Talarico e Daniela Aragão, durante a entrevista
Talarico (Paulo Sergio Talarico), nascido em Cataguases, Minas Gerais, em 1960. Pintor, artista visual editor de arte, cartunista, ilustrador, autodidata. Participou de diversas exposições individuais e coletivas em todo Brasil; No exterior, participou de salões de arte e humor como o Salão de Humor de Montreal e o Salão de Humor do jornal Yomiuri Shimbum, Tóquio. Realizou diversos eventos como as feiras de Humor de Juiz de Fora de 1984, campanha das diretas ate 1986, com cartazes de Millôr Fernandes e Chico Caruso, também editou o jornal + Humor, pela lei Murilo Mendes, JF. Foi editor de arte e chargista de diversos jornais como o Diário do Comercio e Jornal de Casa, BH. Ilustrou diversos livros como “Uma batalha imunológica”, com Henrique Teixeira, “temas para sonhar” de Assunção Calderano, “Contos do Avesso” de Fernanda Bittar. Atualmente mantem atelier em Juiz de Fora/MG
Eis, a entrevista:
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Daniela Aragão: Como começou o seu despertar para a pintura?
Talarico: Eu desde muito pequenininho, acho que dois anos assim, a minha mãe ficava brincando comigo de desenhar e eu adorei aquele negócio. Eu sou de Cataguases, uma cidade que tem muita arte, na rua por exemplo a gente podia brincar ao lado do painel do Portinari, o painel da inconfidência. Então os painéis do Marcier, do Portinari, vários. Aquilo entrou na minha vida como uma missão. Minha vida sempre foi ligada a arte, a estar buscando representar, discutir alguma coisa através da arte e da pintura, do desenho.
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Daniela Aragão: Você na infância já mexia com tinta, guache por exemplo?
Talarico: Quando eu era criança usava a tinta que vinha na mão, o restante de obras, eu pegava essas tintas e ia pintar com isso. Eu lembro que eu tinha um quadro de giz em que eu desenhava, comprei tela e comecei a pintar, já com doze anos. Pegava taboa e participava de convescote em família, eles conversavam e eu ficava lá pintando. Eu queria ser pintor, foram aparecendo às grandes escolas, fui conhecendo outras coisas.
Daniela Aragão: Você também tem o dom para o desenho.
Talarico: Tem gente que fala que eu sou melhor desenhista, preto e branco. Eu gosto muito de fazer preto e branco, de desenhar. A minha geração é a do Pasquim, em que o humor, o cartum e a charge eram grandes movimentos de artes plásticas dos anos setenta. O grande acontecimento dessa época era o humor, o chargista. Nesse momento eu era muito amigo do Petrônio Dias, ele tinha uns quinze anos e ali no banco do colégio Academia, no pátio, eu disse a ele que queria ser pintor e ele falou que aquele negócio de pintar não iria levar a nada, eu não iria conseguir namorada. “O negócio é charge e cartum, isso que vai fazer você conquistar todo mundo” Ele me deu uns toques e comecei fazer. Depois fui no Pasquim com minha pasta de desenhos, sentei e fiquei um tempão esperando, Jaguar me atendeu, depois o Ziraldo e comecei a publicar no Pasquim com dezessete anos. Comecei também a trabalhar com charge no jornal da tarde, eu e o Barbosa Junior, o radialista que tinha um programa na Br superB3. Fiz Pasquim, Jornal do País, fui pra Goiânia, trabalhei no Estado de Minas, depois voltei a Belo Horizonte e trabalhei no jornal Diário do Comércio. Eu era chargista e editor de arte do jornal e aí acabou. Hoje charge não tem mais o papel que tinha, eu faço muita ilustração de livro, essas coisas, a técnica do desenho é muito bem acolhida para ilustrar.
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Daniela Aragão: Esse desenhar foi acontecendo todo intuitivo?
Talarico: Tudo intuitivo, aqui em Juiz de Fora eu colei com o Roberto Vieira, meu grande mestre. O Roberto era o conceito da arte, depois quando fui para Goiânia fiquei amigo do Siron Franco, eu ia para o ateliê dele e ficava vendo ele pintar. Esse foi o meu contato com pintura. Vi muita gente desenhando, o Ziraldo, Eliardo, Chico Caruso, Paulo, Millôr, eu ia muito na casa do Millôr. Eu ficava vendo esse pessoal desenhar, mas nunca fiz curso de artes. Fiz só um curso em 84 quando o MAM do Rio tinha reinaugurado, tinham vários cursos de arte lá. Eu fiz durante um tempo com Aloísio Carvão que era um cara com composição incrível, dos anos 60. Eu fiquei um tempo com ele, um ano e meio aprendendo a ver. A coisa não era fazer nada, era aprender a ver. Diz ele que o sentido mais deturpado que nós temos é a visão, mais do que o olfato, a fala, a audição. Ele explicava porque tinha essa teoria, aí fazia a gente entender o que a gente vê porque a televisão, essa mídia toda é muito avacalhada, ela não quer saber de como você vai ver. Nós ocidentais temos uma maneira de ver que é diferente dos orientais. É a nossa cultura, nós vemos assim e não adianta tentar mudar essa maneira. Depois fiz uns cursos no Rio de Janeiro de produção gráfica, mas nunca fiz curso formal. Quando eu era criança tinha o instituto universal brasileiro, eu fiz uns cursos com as revistinhas. Aprendi umas técnicas de desenho.
Daniela Aragão: Você passou pela escola Antônio Parreiras?
Talarico: Não, eu fui lá várias vezes pegar informação e tudo, eu queria mas, não gostava. Uma geração anterior a minha e já havia ocorrido o rompimento dos modernos. Família Bracher, Dnar, eles saíram, romperam. Isso está no trabalho de André Colombo, sua dissertação de mestrado discute o rompimento desses pintores com a escola Antônio Parreiras. Era ali na galeria da banca do Vasco, eu ia lá, olhava mas não ficava. Eu fui caminhando por mim mesmo, tinha o Jaime Leão, um desenhista dos anos 40,50 ele fez um método de desenho. Estudei muito Leonardo Da Vinci, eu ficava ali copiando, tentando entender a questão de anatomia. Desenvolvi um método, tanto que criei a oficina de historia em quadrinhos para a meninada. Eles aprendem a fazer tudo, desde o balão seguido do texto.
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Daniela Aragão: Você gosta de dar aula?
Talarico: Gosto. Eu tenho didática. Tem vários professores que viram ao acaso eu dando aula e que disseram que não imaginavam que eu tinha essa didática.
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Daniela Aragão: Você trabalhou com idoso
Talarico: Trabalhei com idoso numa clínica no Jardim Glória, Arte de Viver. Trabalhei uns anos ali e começou a surgir um problema, eu perguntava cadê fulano e eles diziam morreu, e no outro dia perguntava por outro e também havia morrido. Aquilo foi me dando tanta tristeza que eu não quis continuar.
Daniela Aragão: Quais os pintores que te influenciaram e são importantes na sua trajetória?
Talarico: Quando eu morei em São Paulo, morei de 97 a 2001. Eu estava pintando preto e branco os prédios. Quando eu vim pra Juiz de Fora morreu o Stehling, logo depois o Dnar. As influencias foram essa escola mineira e juizforana, Bracher, Roberto, Reydner Gonçalves, Dnar, Stehling, Eliardo que apesar de ser um ilustrador tem a pintura também. Inimá de Paula. Iara Tupinambá, esse pessoal todo que tem uma linha de pensar, de ver e de pintar nossa região. Eu vim então com essa missão de continuar essa escola, pois não tinha mais ninguém fazendo isso. Hoje tem um monte de gente fazendo
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Daniela Aragão: Situações, lugares, paisagens que te inspiram
Talarico: Quando eu vim para Juiz de Fora eu queria pintar a cidade, principalmente a parte mais preservada. Praça da Estação, Museu, coisas assim. Panorâmicas da cidade vista. Quando eu vim para a Floresta, já tem dez anos eu vi que aqui tem muita coisa e há muitas maneiras de ver. Aqui é muito legal para pintar, eu quase virei um pintor da Floresta. Com isso eu fiquei conhecendo todo mundo aqui, eu paro no campo para pintar. Já pintei a fazenda, daqui para lá e de lá para cá. Eu gosto de pintar os lugares, acho muito prazeroso fazer, essa vida que é sair de casa com o meu cavalete, as tintas, sento num lugar e vou pintar. É muito agradável.
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Daniela Aragão: Os impressionistas te impressionaram?
Talarico: Claro, eles mudaram os paradigmas. Van Gogh que é o ícone dessa turma toda, todos eles, Reinoir, Manet, Monet eles deram uma nova visão a arte. Depois vem Matisse, Picasso, arte modernista. Eles se dão a liberdade e a coisa fica muito mais interessante. O que não é só a coisa formal e clássica. O que se queria dizer era mais importante que o como se fazia. A ideia é muito mais isso com a arte contemporânea. As vezes o cara ta pintando aí coisas que nem interessam, pinta Grécia, essas coisas e eu acho isso um absurdo. Nós estamos aqui, a realidade nossa é o povo que está na rua, gente sem comida morrendo de fome. As pessoas estão vendo a Grécia. Eu acho que estou em outro mundo, não gosto nem de ver. É tão não ver a realidade, tudo bonitinho querendo ser agradável. Eu não quero ser agradável. Tenho muitos trabalhos da época da pandemia, aquele grito de botar para fora os seus bichos, eu não me reprimo. Antes de mais nada eu sou cartunista, eu uso o humor para qualquer coisa, A cor traz o humor, a sensação de agradável.
Daniela Aragão: Quais cartunistas você admira?
Talarico: Millôr, Tomi Ungerer, Ronald Sierle, Steinberg esse foi o papa da turma toda. Ele influenciou uma geração. O Brasil é isso, o Fortuna, o Millôr, Ziraldo, não posso deixar de falar do grande Agner Canelada, ele é um amigo muito importante que fez durante muito tempo no jornal dos esportes. Por ali passou o Henfil, depois o Nani e o Agner. Os que mais me tocaram foram esses.
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Daniela Aragão: Você participou de exposições?
Talarico: Participei de muitas, participei de salões, tinha uma época em que eu só mandava para o exterior. Eles mandavam catálogos pra gente e tinha esse fetiche de ter um livro em que o seu trabalho estava no meio. Tinha o salão de humor do Canadá e era um negócio fantástico o pavilhão de humor, eles editavam livros com todos os participantes. Tinha o salão do jornal Yomiuri Shimbum em Tóquio. Fiz em 79 um projeto e tentei pintar cada parede de um prédio, cada uma era pintada com um cartoon que eu fazia inspirado no momento. Arrumei patrocínio para o material todo, o sindico, o prédio não ia gastar nada e eu iria fazer a arte ali, ninguém quis saber, ninguém deu resposta. Logo nesse mesmo ano eu fui para Goiânia, lá eu comentei isso com o Ciron. Ele falou com o pessoal do jornal e fizeram uma página sobre a minha ideia. Fiz um book sobre essa ideia e mandei para o Japão. Não deu para fazer, pois não havia prédios em Goiânia era uma cidade planejada. Fora isso fiz muitas exposições, aqui, no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, tanto coletiva quanto individual. Aqui em Juiz de Fora na época da Campanha das diretas era o Reginaldo Arcuri na Funalfa. Eu propus fazermos uma feira de humor de Juiz de Fora e o negócio deu um barulho, fui a Porto Alegre, Curitiba, rodei o Brasil todo com a mostra. Veio gente de tudo quanto é jeito. Tinha um cara que era cordelista que fundou o Partido Cordelista do Brasil, ele era candidato a presidente. Drummond era vivo e na coluna dele no Jornal do Brasil falou que esse cara seria o único com o qual ele votaria para presidente. Era o Franklin Machado. No parque Halfeld tinha ele fazendo discurso e vendendo cordel, uma banda, a banda do Lobo que o Mamão arrumou. Ele ficava cantando cheio de balão e as pessoas iam lá e votavam para Presidente do humor. O Bello ganhou a feira por meio do voto do povo e isso agarinhou muita simpatia. Eu fui para o Rio e pensei em fazer outra feira, mas pensei que quem poderia fazer o cartaz seria o Millôr e ele me falou que estava todo ocupado, que cobrava caro. Millôr me pediu meu telefone e disse que se tivesse uma ideia me ligaria. Passou uma semana ele ligou lá pra casa “Pode vir buscar o seu cartaz que está pronto”. Tenho até o original guardado. Ficou muito bacana, o pessoal do Casseta e Planeta se juntou e fez uma revista, veio muita gente legal, o pessoal do Pasquim participando de debate na reitoria. Em 86 falei com Chico Caruso e ele fez um cartaz, ficou aqui em Juiz de Fora uns quinze dias e estava indo para o Globo. Público de cinco mil pessoas por dia. Foi muito bacana, aconteceu então nos anos de 84,85,86, sozinho eu fazia. A Funarte ajudou. Nós fizemos cartum, palavra que foi abrasileirada por Ziraldo, já o Cartoon com dois os é o desenho animado. Importante sobre o meu trabalho é a pintura de campo, juntamos uma turma legal pra pintar. Eu e Pulica saímos para pintar e a gente escolhe qualquer lugar, pintamos na Praça da Estação lá do alto naquela passarela e captamos de vários ângulos. Uma coisa que é diferente. É uma atividade que gosto muito de fazer, juntar com outra pessoa ou com grupo para pintar. Agora costumo ir no Pipoco, na Floresta com a Marina, o Kim e a Flora. É a pintura de campo, as pessoas passam veem. A pintura é muito fria, o músico pega o violão, a voz e já sai aquela vibração. A pintura não, eu pinto sozinho em casa e a pessoa põe o quadro na parede de sua casa e eu nem vou saber sobre a sua reação. Pintar no campo é uma forma de esquentar um pouco essa frieza da arte.
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Daniela Aragão: A natureza é inspiradora para você?
Talarico: Ah sim, passa Teiú, tem um montão de passarinho, Sanhaço, Tiê, Sabiá . A natureza tem curiosidade com você como você tem com ela.
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Daniela Aragão: O que é a arte pra sua vida?
Talarico: Eu fui salvo pela pintura. Meu pai era bancário, meus irmãos trabalham com coisas de ganhar dinheiro. Eu não tenho nada da ganância de ganhar dinheiro. Eu quero é ter o prazer de estar com vocês agora, poder viver. Deixar cores em coisas. Eu vejo as pessoas tão preocupadas em ter coisas, comprar um carro, comprar, comprar. Isso não me encanta. O que me encanta é uma planta que está nascendo, um quadro que me emociona, uma música, um livro. Essas coisas batem na vida da gente.
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