Darcy Ribeiro
Eros e Tânatos – a poesia de Darcy Ribeiro (Rio, Ed. Record, 1998) reúne poemas que são bem descritos pelo título. São meditações recorrentes e infatigáveis sobre amor, sexo e morte, escritas por um sujeito de imensa vitalidade, que, aos 70 anos e no meio da queda-de-braço final com o câncer, sabia que estava com os dias contados. (E não sabemos disso, nós todos? Não, não sabemos.) A parte erótica tem a euforia desbragada e rabelaisiana de um Henry Miller, a celebração do sexo como prazer animal, gozo físico, seja ou não temperado pelo afeto. A alegria de viver no sentido mais biológico do termo, elevada ao quadrado como reação aos violentos golpes da doença e da velhice, em versos bem-humorados de sexo explícito que infelizmente não tenho espaço para reproduzir aqui. E a morte, algo que o autor reconhece como fatalidade científica, mas com a qual não se conforma: “Hoje fiz 70 anos. Quisera 700”. “Acho que sei, afinal, a que vim / e já me vou”.
Amor
Quero um amor alucinado, depravado, tarado.
Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados.
Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante.
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Quero você assim, abrasada, pedindo gozo,
Eriçada, ronronando feito gata, tesuda.
Seus seios túmidos, me furando o peito.
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Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes.
Carne encravada na carne. Bocas coladas,
Babadas, meladas, sangrando sufocadas.
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Quero amar você tão bichalmente que urremos.
Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa.
Nós dois fundidos, unidos, soldados.
Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
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§
Aquela
Minha amada é de carne, de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.
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Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.
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Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
de sugar, de espremer, de comer.
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Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
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§
A indesejada
Aí estão eles, os da terceira idade.
Gregários, vivem aos bandos.
Sentados, jogando cartas, andando devagar.
Conversando pretéritos assuntos.
Olhando tristes os outros viverem.
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Antigamente, todos seriam avós, vovozinhos.
Hoje, são sogros, os chatos dos sogros.
Uns são viúvos, outros largados, poucos.
Muitos deles, os mais, ainda casados.
As mulheres duram demais.
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Órfãos de seus filhos, ocupadíssimos.
Não reclamam, resmungam disfarçados.
Estão todos aflitos, na espera
Da indesejada, que tarda.
Tarda, é certo, mas virá. Inexorável.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
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§
Idos sidos
Que é que fiz, não fiz, de mim?
Que é que fiz na vida, da vida?
Quem sou eu? Esse eu que me sou.
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Minhas mãos me pendem soltas.
Inúteis para fazimentos.
Só servem para escrever, acarinhar.
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Não sei dançar, nunca soube.
Olho, idiota, o céu estrelado.
Não conheço estrela nenhuma.
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As árvores, tantíssimas, que vi.,
Recordo inumeráveis, enormíssimas,
Não sei quem são.
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Diante das flores me extasio.
Tolo, só reconheço rosas, orquídeas, cravos.
A música clássica me atordoa, cansa.
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Quem sou eu, septuagenário,
Que esgoto meu tempo de me ser aqui?
Insciente, perplexo, inexplicado.
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Só cheio de saudades de mim.
De tantos eus que fui. Sidos. Idos.
Somos descartáveis, sei, mas dói.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
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§
Lassa
Tesão — força que move a vida.
Na plenitude, é felicidade pura.
Na carência, é dor que dói.
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Ó gozo de ver, admirar, acariciando.
Ò gozo de abraçar, beijar, bolinando
Ó supremo gozo de meter, possuir, penetrando,
na divina convulsão rítmica do coito.
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Ficar lá dentro abismado, apertado.
Sentindo o grelo tremer de gozo.
O sacro canal melar, enlanguescer.
Vendo você se aquietar, lassa.
Tudo, afinal, uma tremura arrepiada.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
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§
Mim
O tempo transcorre em mim
Celeremente. Tão afoito que finda.
Acho que sei, afinal, a que vim.
E já me vou. Uma pena.
Não há tempo mais pra mim.
Volto à silente matéria cósmica
Que em mim, um dia, se organizou
Para me ser. Uma vez, uma vez somente.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
§
Fagulhas de memória
O cacho de bananas amarelíssimas, que meu avô tirou do armário preto de papéis cartoriais.
A velha naturalista estrangeira, meio surda, se fazendo carregar pelos índios, de aldeia em aldeia.
Uma légua de piranhas mortas, dourando a baía ao amanhecer
de não mais ser, nem estar, jamais aí.
Vocês todos vivendo, seus filhos da puta. Só eu não.
– Darcy Ribeiro, no livro “Eros e tanatos”. [ilustrações Mello Menezes; posfácio Moacry Félix]. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
:: Darcy Ribeiro – um homem de fazimentos
:: Darcy Ribeiro (O cientista) – entrevistado por Clarice Lispector
:: Darcy Ribeiro – discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL)
:: “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil” – Darcy Ribeiro
:: Darcy Ribeiro – poemas
:: Fala aos moços – Darcy Ribeiro
:: ‘Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e lutando…’ – Darcy Ribeiro
:: Anísio Teixeira, por Darcy Ribeiro
:: ‘A Amazônia, seus povos e a devastação’, um ensaio essencial de Darcy Ribeiro
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