alice Caymmi faz temporada do show “Para minha tia Nana” no projeto Terças no Ipanema

“Resposta ao Tempo” (Cristovão Bastos e Aldir Blanc), “Se Queres Saber” (Peterpan) e “Só Louco”…

17 horas ago

Do Prado lança álbum ‘Quantas vezes é possível se apaixonar?’

O álbum de estreia do músico Do Prado, de Americana (interior paulista) intitulado “Quantas vezes…

18 horas ago

Bourbonn Street | Eric Assmar convida Aramandinho Macedo

Referência no cenário atual do blues brasileiro, o guitarrista, cantor e compositor baiano Eric Assmar…

18 horas ago

O poder do loop musical: como sons repetitivos moldam experiências digitais

Pode reparar: em muitos momentos do seu dia, há uma música tocando sem que você…

20 horas ago