Edward Frenkel, um dos maiores matemáticos da atualidade, lamenta que as escolas continuem ensinando a disciplina como se a Terra fosse plana. O autor de “Amor e Matemática“, um bestseller nos Estados Unidos, defende que é urgente uma revolução no ensino. O matemático russo, atualmente vive nos Estados Unidos, corre o mundo para revelar como a Matemática está invadindo as nossas vidas e está por trás de tudo. Até da crise econômica.

Entrevista concedida ao jornal português Expresso á Joana Pereira Bastos

Muitas pessoas, de diferentes gerações, dizem que odeiam matemática. Por que razão acha que isso acontece?
Muita gente tem uma relação traumática com a Matemática. Uma das razões tem a ver com o fato de o ensino da Matemática, tal como é feito na grande maioria das escolas, dar demasiado ênfase à resposta. Em vez de se encorajar os nossos alunos a serem curiosos e a procurarem a resposta, nós exigimos que eles a deem. O ensino baseia-se quase exclusivamente em testes e em ver em quem é mais rápido a encontrar a resposta. E muitos sentem-se embaraçados e inferiores porque não conseguem fazê-lo. Essa dor fica. Até podem depois não se lembrar do incidente concreto, mas o trauma ficou lá. Por outro lado, a escola não expõe os alunos à verdadeira beleza da matemática.

Por quê?
A maioria dos conteúdos que são ensinados nas aulas de matemática têm mais de mil anos e isso é verdadeiramente escandaloso e seria impensável numa aula de Ciências. Era o mesmo que continuarmos a ensinar às crianças que a Terra é plana ou que é o Sol que gira à volta dela. Obviamente esses conteúdos foram atualizados. Nas aulas de Literatura passa-se o mesmo. Os alunos não leem apenas Homero, apesar de Homero ser muito importante para a Literatura ocidental. Também leem literatura mais moderna. Então por que razão nas aulas de Geometria só se ensina Euclides, que tem 2300 anos? Não faz sentido. Continuamos a repetir fórmulas antigas, sem estabelecer nenhuma ponte com o mundo atual.

Para a maioria das pessoas, a Matemática parece demasiado abstrata, sem aplicação prática…
Porque infelizmente são ensinadas dessa forma. Mas toda a tecnologia que está cada vez mais presente nas nossas vidas — computadores, internet, smartphones, videojogos… — tudo isso se baseia na Matemática. Por trás de todas as redes sociais ou dos sites que fazem vendas online estão algoritmos muito sofisticados. É como se fossemos escravos desses algoritmos. Por isso, é fundamental que os compreendamos para não sermos manipulados por eles.

O que tem então de mudar no ensino?
É preciso uma revolução. Temos de preservar o sentido de mistério e de descoberta que existe na Matemática e apresentá-la às crianças quase como um romance policial.

E tem de haver paixão por parte dos professores. Eles próprios têm de amar a Matemática. Além disso, é fundamental mudar o currículo, para incluir conteúdos mais modernos e relacioná-los com o mundo real.

O que pode dizer para fazer a Matemática mais atraente e apelativa?
Em primeiro lugar, esqueçam tudo o que aprenderam na escola sobre Matemática. Quase tudo o que nos disseram é mentira. Não é Matemática. Imaginem uma disciplina de Arte em que apenas se ensina como pintar paredes e onde nunca se fala dos grandes mestres como Picasso, nem se incentivam os alunos a ir ver museus. Claro que às crianças vão odiar e achar que é muito chato. Mas na verdade o que eles estão odiando é a pintura de paredes, não a arte. É o que acontece com a Matemática. 99% das pessoas estão privadas de mil anos de conhecimento essencial e isso é dramático. Neste momento, querer aprender matemática não é uma questão de escolha. É uma questão de necessidade porque a Matemática está, literalmente, a invadir as nossas vidas e nós colocamo-nos em risco ao sermos ignorantes.

Em que sentido?
A matemática é muito poderosa, mas esse poder pode ser usado para maus fins. Um bom exemplo é a crise econômica. Os modelos matemáticos fazem parte da calamidade que aconteceu. A culpa não é dos modelos em si, mas das pessoas que os usaram mal. Nos mercados financeiros e em Wall Street usaram sistematicamente modelos matemáticos desadequados porque não quiseram saber do risco, nem se interessaram em perceber verdadeiramente como é que esses modelos funcionam. Os banqueiros e o mundo financeiro exploraram a nossa ignorância em relação à Matemática. Bastaria um conhecimento rudimentar de Matemática para perceber que o esquema do Madoff era uma fraude. Mas ninguém questionou porque há uma ignorância geral. As pessoas não sabem e, pior do que isso, têm medo de perguntar. O mesmo está a acontecer em relação à tecnologia. E o perigo é ainda maior. Estamos perdendo a nossa Humanidade porque não percebemos como a tecnologia funciona e como podemos ficar viciados nela.

Está preocupado com o futuro?
Muito preocupado, mas não apenas com o futuro. Estou preocupado com o presente. Está em curso uma reestruturação profunda do mundo e da forma como interagimos uns com os outros e com a tecnologia e preocupa-me que as pessoas não estejam prestando atenção ao que está acontecendo. A Amazon, por exemplo, faz-nos recomendações de livros e as pessoas seguem-nas, sem questionar. Não percebem que por trás disso há algoritmos que podem ser manipulados, tanto por questões financeiras, porque há empresas que pagam para os seus livros serem recomendados e para outros não aparecerem, como por razões políticas, ideológicas, para que sejam divulgadas certas ideias e não outras. Eu adoro a tecnologia desde que esteja ao serviço da Humanidade. Mas torna-se perigosa quando está sendo usada de forma a reduzir as nossas interações humanas. Por exemplo, num futuro próximo, os drones vão usar um programa de reconhecimento facial para matar pessoas que foram identificadas como alvos. Muitos cientistas proeminentes defendem que esses sistemas sejam abolidos, mas eles continuam a ser desenvolvidos. É extraordinariamente perigoso porque todos os algoritmos podem ser manipulados. Se alguém substituir a lista de alvos por outra, pode fazê-lo. Já não é só ficção científica, é uma coisa que pode mesmo acontecer dentro de poucos anos. E, na minha opinião, a única forma de o impedirmos é despertarmos todos para esta nova realidade e passarmos a compreendê-la melhor. E isso passa pela Matemática.

Os computadores conseguirão substituir-nos em quase tudo?
O responsável pela investigação e desenvolvimento da Inteligência Artificial na Google, Raymond Kurzweil, disse publicamente que em 2045 todos vamos poder fazer upload dos nossos cérebros para a cloud. Ele vive obcecado com essa ideia e tem todos os recursos da Google à disposição para trabalhar nisso e ninguém o confronta, ninguém sequer questiona. Mas isso é uma falácia. Um cérebro não é só um conjunto de neurônios. Há uma energia que está em movimento, não está localizada num ponto. Não é possível agarrar um humano e transformá-lo numa máquina. É como tentar captar a essência de um ser humano através de uma fotografia. Até mesmo na Matemática, há um elemento de imprevisibilidade, de espontaneidade, de pureza que transcende qualquer computador. Nenhuma descoberta matemática assenta apenas no pensamento racional. Há sempre uma outra parte — podemos chamar-lhe inspiração, insight, intuição, instinto que só existe em nós e que nenhuma máquina poderá reproduzir.

Fonte: Expresso

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