Paulo Girão – compositor • violonista • cantor 
Em 1977, formou-se em Música pela UNIRio. Iniciou sua carreira artística em 1975, participando do show “Mostragem” (Teatro Opinião, RJ), ao lado de João Bosco. Apresentou-se, a partir do ano seguinte, em outros espaços cariocas e paulistas. Em 1998, apresentou-se ao lado do cantor Lúcio Alves, no show “Seis e Meia”, realizado na Sala Funarte. Em 2001, lançou o CD autoral “A re-volta do boêmio”. Constam da relação dos intérpretes de suas canções artistas como Alaíde Costa, Pery Ribeiro, o grupo Os Mutantes e Emílio Santiago, entre outros. (fonte: dicionário MBP)

Daniela Aragão: Como começou a música em sua vida
Paulo Girão: Eu me lembro que a primeira vez que eu vi música que me chamou atenção foram dois lps, uma coisa até meio diferente, pois só tinham oito faixas cada um. Ficavam lá em casa, em Niterói, onde eu nasci. Um do Dorival Caymmi, ele com uma camiseta de malandro. Um do Nat King Cole. Só isso já me chamou bastante atenção. Eu era muito criança. Eu tinha por volta de cinco ou seis anos. Daí veio a parte mais ágil, a Jovem Guarda, os Beatles e tal. Aí eu gostei quando começou Help, a Jovem Guarda e tal. Comecei a gostar muito desse pessoal, e eu já começava a encarar algumas canções no violão. Passei a ter aula com um professor, o Raimundo, não o da escolinha ( risos). Ele dava aula de violão na Casa Oliveira . Quando me lembro disso fico até emocionado, pois acabou a Rua da Carioca hoje em dia. Claro que o professor Raimundo já morreu faz muito tempo e vários lugares que eu conhecia na Rua da Carioca não existem mais. Eu tinha dez anos. Depois, tive outros professores, todos profissionais.
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Paulo Girão no Teatro Opinião, 1975.

Daniela Aragão: Então seu instrumento de eleição foi o violão?
Paulo Girão: Sim. Antes passei pelo piano em Niterói. Tinha um piano no apartamento. Quando mudamos para o Rio de Janeiro o piano sumiu e nunca me falaram quem tinha levado o piano. Foi vendido, claro. Dou tanta sorte na vida que começou a época do violão para jovens como eu. Eu já não estava dependendo tanto do piano. Assumi o violão e na Rua da Carioca fui aprendendo os primeiros acordes com o professor Raimundo. Comprei o método Fernando Azevedo, que era o grande na época. Fui tendo acesso as cifras, sustenidos, bemóis, oitavas, nonas.Tudo lá através do Fernando Azevedo. E fui sofisticando um pouco mais, com o método do Paulinho Nogueira. Comecei a fazer música, mas comercialmente a coisa estava rolando mais para a faixa Beatles, Jovem Guarda. Ficava fazendo minhas musiquinhas. E gostava de escrever também,
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Daniela Aragão: Então a composição surgiu aí bem cedo?
Paulo Girão: A composição veio junto com a escrita. Preciso dar um feedback, pois na verdade eu comecei a fazer música por causa do teatro. Eu ia pra casa da minha bisavó, ela não era qualquer uma, foi uma das primeiras alunas do Villa Lobos. O Villa Lobos era uma figura, ela o conheceu no teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Era de uma simplicidade fora do comum. Eu mais ficava na casa dessa minha bisavó que em minha casa com meus pais. Todo fim de semana, sábado e domingo ela me levava para o teatro para assistir a todas aquelas peças. Comecei com Maria Clara Machado, “Pluft, o fantasminha”. Até que um dia ela me levou pra assistir o musical “Minha Querida Lady”. Aí eu desbundei, com Bibi Ferreira e Paulo Autran. Tenho até hoje o lp da peça. Falei com minha bisavó que eu queria fazer esse teatro também. Lá na casa dela montei um teatrinho. Era um apartamento minúsculo, mas fui capaz de montar o teatrinho, já com cortina e spots improvisados com latas de leite Ninho, uma lâmpada, algo assim. Busquei meus amigos da época para participarem atuando. Só que eu escrevia e colocava música no meio da peça.

Daniela Aragão: O potencial musical seu aliado a performance cênica é de uma riqueza única. Tudo já na gênese de sua existência.
Paulo Girão: Com certeza. Por essa razão fiquei na verdade cada vez mais ligado na música por causa do teatro e vice-versa. As duas coisas são intimamente ligadas na minha cabeça, na minha alma. Aí o tempo passou, lá para os 15, 16 anos apareceu um Festival de Música Estudantil. Eu estudava num colégio em Vila Isabel, chamava-se Colégio Estadual João Alfredo. Eu fui saber da existência desse festival quando já tinha passado o último dia da inscrição. A professora de música da escola era responsável pela promoção do Festival. Fui falar com ela, na verdade todo mundo na escola sabia que eu gostava de fazer música. Minha intuição dizia pra que eu falasse com a professora, visto que ela poderia abrir uma exceção pra mim. Essa professora tinha sido aluna de minha bisavó, Francisca. Ela abriu de cara a concessão pra mim. Aconteceu então o festival, primeiro, no teatro do colégio.

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Banda Hydrante (Murilo Continentino, Kakiko, Carlinhos, Pena, Toninho e Paulo Girão) – show ‘Velha Bruxa’, Rio, 1976.

Daniela Aragão: os festivais eram um estímulo considerável para a criação musical nessa época.
Paulo Girão: Eu fiquei classificado no Festival pela minha escola, e aí disputei com os classificados de outras escolas. Não venci, não tirei o segundo, nem o terceiro lugar, fiquei com o sétimo, portanto, entre as dez primeiras. Essas tinham o direito de ser gravadas num lp da Philips. A Philips tinha um cast de primeira linha. Eu com apenas dezesseis anos. Quem eu gostaria que cantasse a minha música? Nesse tempo o Tropicalismo estava no auge.

Daniela Aragão: Como se chamava sua música?
Paulo Girão: Chama-se “Glória ao rei dos confins do além”. A música que venceu era de Irineia Ribeiro, uma boa compositora. Era uma música meio no estilo Maysa, bem diferente da minha e das demais. Escolhi o Caetano Veloso para cantar minha música, ele não pode pois conforme argumentou a Philips, ele estaria num show da Ródia. Então passei pra Gal Costa, também não pode pois estaria no mesmo show. A Ródia fazia os shows que promoviam a turma toda moderna da música daquele momento de 68. Daí a Philips me sugeriu Os Mutantes. Eles não eram famosos, tinham acompanhado Gilberto Gil numa música só. Não tinham carreira solo. Fui abençoado, Os Mutantes gravaram e hoje está em todas as coletâneas deles. Arnaldo Batista que está morando aqui em vez de Juiz de Fora disse que foi uma das pouquíssimas músicas que eles gravaram de prima, tanto que se identificavam com a música. Quem cantou foi Rita Lee, mas foi a primeira e última vez que ela cantou solo com eles. Então fui muito privilegiado. Tenho um orgulho disso fantástico. Depois dessa falei, tenho que fazer música, tenho que ir pra frente. Pintou então Alaíde Costa.
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Daniela Aragão: Como deu esse encontro? Você é autor daquela música belíssima registrada por Alaíde em 1975, Diariamente.
Paulo Girão: Eu era amigo do Carlos Althier Escobar, que depois ficou conhecido como Guinga. Quem sacramentou esse apelido Guinga foi o Aldir Blanc. O Aldir viu que ele tinha umas músicas muito complexas, sofisticadas demais. Chamando Carlos Althier seria uma esfinge.
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Daniela Aragão: Genial. Genial. O Aldir criou um pseudônimo que nada tem a ver sonoramente.
Paulo Girão: Guinga é completamente genial.
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Daniela Aragão: Ele aparece em 79 no LP Essa Mulher da Elis com a tão linda Bolero de Satã. Você presenciou o batismo do pseudônimo?
Paulo Girão: Não. Eu vivia com essa turma. O Paulo César Pinheiro, por exemplo, eu conheci pessoalmente . Já estava começando a fazer letras, mas achava o Carlos Althier muito hermético. Achava que ele nunca iria fazer um pingo de sucesso na vida.
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Daniela Aragão: Leila Pinheiro na verdade foi a grande responsável pela divulgação ampla do Guinga com seu belíssimo disco “Catavento e girassol”, inteiramente dedicado a parceria Guinga e Aldir Blanc. Leila deu voz a canções maravilhosas como a faixa título.
Paulo Girão. Com certeza. Leila Pinheiro teve um papel muito importante na divulgação do trabalho do Guinga. Voltando ao Aldir, ele teve uma visão futurista. Um sambinha para se tornar popular não seria o ideal. Somente dar uma mexida no nome já traria uma suavidade e possível assimilação mais popular. Imagina, Carlos Althier e de quebra Escobar (risos). A partir dali Aldir passou a fazer parcerias com Guinga.

Daniela Aragão: Aldir foi no seu ofício de ourives da palavra.
Paulo Girão: Sim, Daniela. Eu frequentava a casa do Carlos Althier, futuro Guinga. Ele me mostrava suas músicas e fazia as coisas de uma maneira muito complexa, matemática dos acordes. No entanto, ele apreciava o cara que era intuitivo como eu e elogiava. O fato de ele me chamar de intuitivo não era depreciativo. Ele tanto gostava que mostrou para Alaíde Costa minha música. Na época Guinga a acompanhava. Seu ato de mostrar minha música foi de rara generosidade. Alaíde estava indo pra Odeon, Guinga mostrou “Diariamente”, pois gostava muito dessa minha música. Por lá Milton Miranda foi o melhor produtor. Esse cara fez tudo de bom, não somente na Odeon, como no cenário fonográfico brasileiro. Alaíde se enamorou de “Diariamente” e na primeira oportunidade gravou minha música num compacto simples. A canção saiu com o nome da parceria Paulo César Girão e Gerson. Gerson fez a participação na letra, mas, tempos depois, nunca mais o vi, sumiu na poeira. Foi meu amigo durante um tempo lá na Tijuca. Engraçado, pois ele começou a letra e eu fui para o final dos versos. Eu falei que queria que a música terminasse com o verso “O cheiro da manhã em nós”. Uma maluquice minha. Acho que por isso que deu certo.
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Daniela Aragão: As parcerias são encontros muitas vezes inusitados. Muitas vezes atribui-se parceria por causa de um ou dois versos. O importante é o casamento sonoro poético fluir bem.
Paulo Girão: “Diariamente” tinha que finalizar com “O cheiro da manhã em nós”. Do outro lado do compacto tinha Oscar Castro Neves, com uma música chamada “Antes e Depois”.
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Daniela Aragão: Por que Gerson não tem sobrenome?
Paulo Girão: Ele só levou o nome Gerson, mas seu sobrenome era Nogueira. Não quis colocar o sobrenome com receio de que achassem que ele era parente do João Nogueira. “Diariamente” depois foi registrada num lp e tocou pracaramba na rádio JB no Rio. Eu fiquei muito conhecido por ser o autor da música. Me tornei amigo dos principais programadores da rádio JB. Fui em frente. Peri Ribeiro se apaixonou também por Diariamente. Quis gravar, registrou essa e mais duas. Gravou três músicas minhas. No entanto, acho que o Milton Miranda não estava mais na Odeon e não teve nenhuma divulgação, mas o Peri Ribeiro gravou, os arranjos eram de Dom Salvador. Encontrei com Dom Salvador em São Paulo e foi um encontro fantástico. Mais adiante o Emílio Santiago gravou.
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Daniela: No total quantas gravações?
Paulo Girão: Umas 3 ou 4. Tiveram outras gravações do Diariamente que não tive acesso. Até uma internacional que não tive acesso, mas tudo bem. Então segui em frente, compondo e participando de festivais. Aqui em Minas tenho um carinho especial, uma vez participei do festival de Carangola. Tudo década de 70,80. Sou saudoso desse tempo.
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Paulo Girão ‘Gloria ao reio dos confins além – uma música pode mudar uma vida’. Editora KBR, 2012

Daniela Aragão: Na verdade você vivenciou a era dos grandes festivais
Paulo Girão: Havia uma preocupação com a qualidade. Embora tivessem gravadoras, o festival acontecia com músicos talentosos. Gravadora já era um outro papo. Nunca fui aceito por gravadora, embora fizesse parte dos testes em gravadora. Fui pelo circuito dos festivais. Inclusive estive no Internacional da Canção, que era patrocinado pela TV Globo. Eu tinha uma música chamada Zunara. Era uma canção romântica, estranhamente eu passei para reserva. Fiquei contente como se estivesse entre os titulares, visto que lá estavam Marcos Valle, Milton Nascimento, e outras feras!

Daniela Aragão: Um reconhecimento considerável, mesmo que não tivesse a divulgação mais massificante que poderia acontecer caso alguma gravadora te distribuísse.
Paulo Girão: Eu entrei nessa onda. Tentei ir pra gravadora, tive até um grande padrinho que foi o Lúcio Alves. Aliás, já o homenageei no Rio de Janeiro. Lúcio Alves conhecia alguém que já conhecia o meu pai. Lúcio ouviu o que eu tinha a dizer e gostou. Tinham até umas cartinhas que ele escrevia a meu favor para os caras daquela época. Fiz uma homenagem ao Lúcio Alves na sala Baden Powell, com participação de minha amigas Rosana Sabença e Áurea Martins. Ele não chegou a gravar nenhuma música, mas muito me ajudou. Lúcio fez um show comigo na Funarte, duas semanas de apresentações. Lúcio Alves era um cara sofisticado. Entrar no palco sendo chamado por Lúcio Alves é um presente. Na homenagem a Lucio, o Chico Caruso fez uma participação especial cantando comigo Tereza da Praia, que é cantada por Lúcio e Dick Farney.
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Daniela Aragão: A direção do show era sua?
Paulo Girão: A produção era minha, para a direção eu chamei um cara que na ocasião não estava muito disposto, pois estava voltado para o teatro. Mariozinho Telles, filho da Silvinha Telles. Convidei-o pois já o conhecia de muito tempo. Senti que ele não queria, mas foi tão gentil, deu uns toques pra mim. Ele não dirigiu. Fui eu que produzi e dirigi, mas os toques dele contribuíram. Algum tempo depois ele faleceu, muito novo. Tínhamos a base composta pelo trio piano, baixo e bateria. O show foi muito bem transado. Gosto de dar um ar diferente, quebrar a seriedade. O Chico Caruso topou, foi com uma roupa bacana.
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Daniela Aragão: Gostaria que falasse sobre seu trabalho como professor
Paulo Girão: Descobri com um tempo que eu não tinha tanta vocação para ser artista profissional. Eu não poderia encarar a barra pesada de ser artista da noite, por exemplo. Olha que eu vi todo mundo da noite. A instabilidade da vida de artista era algo que preferi não arriscar, também aliado a isso a deficiência física que possuo. Tive poliomelite, fiz várias cirurgias. Tudo foi gerando um certo medo. Um conjunto de coisas.
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Daniela Aragão: Não acho que o peso maior de fato se deva a um comprometimento físico, mas a coragem de arriscar uma vida incerta. Os horários complicados, o ritmo de tocar na noite.
Paulo Girão: É verdade. A Alcione por exemplo cantou numa boate no subsolo da Galeria Alasca no tempo em que ela tocava Piston. Imagina uma mulher e um policial, uma pessoa começou a agredi-la. E ela revidou, resultado, foram ela e o cara parar na delegacia que ficava em frente da galeria Alasca. Então as pessoas passavam por isso. Hoje a Alcione é um mito, mas ela passou por isso.
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Daniela Aragão: Você acabou exercendo o ofício de professor de música. Uma experiência certamente muito enriquecedora
Paulo Girão: Tenho o maior orgulho de ter sido professor, hoje estou aposentado.

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Daniela Aragão – foto: acervo pessoal

** Daniela Aragão (1975) é doutora em literatura brasileira pela Puc-Rio, cantora e pesquisadora musical. Há mais de duas décadas desenvolve trabalhos sobre a história do cancioneiro brasileiro, com trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Gravou em 2005 o disco “Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso”. Há mais de uma década realiza entrevistas com músicos de Juiz de Fora e de estatura nacional. Entre os entrevistados estão: Sergio Ricardo, Roberto Menescal, Joyce Moreno, Delia Fischer, Márcio Hallack, Estevão Teixeira, Cristovão Bastos, Robertinho Silva, Alexandre Raine, Guinga, Angela Rô Rô, Lucina, Turíbio Santos… Seu livro recém lançado “De Conversa em Conversa” reúne uma série de crônicas publicadas em jornais e revistas (Cataguases, AcheiUSA, Suplemento Minas, O dia, Revista Revestrés, Cronópios…) ao longo de quinze anos . Os textos de Daniela Aragão são reconhecidos no meio musical devido a sua considerável marca autoral e singularidade, cuja autora analisa minuciosamente e com lirismo obras de compositores e cantores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Rita lee. O livro possui a orelha escrita pelo poeta Geraldo Carneiro, prefácio do pesquisador musical e professor da Puc-Rio Júlio Diniz, contracapa da cantora e compositora Joyce Moreno e do pianista e arranjador Cristovão Bastos. Irá lançar em 2022 seu livro “São Mateus – num tempo de delicadezas”.  Colunista da Revista Prosa, Verso e Arte. #* Biografia completa AQUI!
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