terça-feira, maio 13, 2025

‘Banho de floresta’: como passar mais tempo na natureza pode ajudar a curar a solidão

Atividades em grupo ao ar livre ajudam a criar sentimento de pertencimento e afastam pensamentos negativos. Terapia para a saúde mental e conexão com a natureza – Banho de Floresta
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De Julia Hotz | BBC Future
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Kye Aziz nunca se considerou um amante da natureza. Solicitante de asilo vindo da Indonésia e atualmente morando em Melbourne, na Austrália, ele já tinha passado bastante tempo no interior e em regiões montanhosas.
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Mas foi só depois de participar de um piquenique e uma atividade de jardinagem – prescritos como parte de um tratamento social – que ele passou a ver a natureza de um outro jeito.

“Você sente como se tivesse sido transportado para outro lugar”, conta Aziz. “Morar na Austrália e viver a cultura ocidental pode ser algo muito solitário e individualista, mas quando estou sentado ao ar livre, rindo com os outros, me sinto em casa.”
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Existe uma ciência por trás dessa sensação. Nos anos 80, como parte de uma estratégia de saúde pública para ajudar trabalhadores urbanos estressados a se curar por meio da natureza, o governo japonês investiu em uma campanha chamada “shinrinyoku”, ou banho de floresta.
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Inicialmente, “era uma sensação, e não uma ciência”, diz Qing Li, médico e professor clínica da Escola de Medicina de Nippon, em Tóquio.

Mas nas últimas décadas, Li e outros pesquisadores descobriram que o banho de floresta está associado à redução da pressão arterial, à estabilização do sistema nervoso, redução de hormônios do estresse, fortalecimento da imunidade e redução da ansiedade, depressão, raiva e fadiga.
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O naturalista Edward Wilson costumava dizer que esses benefícios são resultado da “biofilia”, um amor inato pela natureza que explica nossa tendência natural de interagir com plantas, animais e outros humanos.
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Ao nos deixar mais calmos e presentes, a natureza pode nos ajudar a superar padrões de pensamentos autodestrutivos que podem aumentar a solidão – uma experiência subjetiva, não um estado objetivo.

Estudos já haviam indicado que o contato com a natureza reduz a atividade neural no córtex pré-frontal subgenual, uma área do cérebro ligada à ruminação – padrões de pensamentos negativos e repetitivos associados à solidão.
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Agora, os primeiros resultados de um experimento inédito de prescrição social baseada na natureza – com alcance global, que vai do Equador à Austrália – sugerem que passar tempo com outras pessoas ao ar livre pode mudar drasticamente a forma como vemos a nossa saúde, cuidados médicos e a solidão.

“Quando as pessoas estão ao ar livre, elas falam sobre estarem relaxadas, longe de tudo, e como aquilo faz com que elas se sintam bem”, afirma Jill Litt, pesquisadora em estudos ambientais e saúde pública da Universidade do Colorado Boulder, nos Estados Unidos.
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“A natureza tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam prontas para mudanças, mais vulneráveis e abertas a novas experiências.”

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“A natureza tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam prontas para mudanças, mais vulneráveis e abertas a novas experiências.” | BBC

Um experimento global inédito de combate à solidão

Em 2019, pouco antes da pandemia de Covid-19 tornar a solidão um problema de saúde global, Litt teve um palpite sobre uma possível solução.
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Enquanto observava os benefícios da jardinagem comunitária para a saúde, ela percebeu como “sujar as mãos e estar com outras pessoas parecia importante”.
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Litt começou a pensar em outras atividades em grupo baseadas na natureza, como observação de pássaros e caminhadas em trilhas.
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E após ler um artigo coescrito por Laura Coll-Planas, médica e pesquisadora de saúde pública na Universidade de Vic- Universidade Central na Catalunha, em Barcelona, ela se questionou sobre o potencial dessas atividades para combater a solidão.
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“O que aconteceria se nós misturássemos esses três ingredientes: envolvimento com a natureza, participação em atividades ao ar livre e conexão social com um grupo?”
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Foi assim que nasceu o Recetas, uma investigação de cinco anos, envolvendo seis países, sobre a prescrição social baseada na natureza como uma forma de aliviar solidão, melhorar a saúde, e reduzir a pressão sobre os sistemas de saúde. O estudo tem a participação de pesquisadores em Barcelona, Praga, Marselha, Helsinki, Melbourne e Cuenca (no Equador).
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Agora, no quarto ano da pesquisa, o Recetas já está em fase de testes e conta com o apoio de sistemas de saúde locais.

“Se for bem-sucedido, esse estudo pode mudar o modelo de cuidado, tornando-o mais centrado nas pessoas, com menos dependência de medicamentos, e utilizando as comunidades como parte ativa na gestão da saúde”, pontua Litt, que lidera o grupo junto à Coll-Planas.
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O Recetas se baseia em dois conjuntos de evidências crescentes: que diversos tipos de prescrições sociais, desde aulas de culinária até oficinas de artes, podem diminuir a sensação de solidão, e que o contato com a natureza traz inúmeros benefícios para saúde.
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Um estudo recente da Universidade de Exeter, no Reino Unido, por exemplo, mostrou que prescrições naturais não apenas aumentam significativamente a felicidade dos participantes e a satisfação com a vida, mas também ajudaram a reduzir os custos com cuidados médicos.

Já as análises de pesquisadores na Austrália mostraram que esse tipo de prescrição também contribui para reduzir da pressão arterial.
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Mas o Recetas é um dos maiores estudos a focar, especificamente, nos efeitos das prescrições sociais baseadas na natureza sobre a solidão.
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“No mundo acelerado que vivemos, estar duas horas frente a frente com outras pessoas é revolucionário e poderoso para nossa saúde”, afirma Coll-Planas.
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“Mas esta é a primeira vez que nós estamos fazendo esse tipo de pesquisa ao ar livre, e nós já vimos a forma como a natureza traz um tipo diferente de conexão social.”
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Alguns desses efeitos parecem até programados. Um estudo mostrou que pessoas que vivem próximas a áreas verdes relatam menos episódios de solidão. Por outro lado, pessoas vivendo em ambientes “solitários”, marcados por fatores como dependência de carros e pouca vegetação, tendem a reduzir conexões sociais.

Outra perspectiva sugere que a natureza restaura nossa atenção. Nesse sentido, ambientes naturais podem nos preparar para ter mais interações sociais positivas no presente, em vez de nos prender a interações negativas do passado.
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“Algumas pessoas nos dizem que elas se sentem muito bem quando estão ao ar livre, mas quando voltam para a casa, elas voltam ao estado negativo que sentiam”, explica Coll-Planas.

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“Nós temos visto pessoas falando sobre a natureza de uma forma nostálgica, que as remete à infância, ou o tempo com os avós, ou outras memórias positivas”, diz Litt.

Boas memórias e sensação de pertencimento

Além disso, os pesquisadores concordam que a natureza tem um papel poderoso em nos conectar com memórias afetivas.
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“Nós temos visto pessoas falando sobre a natureza de uma forma nostálgica, que as remete à infância, ou o tempo com os avós, ou outras memórias positivas, diz Litt.
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Esse é justamente o objetivo do Nerkez Opacin, pesquisador do Instituto de Tecnologia da Royal Melbourne, na Austrália, que trabalha com uma organização não-governamental parceira do Recetas, Many Coloured Sky, que atende solicitantes de asilo da comunidade LGBTQIA+.
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“Com frequência, a natureza desperta nostalgia e memórias bonitas de casa, e mesmo que muitos dos nossos participantes tenham fugido de seus países, a natureza o faz lembrá-los de um tempo em que eles se sentiam seguros lá”, ele diz. “É sempre um sentimento positivo.”
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Diante dos desafios enfrentados por pessoas LGBTQIA+ que buscam asilo e refúgio na Austrália, Opacin afirma que seu foco é promover “atividades divertidas na natureza” e ajudar as pessoas a sentirem pertencentes “não apenas a um grupo, mas a sua nova casa.”
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Durante oito semanas, essas atividades incluíram observação de morcegos, exploração na praia, e algo chamado “sniff-fari” – uma caminhada na natureza “onde nós saímos para sentir os cheiros das plantas”, explica.

Para planejar essas atividades, Opacin segue a lógica de co-criação – se baseando nos interesses dos participantes, assim como nos recursos disponíveis no local. Às vezes, a natureza tem um papel mais passivo , como em atividades em que o grupo apenas compartilha uma refeição ao ar livre.
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“Inicialmente, isso não era parte da intervenção, mas compartilhar uma refeição se mostrou ser não apenas atrativo para nossos participantes encherem a barriga antes de começarem a explorar a natureza, mas também uma forma de puxar uma conversa, falar sobre diferentes culturas e entender melhor uns aos outros”, diz Opacin.
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Embora o objetivo do Recetas seja ajudar a reduzir a solidão, Opacin diz que falar sobre isso pode ser um desafio. “Nós tentamos não insistir demais uma vez que as pessoas ficam muito emocionadas se você fala de solidão o tempo inteiro, então em vez disso, nós falamos sobre conexões, encontrar amigos, e o que significa se sentir pertencente a um lugar”, ele explica.
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Isso tem sido útil para Aziz. Mais do que qualquer amizade individual, ele diz ter se conectado a um grupo como todo, e encontrado o conforto e a familiaridade que ele sentia em seu país. “Quando a atividade em grupo estava chegando ao fim, eu percebi o quanto eu ia sentir falta daquela rotina, de ver as mesmas pessoas toda semana, passar um tempo na natureza e sentir aquela sensação de pertencimento”, afirma. “Isso meio que matou minha solidão.”


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