Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
.
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
.
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
.
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo …
e vivo escolhendo o dia inteiro!
.
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O santo no monte
No monte,
o Santo
em seu manto,
sorria tanto!

Sorria para uma fonte
que havia no alto do monte
e também porque defronte
se via o sol no horizonte.

No monte
o Santo
em seu manto
chora tanto!

Chora – pois não há mais fonte,
e agora há um moro defronte
que já não deixa do monte
ver o sol nem o horizonte.

No monte
o Santo
em seu manto
chora tanto!

(Duro
muro
escuro!)
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Para ir à Lua
Enquanto não têm foguetes
para ir à Lua
os meninos deslizam de patinete
pelas calçadas da rua.

Vão cegos de velocidade:
mesmo que quebrem o nariz,
que grande felicidade!
Ser veloz é ser feliz.

Ah! se pudessem ser anjos
de longas asas!
Mas são apenas marmanjos.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O lagarto medroso
O lagarto parece uma folha
verde e amarela.
E reside entre as folhas, o tanque
e a escada de pedra.
De repente sai da folhagem,
depressa, depressa
olha o sol, mira as nuvens e corre
por cima da pedra.
Bebe o sol, bebe o dia parado,
sua forma tão quieta,
não se sabe se é bicho, se é folha
caída na pedra.
Quando alguém se aproxima,

— oh! Que sombra é aquela? —
o lagarto logo se esconde
entre folhas e pedra.

Mas, no abrigo, levanta a cabeça
assustada e esperta:
que gigantes são esses que passam
pela escada de pedra?
Assim vive, cheio de medo,
intimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam)
entre as folhas, o tanque e a pedra.

Cuidadoso e curioso,
o lagarto observa.
E não vê que os gigantes sorriem
para ele, da pedra.
Assim vive, cheio de medo,
intimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam)
entre as folhas, o tanque e a pedra.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

A chácara do Chico Bolacha
Na chácara do Chico Bolacha
o que se procura
nunca se acha!

Quando chove muito,
O Chico brinca de barco,
porque a chácara vira charco.

Quando não chove nada,
Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.

Por isso, com Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha.

Dizem que a chácara do Chico
só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.

Outras coisas, ninguém procura,
porque não acha.
Coitado do Chico Bolacha!
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Pregão do vendedor de lima
Lima rima
pela rama
lima rima
pelo aroma.

O rumo é que leva o remo.
O remo é que leva a rima.

O ramo é que leva o aroma
porém o aroma é da lima.

É da lima o aroma
a aromar?

É da lima-lima
lima da limeira
do auro da lima
o aroma de ouro
do ar!
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Lua depois da chuva
Olha a chuva:
molha a luva.

Cada gota de água
Como um bago de uva.

A chuva lava a rua.
A viúva leva
o guarda-chuva
e a luva.

Olha a chuva:
molha a luva
e o guarda-chuva
da viúva.

Vai a chuva
e chega a lua:
lua de chuva.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

A Pombinha da Mata
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

“Eu acho que ela está com fome”,
disse o primeiro,
“e não tem nada para comer.”

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.

“Eu acho que ela ficou presa”,
disse o segundo,
“e não sabe como fugir.”

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

“Eu acho que ela está com saudade”,
disse o terceiro,
“e com certeza vai morrer.”
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O passarinho do sapé
P tem papo
o P tem pé.
É o P que pia?

(Piu!)

Quem é?
O P não pia:
O P não é.
O P só tem papo
e pé.

Será o sapo?
O sapo não é.

(Piu!)

que fez seu ninho
no sapé.

Pio com papo.
Pio com pé.
Piu-piu-piu:
Passarinho.

Passarinho
no sapé.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

A folha na festa
Esta flor
não é da floresta.

Esta flor é da festa,
esta é a flor da giesta.

É a festa da flor
e a flor está na festa.

(E esta folha?
Que folha é esta?)

Esta folha não é da floresta.

Esta folha não é da giesta.

Não é folha da flor.
Mas está na festa.

Na festa da flor
na flor da giesta.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Uma flor quebrada
A raiz era escrava,
descabelada negrinha
que dia e noite ia e vinha
e para a flor trabalhava.

E a árvore foi tão bela!
Como um palácio. E o vento
pediu um casamento
a grande flor amarela.

Mas a festa foi breve,
pois era um vento tão forte
que em vez de amor trouxe morte
à airosa flor tão leve.

E a raiz suspirava
com muito sentimento.
Seu trabalho onde estava?
Todo perdido com o vento.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O violão e o vilão
Havia a viola da vila.
A viola e o violão.

Do vilão era a viola.
E da Olívia o violão.

O violão da Olívia dava
vida à vila, à vila dela.

O violão duvidava
da vida, da viola e dela.

Não vive Olívia na vila.
Na vila nem na viola.
O vilão levou-lhe a vida,
levando o violão dela.

No vale, a vila de Olívia
vela a vida
no seu violão vivida
e por um vilão levada.

Vida de Olívia — levada
por um vilão violento.
Violeta violada
pela viola do vento.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Canção da flor da pimenta
A flor da pimenta é uma pequena estrela,
fina e branca,
a flor da pimenta.

Frutinhas de fogo vêm depois da festa
das estrelas.
Frutinhas de fogo.

Uns coraçõezinhos roxas, áureos, rubras,
muito ardentes.
Uns coraçõezinhos.

E as pequenas flores tão sem firmamento
jazem longe.
As pequenas flores…

Mudaram-se em farpas, sementes de fogo
tão pungentes!
Mudaram-se em farpas.

Novas se abrirão,
leves,
brancas,
puras,
deste fogo,
muitas estrelinhas…
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O tempo do temporal
O tempo
do temporal.
O tempo ao tempo
ao ar
e ao pó
do temporal.
E o doente ao pé do templo.
E o temporal no poente.
E o pó no doente.

O tempo do doente.

O ar, o pó do poente.
O temporal do tempo.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

A avó do menino
A avó
vive só.
Na casa da avó
o galo liró
faz “cocorocó!”
A avó bate pão-de-ló
e anda um vento-t-o-tó
na cortina de filó.

A avó
vive só.
Mas se o neto meninó
mas se o neto Ricardó
mas se o neto travessó
vai à casa da avó,
os dois jogam dominó.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O último andar
No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.

O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.

Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar.
É lá que eu quero morar.

Quando faz lua, no terraço
fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.

Os passarinhos lá se escondem,
para ninguém os maltratar:
no último andar.

De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:

no último andar.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O eco
O menino pergunta ao eco
onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: “Onde? Onde?”

O menino também lhe pede:
“Eco, vem passear comigo!”

Mas não sabe se o eco é amigo
ou inimigo.

Pois só lhe ouve dizer:
“Migo!”
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

O mosquito escreve
O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.
Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.

E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

A bailarina
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta bem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Bolhas
Olha a bolha d’água
no galho!
Olha o orvalho!

Olha a bolha de vinho
na rolha!
Olha a bolha!

Olha a bolha na mão
Que trabalha!

Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha.
Olha a bolha!

Olha a bolha
que molha
a mão do menino:

A bolha da chuva da calha!
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

§

Pescaria
Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.
– Cecília Meireles, no livro “Ou isto ou aquilo”.  [ilustrações de Fernando Correia Dias]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; FNDE/MEC, 1990.

revistaprosaversoearte.com - Cecília Meireles - poesia para crianças
Ou isto ou Aquilo, de Cecília Meireles, Ilustrações Fernanda Correia Dias

Editora da autora Cecília Meireles
Global Editora

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