sábado, julho 27, 2024

‘Conversa telefônica’, uma crônica fabulosa de Clarice Lispector

Uma grande amiga minha se deu ao trabalho de ir anotando numa folha de papel o que eu lhe dizia numa conversa telefônica.

Deu-me depois a folha e eu me estranhei, reconhecendo-me ao mesmo tempo. Estava escrito: “Eu às vezes tenho a sensação de que estou procurando às cegas uma coisa; eu quero continuar, eu me sinto obrigada a continuar.

Sinto até uma certa coragem de fazê-lo. O meu temor é de que seja tudo muito novo para mim, que eu talvez possa encontrar o que não quero.

Essa coragem eu teria, mas o preço é muito alto, o preço é muito caro, e eu estou cansada. Sempre paguei e de repente não quero mais.

Sinto que tenho que ir para um lado ou para outro. Ou para uma desistência: levar uma vida mais humilde de espírito, ou então não sei em que ramo a desistência, não sei em que lugar encontrar a tarefa, a doçura, a coisa.

Estou viciada em viver nessa extrema intensidade.

A hora de escrever é o reflexo de uma situação toda minha. É quando sinto o maior desamparo.”

— Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

SOBRE O LIVRO revistaprosaversoearte.com - 'Conversa telefônica', uma crônica fabulosa de Clarice Lispector
As crônicas de Clarice Lispector publicadas no Jornal do Brasil de 1967 a 1973 nos permitem compreender melhor a escritura desta que se consagrou como uma das maiores escritoras do Brasil. Se nos contos e romances o mistério de uma narrativa envolve o leitor num processo quase que iniciático, nas crônicas esse mistério vai aos poucos sendo desvendado, revelando o mundo pessoal e subjetivo da autora enigmática que viveu no Leme, próximo às areias e ao mar de Copacabana, que tanto apreciava.
Ao aceitar o convite do JB para escrever uma coluna aos sábados, Clarice Lispector sente a estranheza entre ser escritora e jornalista: “Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna, estou de algum modo me dando a conhecer”, comenta na crônica de 21 de setembro de 1968.
Gênero leve, ameno, de leitura mais fácil, a crônica traz quase sempre a interpretação de um fato conhecido por todos, investido pela subjetividade de quem comenta o assunto, dando um sabor novo ao acontecido. Com a sua despretensão, a crônica quebra o monumental, o extraordinário, celebrando o cotidiano, o dia a dia e mostra belezas insuspeitáveis através da argúcia, da graça, do humor de quem a escreve. A informalidade investe de leveza uma linguagem cuja densidade busca revelar o segredo das coisas mais simples, o cotidiano transfigurado pelo olhar de Clarice, que redescobre nas Macabéas de todo dia a luminosidade de uma presença estelar. Entre flanelas e vassouras, mulheres simples e humildes se transformam em personagens que se eternizam. Aninha, Jandira, Ivone ou Aparecida são algumas dessas estrelas que saem de suas vidas apagadas para serem reveladas pelo olhar atento e sensível, onde escapa, por vezes, um leve e sorrateiro toque de humor, como no caso da empregada que fazia análise, ou da “mineira calada”, que gostava de ler livros complicados.
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FICHA TÉCNICA
Título: A descoberta do mundo
Páginas: 624
Formato: 21 x 14 x 3.8 cm
Acabamento: Livro brochura
Lançamento: 10/7/2020 (1ª edição)
ISBN: 978-6555320299
Selo: Rocco
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