COLUNISTAS

Entrevista com a cantora Jane Duboc, por Daniela Aragão

Jane Duboc paraense de Belém. Cantora, compositora e instrumentista, se destacou tanto na música quanto nos esportes durante a infância. Começou a se firmar no mercado musical nos anos 1970, tendo feito trabalhos ao lado de nomes como Raul Seixas e Erlon Chaves. Em 1980, gravou seu primeiro álbum, com destaque para canções como “Cachoeira”, “Manoel, o Audaz” e “Meu Homem”, de sua autoria. Construiu uma sólida carreira tanto no mercado nacional quanto internacional.
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Daniela Aragão: Como começou a música na sua vida?
Jane Duboc: Começou muito cedo, tanto a família de minha mãe, Duboc, quanto a família de meu pai que é Moreira. As duas famílias são assim, impressionantemente musicais. Todo mundo tocava violão, piano, cantava, tocava bateria e meu pai tinha um trio amador e eu ouvia aquele trio tocando lá em casa. Minha mãe era fanática pela Ella Fitzgerald, meu pai pelas bandas de jazz. Então eu cresci num ambiente muito musical. Tocavam chorinho, samba, jazz, música erudita, era uma soma de sons lá em casa. Eu aceitava tudo isso e gostava de todos os gêneros musicais. Eu respeitava cada trio, ali é o chorinho, aquele outro samba, o outro música erudita. Era uma loucura, a gente ouvia música direto e todas as atrações eu passavam pela  na cidade terminavam na minha casa numa grande festa. Tocavam também atrações internacionais. Minha mãe era professora de línguas e sempre se aproximava. Eu ficava ouvindo e percebendo como a música unia as pessoas. Fantástico a música unir pessoas de regiões e estados diferentes e todo mundo alegre, feliz, sorrindo para o outro. Eu então cresci ouvindo essas rodas de samba, de chorinho, improvisações. Como não gostar de música?
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Daniela Aragão: E música de altíssima qualidade. Voce já cantava alguma coisa?
Jane Duboc: Desde cedo eu comecei a estudar piano e violão no conservatório. quando tinha arranjo vocal eu pegava as vozes, assim como faz hoje o meu neto. Já cantora eu fazia apresentações aqui e acolá e  sentia uma alegria muito grande em poder fazer música.

Daniela Aragão: Você foi para os Estados Unidos com dezessete anos e pelo esporte como jogadora de vôlei
Jane Duboc: Eu joguei muito vôlei pelo estado do Pará, primeiro pela escola que estudei, era uma escola de freiras e na minha época de moça só tinham meninas. Naquela época era assim e os meninos vinham ensaiar no desfile de 5 de setembro eu antecedia a data oficial, eram os gigantes da pátria. Todas as meninas levantavam a saia, punham laço de fita, um pouco de batom. Era muito gostoso e a gente jogava voleibol pelas escolas, nos jogos paraenses Ginásios Colegiais exibiam as campeãs e me convidaram para defender o Pará.  Foram três campeonatos nacionais. Nos Estados Unidos eu defendi Columbia Sociology University e fui muito feliz. A gente viajou muito, eu tinha bolsa no exterior e não pagava nada. Era maravilhoso.
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Daniela Aragão: Lá você teve a oportunidade de dar um up grade na sua musicalidade?
Jane Duboc: Sim, principalmente nessa área da cantoria porque eu cantava muito Bossa Nova, cantava os Beatles, cantava jazz um pouco. Lá eu enveredei pela área do erudito, fiz três anos de canto lírico.

Daniela Aragão: Voce poderia falar um pouco dessa incursão no canto lírico visto eu você é uma cantora que vai da Bossa Nova, passa pelo Jazz, flerta e arrasa com o rock progressivo e navega na grande canção brasileira.
Jane Duboc: Eu estudei canto lírico e a professora Maureen Rosenbauw, a mais maravilhosa da minha vida, me mostrou  muita coisa eu não sabia e nem entendia tipo sustentar a nota muito tempo, vibrato eu você controla e divide do jeito eu você bem entender. Ela me ensinou controle de respiração, relaxamento da parte superior. Isso tudo com a pare de você localizar nota e tudo mais. Ela abriu um leque muito grande, por exemplo Manuel de Falla, espanhol. Schumann, aquela coisa romântica. Por aí vai, quantos caminhos totalmente diferentes, da Alemanha, da Espanha, Inglaterra, eu não ouvia esse tipo de música. A gente tocava piano, Bach, Beethoven, mas o canto eu não ouvia, não estava acostumada a ouvir. Quando entrei fiquei fascinada, mas ao mesmo tempo eu preferi ir pelo pop jazz, no terceiro ano acabei desistindo por que exige muito. Você tem que ter uma vida muito focada, só dedicada ao canto, muito cuidado e muito estudo. Tem cantoras líricas incríveis como Jessye Norman, não pode ar condicionado, gelado e sempre o auxílio de algo protegendo o pescoço, um cachecol. E muito nessa função da dificuldade eu se tem para fazer os exercícios. Quem vai ver acha que é fácil, mas não é. O canto lírico é uma coisa muito linda mas exige muita dedicação.

Jane Duboc – foto: Murilo Alvesso.

Daniela Aragão: E um trabalho devocional pelo que você conta. Tem gente eu passou pelo canto lírico e não quis por não ter identidade. Você gostou do canto lírico, ele te tocou pela beleza, mas a exigência é extrema. Me lembro de uma fala semelhante a sua vinda da Joyce quando lhe perguntaram o motivo de ter abandonado o violão clássico. Joyce falou eu na ocasião que estudava com Jodacil Damaceno ela tinha apenas dezessete anos e para encarar o violão clássico teria eu abandonar a praia, namoro e tudo mais para se dedicar ao violão.
Jane Duboc: Joyce é maravilhosa, canta divinamente, compõe divinamente, adoro a Joyce. É verdade, naquele tempo Rio de Janeiro, praia, namoro. O que você falou é muito sério, a identidade com o estilo. A Joyce é da bossa nova, do samba canção, do samba jazz. Eu gosto de jazz, eu adoro jazz, mas também gosto de outros estilos. Cada um tem uma verdade e mexe com algumas coisas no seu coração. A gente não é uma coisa só.  Certo dia eu estava vendo aquele filme “A primeira noite de um homem” com o Dustin Hoffman, tem a música do Paul Simon e eu não tinha antes prestado atenção. Eu era jovem naquela época e achava bonitinho e pensei agora que música bonita. Depois que a gente ouve muitas coisas começa a fazer a triagem. O que é belo? O que é difícil? Não.

Daniela Aragão: Voce é uma cantora refinadíssima que passeia por repertórios, divisões. Voce fez um disco com Egberto Gismont e ao mesmo tempo transitou pelo rock progressivo no álbum eu te rendeu um premio.
Jane Duboc: Eu topo qualquer parada. As pessoas não entendem como eu num dia você grava Jerry Adriani e no outro está com Hermeto Paschoal. Eu não entendo é essa pessoa, eu sou amiga de qualquer pessoa, pode ser pobre, pode ser rica, posso ser amiga de uma pessoa amarela do Japão, posso ser amiga de uma criança, de uma velha. E a música exige mais sensibilidade na vida e respeito. Você vai começar a torcer o nariz para o estilo tal, isso não presta, é subjetivo esse negócio. Você pode achar eu não gosta, mas se você for num lugar para dançar você vai dançar o que? A hora de você ouvir um jazz, Coltrane por exemplo é um momento em eu você deve ficar em casa, sem nenhuma confusão, se não, não dá certo. Deixa eu mergulhar nesse mundo vasto dos compositores, mas pra você se divertir tem umas letras como as do Tim Maia que são ótimas para jogar na cara dos outros: o que eu quero é sossego.
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Daniela Aragão: Tem a adequaçao ao momento. Cada momento chama um tipo de música e ficar monocórdico só querendo um gênero de música é limitador. De qualquer maneira é uma raridade pois você não perde a sua identidade, uando você vai para o jazz é de uma beleza ímpar.
Jane Duboc: Eu gosto de música. Meu pai era médico e muita gente ia lá em casa, um estava com uma verruga ele ia e tirava. Ele era cirurgião da parte do abdomem,  mas servia a outros casos. Uma criança ia lá, ou seja é uma beleza como ele servia. Especialidade de que? Vai pra guerra, quero ver sua especialidade. Então existe hoje uma coisa eu qualquer um é medico, qualquer um faz harmonização facial. Vai numa pessoa na área odontológica implantar não sei o que não sei aonde. Esse tipo de mentalidade, essa vaidade que não é legal, na música também tem . essa afetação. As pessoas acham que são superiores pela música tal, tua música é a tua música, não tem essa de ser melhor ou pior, é apenas uma música com aquelas notas modificadas. Uma vai com uma roupinha melhor, a outra vai de short. É a vestimenta eu você coloca e a partir do momento que você imprime  tudo que você colocou no seu coração quando você vai fazer a sua parte na profissão. Lógico que isso vai aparecer. Tudo o eu você já leu, tudo o que você já observou, você vai fazer uma crônica tá cheio de você ali. Pode ser simples, tem poema de Drummond que é simples, no entanto tem uma profundidade, uma beleza. Na verdade qualquer profissão, meu pai que era cirurgião e atendeu a minha prima eu sofreu desastre de carro e se cortou toda. Um cara eu era estudante começou a costurar, aí liguei para o hospital, pra vizinha. Meu pai chegou lá, tirou tudo, refez todo o rosto cortado de vidro  com o maior carinho. Essa coisa de ter preconceito eu não admito.

Daniela Aragão: Ainda tem o tempo, pois o tempo modifica as coisas, o olhar
Jane Duboc: Exatamente, como te falei do filme “A primeira noite de um homem” e o tempo modificou o meu olhar. Quando eu fiz o Movie Melods com as canções de cinema eu estava tomando um remédio e aí fui pra trás da memória afetiva da família e as músicas de cinema. Depois fui verificando que essas melodias muito ricas de muita emoção, de muitas histórias, eram do cinema. Aí eu comecei a ouvir e pensei, vou fazer um show simples, só tecladista foram 2 músicos e eu. Tiramos o chão, pois essas músicas são muito conhecidas de se tirar a marcação. Deixei a melodia voar. Nós esperávamos ficar duas semaninhas e ficou um tempão. Aí foi feito o disco, o Jorge Gambra chorava, chorava, aí ele se emocionava com as histórias da época da Noviça Rebelde e o do agora, como você se transformou. E você vai lá pra trás quando se tinha um tipo de sentimento e visão do mundo e volta para o agora. Eu disse gente que coisa legal essa indução pelo remédio que eu tomei, coisas que dão certo. Amo viajar nessa coisa de cinema.
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Daniela Aragão: É tão bonita a sua versão de Moon River que ganha uma leitura bem diferente. É como você falou “tirar o chão para a música flutuar”. A gente cria o nosso próprio imaginário.
Jane Duboc: Impossível você não se lembrar da Audrey Hepburn, é a mulher mais fina do universo. Se colocar um saco de lixo ela fica finíssima. Ela tem partitura, dignidade. Eu gostava muito dela e ia a todos os seus filmes. Vinha uma carga muito grande de emoção quando eu cantava Moon River. Eu viajava na melodia que foi feita para esse local. É muito bonito ver um compositor conversando sobre a cena com o cara da música. Aquele filme “O avatar” tem o diretor conversando com o cara da música e disse: – Espera aí, a gente está conversando com gente de outro planeta, que tipo de música rola lá? O que eles têm lá para produzirem som? Uma atitude muito séria que as vezes passa sem perceber. Teve o Quincy Jones conversando sobre aquele filme maravilhoso “A cor púrpura”.

Daniela Aragão: E seu lado da composição?
Jane Duboc: Eu faço música nem tanto quanto gostaria. Nessa pandemia em que estou isolada escrevo, toco quando sobra uma panela limpa pra tocar. Tenho mais tempo, não tenho que pegar o avião, ir para o estúdio, então eu faço mais música.
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Daniela Aragão: Eu estava ouvindo seu violão cheio de swing no show do Sesc.
Jane Duboc: A gente tem que estudar. Eu aprendi violão com muita gente. Meu primeiro professor fera era lá no Rio Grande do Norte, ele é o Américo de Hollanda.
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Daniela Aragão: Você pretende voltar com o Bacamarte?
Jane Duboc: A gente tem feito shows, o último show que a gente fez foi no teatro em Niterói. Lotou porque o povo adora rock progressivo. A gente fez SESC em Campinas. Aquele Festival lá no São Bento do Sul. O festival internacional. Dá até medo pois é aquela multidão e eu já sou uma senhora, já fui muito doida com cabelo verde, roupa de cobra. Pintava a cara, mas hoje sou uma velhinha toda normalzinha. Aí acaba o show e aqueles caras cheio de piercing e um monte de tatuagens me abraçam. Eu gosto mas não tenho mais a atitude que já tive na vida, quando a gente tem pouca idade vem a rebeldia que não tem jeito. Você quer se transformar todo, mas eu nunca fui de droga. Imagina na época do Woodstock, todo mundo lá e eu em Atlanta Festival, o pessoal pelado, fumando maconha, tomando LSD. Quando EUA ia fazer show, eu tinha aquela atitude mais jovem, perdi. As coisas mudam e eu estou mudando sempre. Você pode mudar o que pensa, mas em questão de atitude lambuzar a cara, pintar o cabelo, roupa doida. Eu mandava fazer uns sapatos de pele de cabra que ninguém tinha.

Jane Duboc – foto: Murilo Alvesso

Daniela: Eu sei que você escreve, uma coisa que eu também faço.
Jane: Eu gosto de escrever principalmente para criança. Eu fiz algumas peças musicais que adoro. Eu adoro criança, desde que fui criança adoro criança. Quando eu tinha doze anos as crianças menores fugiam e iam lá pra casa. Estou morando num prédio em que fiquei velha e as crianças vêm para cá. “Oi Jane, vamos brincar?”, muito neto traz os amigos e as crianças não querem ir embora. Dou uma liberdade grande, as crianças ficam aqui em casa e fazem bagunça. E eu também costumo ouvir as crianças, às vezes a criança tem vergonha de falar comigo.
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Daniela: Você é aquela que entra no mundo da criança.
Jane: As coisas que eles curtem e vão contando, contando eu escuto, eu gosto de criança. Eu até bolei um projeto agora que o Fernando Cardoso está dirigindo e organizando. Na produção conta com o Jimar Lobo, na sonoplastia com Alexandre Nadal, ilustrador que ensina as crianças a desenhar. Eu conto uma estória com bichinhos e quando a gente acaba aí eles vão aprender a desenhar personagens. Tem música bem barulhenta, nessa fase inicial a criança se expressa muito através do desenho. Primeira infância de dois a sete anos, a criança vai dizer o que achou da estorinha. E a gente fala e o gato queria dizer pro macaco, a mensagem é sutil e falada de uma forma bem lúdica. A gente fala sobre a diferença, sustentabilidade, são estorinhas que eu gostaria de ter ouvido quando criança.Apresentamos uma peça nos Cieps e as crianças curtiram muito. Escrevi o Jeguinho que é de um burrico e que tem uma estrela na testa. Um jegue que se parece com um coelhinho. Tem também a estória dos insetos, uns que são bons e outros que não são. Alguns insetos são horríveis como o gafanhoto, que destrói a plantação, tem a barata, as minhocas. Tem a Tainá, que é uma Tanajura. O Piri, que é o Prilampo. Tem uma estória recente que é O Infante, um elefante príncipe. Tem Lolita que é uma cachorrinha que canta Fado, ela ensina os donos. A Berenice, que é um hipopótamo que dança, faz balé.
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Daniela: É linda e inesquecível a sua gravação de Valsa dos Clows.
Jane:  Acredito que esse disco seja um dos mais bonitos, arranjos do Chiquinho de Moraes, canções belíssimas, letras belíssimas. Era uma época em que o pessoal de estúdio gravava bem. Tinha cordas, muito bonito ter visto isso. Era ser humano tocando.
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>> Mais sobre JANE DUBOCSite | @janedubocoficial
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