Uma conversa entre dois titãs da poesia que já não estão mais conosco. No dia 27 de setembro de 1987, O GLOBO publicou uma entrevista com o pernambucano João Cabral de Melo Neto feita pelo maranhense Ferreira Gullar. Na época, João Cabral, então com 67 anos, tinha acabado de terminar um livro, “Crime na Calle Relator”, que seria lançado três meses depois. Gullar, que contava 56 anos, era um admirador do autor de “Morte e Vida Severina”. Para celebrar o poeta nascido em Recife, que estaria completando cem anos nesta quinta-feira, o Blog do Acervo resgatou a conversa, durante a qual João Cabral falou sobre a vida de diplomata (“não tinha vocação pra ganhar dinheiro, a solução era virar funcionário público”), o período trabalhando na imprensa (“Até gostei de ser jornalista, mas não podia viver com aquele salário”) e seus sentimentos conflitantes em relação à poesia (“Se um sujeito quiser me ofender é se dirigir a mim me chamando de poeta”). Leia abaixo a entrevista e veja fotos de arquivo do autor pernambucano.

FERREIRA GULLAR ENTREVISTA JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Já bastante aliviado da dor de cabeça que o castiga há 50 anos, João Cabral de Melo Neto, embaixador em fim de carreira, está de volta definitivamente ao Brasil. Dentro de três anos se aposentará e assim, querendo ou não, embora diga que poesia é coisa de jovem, não terá talvez mais outra ocupação na vida senão o seu labor de poeta. Submetido a duas operações seguidas, na cidade do Porto, em Portugal, onde servia até então, João Cabral escapou por pouco da morte no último mês de abril. Recuperado, passou a limpo seu último livro de poemas e o entregou à editora (Nova Fronteira). Trata-se de um livro de poemas “narrativos”, ao qual, segundo ele, “a imprensa está dando importância demais”.

revistaprosaversoearte.com - Entrevista com João Cabral de Melo Neto realizada por Ferreira Gullar: 'Não me considero um poeta brasileiro'
O poeta pernambucano em imagem de 1984 . foto: acervo pessoal

Ferreira Gullar — E como se chama o livro, João?

João Cabral — “Crime na Calle Relator”, que é o nome de um dos poemas.

FG — Você sabe que ano passado eu publiquei um livro chamado “Crime na Flora”?

JC — Ih, rapaz! Vai ver que ficou no meu subconsciente!

FG — É, mas não tem uma coisa a ver com outra. Aliás, ao reler seus poemas agora, descobri que, no final do Poema Sujo, usei uma metáfora que é igual à de um poema seu, comparando folhas de livro com folhas de árvore. Não me lembro se conhecia o poema mas a verdade é que…

JC — Esse negócio de plágio é coisa do século XIX, antes não havia isso.

FG — Surgiu com o individualismo exacerbado do regime burguês.

JC — É um reflexo do conceito capitalista de propriedade privada.

FG — Como a mania da originalidade. É como se cada assaltante tivesse que ser o inventor do assalto a mão armada (riem). E por falar nisso, você disse numa entrevista recente que, se não fosse a poesia de Drummond, você não se teria tornado poeta. Como foi isso?

JC — No Recife, com 18, 19 anos, eu era amigo de Willy Lewin, que me emprestou um exemplar de “Brejo das Almas”, de Drummond. Até aí eu só conhecia a poesia de Schmidt, Bandeira. Mas foi a dicção áspera de Drummond que me mostrou uma poesia sem aquela oratória escorregadia que me irritava. Percebi então que era possível eu também fazer poesia.

FG — A poesia que você toleraria fazer…

JC — A poesia que eu era capaz de fazer. “Perdi o bonde e a esperança/Volto pálido para casa”. Isso eu sentia que era capaz de fazer. E você sabe que a minha poesia até hoje é gagá, mesmo metrificada é gagá. Quando digo que meus versos são metrificados, os sujeitos que entendem de metrificação ficam espantadíssimos. É que eu tenho mau ouvido.

FG — Nesse período inicial, você sofreu também a influência de Murilo Mendes, não?

JC — É, mas sob outro aspecto. Era a coisa da imagem. “A mulher do fim do mundo/dá de beber às fiores”.

FG — “Alguém transporta Sirius de um lado para o outro”,..

JC — Murilo tinha aquele lado plástico, e repare que às vezes ele terminava o poema com uma frase conceitual e com isso desequilibrava o poema.

FG — O conceitual, que terminou predominando na fase final da poesia dele, em detrimento das imagens plásticas.

JC — Exatamente. Enfim, na minha poesia, quem terminou predominando foi Drummond, não foi Murilo.

FG — O teu segundo livro versa um poema de Drummond e, no terceiro, “O Engenheiro”, já é vazado numa linguagem clara e objetiva; “O engenheiro sonha coisas claras”. Você quer espantar a noite, a subjetividade.

JC — Aí é outra influência que eu tive, A de Le Corbusier, Eu me dava com um grupo de arquitetos que tinham lido as teorias dele. Achei aquilo um negócio fantástico. Foi Le Corbusier que me curou do surrealismo. Ele gostava era do cubismo.

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João Cabral de Melo Neto ao ser empossado na Academia Brasileira de Letras, em 1969 . foto: arquivo Agência O GLOBO

FG — Realmente, tua poesia daquela época lembra a arquitetura diurna, clara, de Le Corbusier.

JC — Antônio Cândido viu isso muito bem. Escreveu um artigo sobre meu primeiro livro (“Pedra dó Sono”) dizendo que não se tratava de um livro surrealista mas cubista. E isso sem me conhecer, sem nunca ter falado comigo.

FG — Bem, O poeta João Cabral nasceu assim. E o diplomata?

JC — Isso é coisa mais prosaica… Como não tinha vocação pra ganhar dinheiro, a solução era virar funcionário público. Eu me lembro que o Múcio Leão, que era fiscal de consumo…

FG — O fiscal de consumo era o “marajá” daquela época…

CC — Exatamente. Então, Múcio Leão queria que eu fizesse concurso para fiscal de consumo. Não topei. Por que ser fiscal de consumo no interior de Mato Grosso podendo ser vice-cônsul em Cádiz? Fiz o concurso do Itamaraty, passei e não fiquei devendo nada a ninguém. A profissão de diplomata me oferecia lazer para eu escrever minha poesia.

FG — No total, você ficou quantos anos fora do Brasil?

JC — De abril de 47 a 87 são 40 anos. Menos cinco que passei no Brasil, dá 35 anos.

FG — Um dos períodos que você passou no Brasil foi forçado, não? Fizeram uma denúncia macartista contra você.

JC — Foi na verdade a calhordice de um colega do Itamaraty. São águas passadas, eu tinha trinta anos.

FG — Foi quando eu te conheci. Você morava na Rua Farani, e eu fui lá te visitar.

JC — Exato. Aí fiquei em disponibilidade e trabalhei na “Última Hora” e num jornal de Joel Silveira.

FG — “A Vanguarda”.

JC — Fui secretário de Redação. Até gostei de ser jornalista, mas não podia viver com aquele salário. Quando o processo foi arquivado, fui para o Recife e fiquei lá um ano às custas de meu pai. Aí virei outra vez o poeta pernambucano que eu sou. Que eu não me considero um poeta brasileiro.

FG — Ah, é? E por quê?

JC — Veja: tirando “Morte e Vida Severina”, “O Rio” e “Dois Parlamentos” — que são poemas longos — mais da metade de meus versos é de tema pernambucano, compreende? Como uma outra parte de minha poesia é de tema espanhol, a conclusão é que eu não sou poeta brasileiro, não é? (risos). É um negócio impressionante, nunca pensei que tivesse escrito tanto sobre Pernambuco.

FG — Quando estava no exílio, escrevi um pequeno ensaio sobre Augusto dos Anjos, e no final desse ensaio falo sobre você. E comparando você com o “poeta da morte” (risos), chego à conclusão de que você também é um poeta da morte. Eu contei a quantidade de poemas que você escreveu sobre enterro, cova, defunto, cemitério… Só na Terceira Feira!…(Riem).

JC — (rindo) Sabe que nesse novo livro que vai sair conto… aliás, eu já disse a você que os poemas desse livro são histórias. Conto um fato ocorrido com um grande psiquiatra espanhol… Como sou um sujeito angustiado, em todo país que chego arranjo um psiquiatra…

FG — O psiquiatra de plantão….

JC — É, de plantão. Ele leu meus poemas e me perguntou: por que o senhor fala tanto da morte? Respondi: doutor, eu não falo da morte, falo da morte social.

FG — Da morte dos outros!

JC — (rindo) Ele me disse: isso é engano. É um exorcisma. Você tem pavor da sua morte. Fala da morte dos outros porque tem medo da sua.

FG — Não me pretendo psicanalista, mas a verdade é que essa sua linguagem descarnada, óssea, mineral, de tua poesia é de certo modo uma defesa: você elimina o orgânico, que morre, em busca de algo permanente.

JC — É verdade. Por exemplo, a minha preocupação com a pedra. A pedra é pra mim a coisa permanente. Uma das obsessões que eu tenho é com o fluir do tempo. Quando o cara pensa na idade que tem, percebe que não fez nada, que já passou uma parte enorme de sua vida.

FG — Já que a gente entrou nesse assunto, acho que enquanto a maioria das pessoas foge desse problema, a morte, os poetas trabalham lá nessa fronteira, no corpo a corpo com ela. Cada um à sua maneira, claro. A mim, por exemplo, me impressiona o fato de que isto aqui não é teatro. No teatro quem morre não morre. No final, acende a luz e era tudo brincadeira. Vamos tomar um chope? Mas na vida não. Não acende a luz da platéia, não tem platéia. Quem morreu morreu mesmo, e tudo é irreversível.

JC — Não sei se você tem essa experiência. Eu tenho às vezes um sonho muito desagradável mas tão desagradável que, de repente, é como se eu parasse dentro do sonho e dissesse: “não, isso não é possível, é um sonho” — e aí acordo. O negócio terrível da morte é que Vai chegar um dia em que a gente está morrendo e diz: “isso não é a morte, não, isso é sonho”. E não é sonho não (os dois riem).

FG — Agora me diz uma coisa. Você nunca teve vergonha de ser poeta não?

JC — Tive e tenho ainda. Nunca andei num bonde ou num ônibus com um livro de poesia lendo. Quando pego um livro de poesia, ponho o título escondido, assim, ó, debaixo do braço, pra ninguém ver (risos). A coisa que eu detesto é quando um sujeito me escreve e põe no envelope: poeta João Cabral de Melo Neto. Eu fico na maior irritação. Quando eu estou na embaixada ou num consulado qualquer, e vem um contínuo com a minha correspondência — aquelas cartas subscritas com a palavra “poeta” — então eu sinto da parte do contínuo uma certa ironia. Se um sujeito quiser me ofender é se dirigir a mim me chamando de poeta. Até prefiro que me chamem de embaixador.

FG — Ofende menos (risos).

JC — Uma vez, aliás, isso provocou o maior mal-entendido. Fui a Campina Grande participar de um debate, e as pessoas que faziam perguntas me chamavam de poeta. Aí, eu falei: me chama de tudo, me chama de João, pode até me chamar de embaixador mas não me chama de poeta não… Agora, você sabe o que
saiu no jornal? Que eu exigi ser tratado como embaixador.

FG — É que uma parte da imprensa hoje só vive de intrigas.

JC — Você sabe donde vem essa vergonha de ser poeta? Eu tinha vergonha porque, em São Luís — não nas altas rodas, onde ser poeta era importante — mas na área da molecagem onde me criei, com “Espírito da Garagem da Bosta”, “Esmagado”, “Come Cabelo e Abacate”, lá poeta era sinônimo de bicha.

JC — Não sei se você conhece esta história de Vinícius. Ele me contou que, quando começou a escrever poesia, ele era muito moço, e tinha um grupo de amigos em Copacabana. Vinícius, quando moço, era metido a atleta, fazia ginástica na praia, e a turma dele era meio boçal, gente que só pensava em musculatura. Um dia um dos caras chamou Vinícius para “um particular”. Vinícius foi, e o cara: “Estão dizendo por aí que você é poeta, isso é verdade?”. Vinícius, vendo que ia se desmoralizar completamente, negou: “Não, é um cara que tem o mesmo nome que eu. Não tenho nada com isso”.

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João Cabral descansa em rede na cidade de Marselha, na França, nos anos 50 . foto: acervo pessoal

FG — Mas a verdade, João, é que você hoje é um dos escritores mais respeitados do Brasil.

JC — Isso é porque eu vivi muito tempo fora.

FG — Nada disso. O Drummond nunca saiu daqui e era também uma pessoa admirada e querida. Poeta vira mito mesmo. Me lembro que o Zé Rubem da Fonseca me disse uma vez: “O cara pode escrever romance, contos, não acontece nada. Mas o poeta vira mito”.

JC — Isso é que é muito engraçado, porque o que faz a literatura é o romance. Economicamente, essa máquina que é a literatura se apoia no romance, que é o que realmente vende. A poesia é um troço quase marginal à própria literatura

FG — Eu, se fosse viver de meus direitos autorais, estava morando na favela do Para-Pedro.

JC — Agora, ao mesmo tempo, não sei se é porque existe na poesia alguma coisa de laboratório. Como se a literatura fosse uma fábrica que produz romances, contos, ensaios, mas tem um laboratório onde se faz pesquisa para todas essas coisas — é a poesia. É a única explicação que encontro.

FG — Tem outra também. Pode ser pelo fato de que o poeta é mais personagem que autor.

JC — Não sei. Mas veja um poeta que não era personagem e que você acabou de citar aí, o Carlos Drummond.

FG — Quem disse que ele não era personagem? O grande poeta da “pedra-no-meio-do-caminho”, o homem seco, tímido, caladão, inabordável. Criaram-se lendas em torno de Drummond… Você, por exemplo, que nunca fala “eu”, só fala “ele”. Mas isso não impede que você seja o autor desses poemas. E quanto mais você fala “ele”, mais o pessoal quer conhecer o “eu” que está por trás desse “ele” (risos). Você é um mito no Brasil, rapaz!

JC — E porque eu não vivo aqui.

FG — Não é por isso não. É por sua poesia mesmo.

JC — Bem, você deve reconhecer que eu não fiz nada para isso.

FG — Claro. Você só fez os poemas. O seu delito foi esse (os dois riem). Quer dizer: você não fez nada e fez tudo… Agora, eu vou dizer um troço sobre tua poesia que é coisa de um fervoroso admirador. Só não diria que fui teu discípulo pra você não se sentir ofendido. Mas a verdade é que tua poesia sempre provocou minha reflexão. Vejo que você faz uma poesia sem retórica, que evita o improviso e a espontaneidade. Isso para impedir que tua fala se dissolva na fluência fácil do verso. Pois bem, apesar disso, na “Educação pela Pedra”, esse esforço para ser antiliterário, antilírico, dá um resultado até certo ponto oposto: nesse livro você é mais literário que nunca.

JC — Por quê?

FG — Porque ali a busca dessa dificuldade é de tal ordem que, para impedir que a linguagem flua, você a entorta, a anzola, que ela fica barroca, fica uma coisa quase gongórica. É aquilo: “Era del año la estación florida/quando el mentido roubador de Europa… (riem os dois),

JC — “…que a hora em campo de safira…

FG — “pasce estrellas”… Veja bem: estou fazendo uma observação de admirador.

JC — Eu sei.

FG — Mas acho que isso é uma necessidade de tua poesia. Acho que a grandeza dela está nessa busca permanente, na luta com esse problema a cada verso.

JC — Você que convive muito com pintores, artistas plásticos, sabe que eles, quando se encontram, falam de seu trabalho, que no armazém tal tem tal tipo de tela, tal tipo de tinta. Já os poetas, quando se encontram, falam de quê? Ou da existência de Deus ou da salvação do mundo! Não falam de coisas concretas. E não são só os poetas, os romancistas também. Ao passo que eu acho que, se toda arte precisa de uma técnica, isso é o que importa, porque sua capacidade de fazer ou não, isso você não adquire: nasce com você ou não nasce… Agora, sobre isso que você falou de “Educação pela Pedra”, eu sei muito bem que não tenho aquele dom para fazer uma poesia fluente. O tipo de poesia que sou capaz de fazer é aquele do primeiro Carlos Drummond e até hoje eu mantenho isso. Agora, como com a idade você vai se acostumando, eu sempre tive medo de cair no discurso, no nerudismo.

FG — Nisso você não caiu.

JC — E por que eu não caí? Porque evitei a facilidade. Percebi que o verso de sete sílabas é o mais fácil para todos nós ibéricos. Já para os franceses é o verso de oito sílabas, que para nós é um verso duro. Então, nos últimos anos eu só fiz versos de oito sílabas para evitar cair nessa fluência. Eu me lembro que, no ginásio, eu não suportava os versos de dez sílabas. Achava muito chato. Quando escrevi “Educação pela Pedra” quis fazer um verso mais amplo que o de oito sílabas, mas que não fosse decassílabo.

FG — Isso é verdade, os versos desses poemas são de nove, onze, doze, treze sílabas, mas nunca de dez. Eu contei.

JC — Houve sujeitos, que têm ouvido não sei como, que acharam versos de dez sílabas no poema. Mas se acharam foi contra a minha vontade.

FG — Ou o ouvido deles entortou… (risos) O que eu percebo é que nesse livro você leva a tal nível de exasperação essa busca da antifluência que até a escolha de cada palavra visa a isso. Por essa razão, trata-se de um livro laborioso e elaborado, onde nada é previsível. O que, por outro lado, torna também a leitura incômoda, difícil. Mas isso é um resultado que você buscou deliberadamente.

JC — Uma vez eu disse em tom de blague que nenhum escritor deve escrever depois dos 45 anos.

FG — Você disse há pouco tempo que a poesia é coisa de jovem.

JC — (rindo) Aquele livro, eu fiz força para acabá-lo nas vésperas de
completar 46 anos. Avisei meu chefe na embaixada que durante seis meses ia faltar pela manhã para terminar o livro. Ele é inteiramente planejado, calculdo, porque eu sabia que depois dos 45 anos não ia ter mais forças físicas para elaborar um troço daquela maneira… É uma trabalheira. E não gosto nem de passar meus poemas a limpo porque sinto necessidade de mexer em tudo. Provas de livro então, prefiro não ver, porque senão vou dar enorme prejuízo para o editor. Um poema é uma coisa interminável.

FG — Você tem o propósito de não se valer do acaso, não é verdade?

JC — É, e tenho a impressão de que, tanto quanto possível, modéstia, à parte, eu consegui. O meu poema nasce assim… Eu digo: isso dá um bom poema… Não tem esse negócio, de que o primeiro verso é dado ao poeta, como dizia Rilke. Já Valéry dizia que o difícil não era a primeira palavra, mas a segunda. Mas eu cheguei ao extremo de que não me é dada nem a primeira palavra. Só me é dado o assunto. A partir daí, começo á elaborar.

FG — Uma última pergunta. Você diz que escreve sem emoção. Não vou discutir isso agora. Mas acredito que você, quando escreve, pretende provocar no leitor alguma coisa, pretende comovê-lo ou não? Claro que comover não significa fazer chorar, soluçar, etc. Significa provocar um frisson, um choque, algo que não deixa o leitor indiferente. Ou estou equivocado?

JC — Não, você está certo. Eu quero atingir o leitor de algum modo.

*Originalmente publicado em O Globo.







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