Pianista, compositor e arranjador, Márcio Hallack é atualmente um dos grandes nomes da música instrumental brasileira. Autodidata, já se apresentou e gravou com Hermeto Pascoal, Toninho Horta, Gilson Peranzzetta, Mauro Senise, Jaques Morelembaum, Robertinho Silva, Marcos Suzano, Galo Preto, David Chew, entre outros. Compõe trilhas para cinema e foi indicado ao Prêmio Tim de Música com o CD “De manhã”. Seu último álbum “Desse modo”, lançado em 2020, pela Kuarup.
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Eis, a entrevista
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Daniela Aragão: Vamos falar sobre o “Desse Modo’’ que é o seu último trabalho
Márcio Hallack: Primeiramente quero agradecer a você por abrir esse projeto com os pianistas. É uma honra estar perto do Kiko Continentino, que é um grande amigo, do Leandro Braga com quem estudei arranjo, um craque. Também o Gilson Peranzzetta que é um amigo do peito. Quero agradecer a turma que fez os depoimentos, fiquei muito feliz e emocionado.
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O cd Desse modo vem numa trajetória que eu comecei desde o “Talismã”, que é um lp que virou cult e hoje é muito procurado. Um lp que teve um lançamento muito fugaz, pois não implementei uma responsabilidade maior sobre ele em vista de sua grandiosidade.  Tem direção do Nelson Ângelo,  logo que lancei esse cd eu viajei para os Eua e fiz um lançamento em Nova York. Agora estou querendo aproveitar nos novos shows que voltarem fazer uma mistura do “Tudo azul”, “De manhã” e “Desse modo”. Tenho estudado muito arranjos para orquestração. “Desse modo” seria uma alusão não somente ao modo que eu faço, cada um tem o seu particular. Seriam outros modos.
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Daniela Aragão: Me recordo de que antes de escolher o título definitivo você me mostrou duas possibilidades de título, “Desse modo” e “Tudo o que você podia ser” .
Márcio Hallack: Tudo o que você podia ser é uma das faixas do “Desse modo”. O Eneas Xavier e o Nenem baterista tocam junto comigo faz tempo. Nesse formato de trio ganhei o prêmio BDMG em 2003 e depois em 2007, o trio foi maravilhoso. Trabalhar com esses músicos é maravilhoso, dezessete anos após a formação desse trio gravamos o “Desse Modo”, que foi a realização de um sonho. “Desse Modo” é uma homenagem ao compositor americano Ron Miller, que é um craque da música modal. Eu estava estudando isso e absorvi. Esse cd me trouxe muita alegria, ganhei com ele o prêmio Dinamite, em 2021.
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Daniela: O “Desse modo” faz um percurso pelos gêneros, uma fusão. Passa pelo jazz e pela grande Música Popular Brasileira. A faixa Dia de Santo Antônio é Brasil total.
Márcio Hallack: Sempre tive o Edu Lobo como uma de minhas referências, a gente que gosta da grande música tem esses maravilhosos artistas para ouvir e se inspirar. O Edu para mim é uma experiência, assim como o Hermeto, como o Tom e todos os compositores que vieram antes da gente. O Edu tem uma música chamada Bate Pronto, que é um choro. Eu venho de uma formação erudita que incorpora também marchinha, choro. Recordo-me da bandinha da cidade de Santos Dumont que eu ouvia nos tempos de moleque. Tinham vários instrumentos, além de um coreto. O dia de Santo Antônio é uma referência- resgate da memória, eu estava estudando muito arranjo e queria fazer arranjo com instrumentos graves. Acabei usando o clarinete e a flauta em sol. Foi uma coisa que veio de dentro pra fora.
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Daniela Aragão: Quando a gente conversa sempre pinta a história de um choro. Você compôs muitos choros?
Márcio Hallack: O choro em si está ligado ao meu estudo erudito. Ele é a nossa raiz brasileira. Eu lembro que logo que eu comecei a estudar aqui no conservatório em Juiz de Fora, na ocasião completava uns cinco anos que não se tocava choro. Dizer que é proibido é uma palavra um pouco pesada, digamos que não se tocava choro. Mesmo assim eu insisti, em Barbacena, no Conservatório Brasileiro acabei ganhando o festival tocando Apanhei-te cavaquinho (Ernesto Nazareth), Noturno (chopin), Dança negra (Guarnieri).

revistaprosaversoearte.com - Entrevista com o pianista Márcio Hallack, por Daniela Aragão
Márcio Hallack e Daniela Aragão – foto ©acervo DA

Daniela Aragão: Você traz uma referência dos clássicos, os grandes mestres: Chopin, Ravel, Debussy, Bethoven…
Márcio Hallack: É verdade, eu sempre gostei de misturar. Na verdade vem tudo de dentro. O “Juízo final” era um samba e toquei ela lenta. Todos esses caras têm uma mensagem subliminar melódica, brasileira. Você tem que aproveitar, ouvir, entender.
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Daniela Aragão: O azul é uma cor sempre presente nas capas de seus discos e não podemos esquecer da música “Tudo Azul” que é uma de suas mais conhecidas.
Márcio Hallack: Essa foi uma inspiração de eu sentar e tocar. Vem a melodia. “Tudo Azul” saiu direto, costumo dizer que é um samba mineiro. Ela foi tema da rádio Alvorada, por dois anos na abertura. Tem o trombone do Raul de Souza. As pessoas quando encontram comigo costumam cantarolar. Essa música começou a ganhar uma letra do Tadeu Franco, sou apaixonado pelo Tadeu, uma das vozes mais bonitas do Brasil: “A beleza é assim/Muita cor se vai pintar/Gol.
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Daniela Aragão: Você é um pianista criativo. Como conheço toda a sua obra reconheço sua assinatura. Todo criador tem que ter sua própria assinatura.
Márcio Hallack: “Tudo o que você podia ser” fizemos de trio e acabou ficando meio Jarret. O cd foi gravado posso dizer que em três dias. Não foram menos, mas pontuais. Eu, Nenem e Eneas temos uma interatividade muito grande. Só passo pra eles uma retórica do que penso e consequentemente deve despontar a minha assinatura. Eu escuto as coisas do momento. “Valsim” é uma homenagem ao Moacir Santos. São as boas influências. Até grande parte da minha vida os meus professores sempre foram os eruditos. Me perguntaram com quem estudei, falei Beethoven, Debussy, Ravel, Chopin. Sempre estudei com eles. Numa certa ocasião contei ao Leandro Braga que eu estava estudando e lendo a partitura de “Noturno”, de Chopin. Chegou no momento da segunda parte que entrei numa atmosfera. Comecei a tocar compasso, por compasso como se Chopin estivesse comigo. Me deu uma sensação boa, mas foi espiritualmente forte.
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Daniela Aragão:  Vejo muito na sua obra a influência dos impressionistas
Márcio Hallack: Estudei muito com o Debussy, um dos primeiros que me abriu horizontes e possibilidades harmônicas. Estou estudando arranjos para orquestração. Isso já é outra praia. Ser instrumentista é um lance e ser compositor é outro. Arranjos e orquestração outra praia. Você tem que se dedicar muito. Tiro o chapéu para os nossos grandes arranjadores já de muito tempo. A gente sabe que desde a era do rádio têm as grandes orquestras maravilhosas, TV Tupi, e até em televisão. Tinham o maestro Cipó e o Radamés que escreveram arranjos maravilhosos.
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Daniela Aragão: A história tem se perdido. A gente tem hoje uma maneira “democrática”  com as plataformas, mas ao mesmo tempo não há mais ficha técnica. Eu gosto da ficha técnica, de saber quem tocou. Só sai o nome do cantor. O Maestro Gaia já fez arranjos pra você.  
Márcio Hallack: O meu choro “Um presente pro titio” que ganhou a Rodada Brahma em terceiro lugar teve o arranjo do Maestro Gaia. Eu tive informações de que estão resgatando a obra dele todinha. Arranjos do Gaia pra tv, rádios, etc. Na época do Rodada Brahma o Gaia foi no camarim e me indicou para estudar com Rockeman, que era um alemão que dava aula em São Paulo. Acabei não indo, não me lembro do que me impediu na época, mas eu deveria ter ido. No Rodada Brahma a totalidade de músicas concorrentes eram cantadas, só a minha “um presente pro titio” que era instrumental.  Eu espero que nesse momento de resgate das composições e arranjos do maestro Gaia apareça o trabalho que ele fez pra mim. Na época ele me pediu a melodia e os baixos e eu lhe dei a gravação.
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Daniela Aragão: Quem não pegava antigamente um vinil pra ver quem estava tocando. Contemplar a ficha técnica.
Márcio Hallack: Eu coloco o nome de todo mundo em tudo o que faço. O resgate cultural é muito importante pra ver quem chegou antes da gente e fez tanta coisa bonita. Vamos estudar a nossa música, arranjadores maravilhosos como Chiquinho de Moraes. Tem um violoncelista da sinfônica que estudou com ele chamado Sergio Sábato. Ele me deu um disco lá em Petrópolis. São pessoas que a gente ouviu. Radamés fez muita coisa com orquestra, com arranjos brilhantes. Fica no nosso inconsciente. Tinham também as músicas infantis.
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Daniela Aragão: A última faixa do “Desse modo” é um free
Márcio: É um dos momentos que eu gosto. Quando estou à vontade com músicos que dão um suporte, já saio tocando. A música foi se encaminhando para uma levada bem Brasil no final. Homenagem ao Hermeto, um free que tirei o f e introduzi o t, se tornando então uma árvore da vida da música. Pra se fazer isso tem que estudar muito um repertório que já está previamente na cabeça. Abrir para as possibilidades, caso contrário não acontece nada. Eu adoro exercer a liberdade ao tocar e  o Three ficou muito bom.
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Daniela Aragão: O que te chama atenção hoje?
Márcio Hallack: Eu gosto de ouvir muita coisa, sou muito eclético. Gosto de samba. Estava tocando o “Caneta azul” que faz sucesso na internet. Acho que tudo é bonito, lindo no seu jeito de tocar e fazer e tal. Atualmente estou gostando muito do nordeste que tem músicos fantásticos. Luiz Gonzaga, Dominguinhos abriram os portais e nos trouxeram tanta coisa bonita. Tem uma gama de músicos instrumentistas quanto criativos nos versos, letras que seguem hoje a linhagem. Temos que abrir o nosso olhar para o nordeste. Hoje essa interação pela internet facilitou o diálogo com músicos maravilhosos espalhados por Recife, Ceará e outros locais.
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Daniela Aragão: Sair desse eixo Rio, São Paulo e Minas é conhecer e se abastecer de novas culturas.
Márcio Hallack: Nos últimos meses fui duas vezes a Recife, conheci pessoas maravilhosas. Tem um saxofonista que é multi-instrumentista que acho genial e que costuma tocar com o pianista Amaro Freitas. Ele é um camarada que tem a música universal, uma forma de ver junto com o Itiberê, essa família. Sempre busquei uma junção toda, pois a música é uma só. Temos músicos de muita qualidade, não só pela tradição do frevo, tem muita banda. Agora conheci uma orquestra de flautistas que transcende a orquestra tradicional. É tudo lindo.
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Daniela Aragão: O que é a música para a sua vida?
Márcio Hallack: A vida pra mim é música. O som, a música da vida. Quero agradecer aos artistas e aos grandes músicos de todos os tempos  que trazem inspiração em sua trajetória. A música me inspira e me faz viver em paz.

Márcio Hallack na Rede
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:: Facebook
:: Ouça o álbum “Desse modo”, de Márcio Hallack no canal Kuarup.
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revistaprosaversoearte.com - Entrevista com o pianista Márcio Hallack, por Daniela Aragão
Daniela Aragão – foto: acervo pessoal

** Daniela Aragão (1975) é doutora em literatura brasileira pela Puc-Rio, cantora e pesquisadora musical. Há mais de duas décadas desenvolve trabalhos sobre a história do cancioneiro brasileiro, com trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Gravou em 2005 o disco “Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso”. Há mais de uma década realiza entrevistas com músicos de Juiz de Fora e de estatura nacional. Entre os entrevistados estão: Sergio Ricardo, Roberto Menescal, Joyce Moreno, Delia Fischer, Márcio Hallack, Estevão Teixeira, Cristovão Bastos, Robertinho Silva, Alexandre Raine, Guinga, Angela Rô Rô, Lucina, Turíbio Santos… Seu livro recém lançado “De Conversa em Conversa” reúne uma série de crônicas publicadas em jornais e revistas (Cataguases, AcheiUSA, Suplemento Minas, O dia, Revista Revestrés, Cronópios…) ao longo de quinze anos . Os textos de Daniela Aragão são reconhecidos no meio musical devido a sua considerável marca autoral e singularidade, cuja autora analisa minuciosamente e com lirismo obras de compositores e cantores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Rita lee. O livro possui a orelha escrita pelo poeta Geraldo Carneiro, prefácio do pesquisador musical e professor da Puc-Rio Júlio Diniz, contracapa da cantora e compositora Joyce Moreno e do pianista e arranjador Cristovão Bastos. Irá lançar em 2022 seu livro “São Mateus – num tempo de delicadezas”.  Colunista da Revista Prosa, Verso e Arte. #* Biografia completa AQUI!
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