Vinte anos após sua estreia fonográfica com o aclamado “Ouro e Sol”, Lui Coimbra lança RODA_FLOR, com distribuição da Biscoito Fino. Novo disco do cantor e violoncelista apresenta um país belo e diverso, que brota teimoso em explosão de cores e afetos. Trabalho, que tem participação especial de Zeca Baleiro e Naná Vasconcelos (In Memoriam), está disponível em todos os aplicativos música.
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LUI COIMBRA PLANTA CORES NO SOLO BRASILEIRO DE “RODA_FLOR
Por Leonardo Lichote*
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De sua perspectiva urbana e litorânea, o carioca Lui Coimbra sabe olhar para dentro do Brasil — e entender os ritos, a lógica, o tempo que rege esse terreno vasto. Conhece a ciência de chegar, que Caetano Veloso resumiu como “sempre pedir licença mas nunca deixar de entrar”. É exatamente dotado dessa sabedoria que Lui abre seu novo álbum, “RODA_FLOR”, com a canção “Dona tá Reclamando” (Dominguinhos Minguinho). Seus primeiros versos, “Dona tá reclamando / Porque nós tamo chegando agora / Eu acho impossível, dona / Sempre se chegar na hora”. É assim que tem início o giro das pétalas que compõem o colorido do disco, passando por Marisa Monte, Zeca Baleiro, Naná Vasconcelos, Mario Quintana, Villa-Lobos e Ferreira Gullar.
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Ao ritmo do boi do Maranhão, “Dona tá Reclamando” traz a consciência poética do real, crua e delicada como a música de Lui e dá o recado para quem acha que demorou muito entre seu primeiro e incensado disco solo “OURO e SOL” e este “RODA_FLOR”: a hora de chegar é a hora que se chega. Em sua afirmação de um país belo e profundo, o novo álbum se apresenta em diálogo preciso com este 2023, sem atraso ou adianto.

“Dona tá Reclamando” está comigo há muito tempo no repertório dos meus shows. Conheci quando tocava com a Orquestra Popular de Câmara — conta o músico, citando um dos muitos trabalhos de uma carreira de bem-sucedida como instrumentista, que inclui show e gravações com Caetano, Wagner Tiso, Zeca Baleiro, Ana Carolina, Ney Matogrosso, Zizi Possi, Alceu Valença, entre tantos outros.
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Na atual gravação de “Dona tá Reclamando”, Lui canta e toca violoncelo, violão, piano, teclados e percussão.
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— São sons de um Brasil profundo, mas visto pela minha lente, de um cara urbano, do Rio, contemporâneo — aponta Lui, numa definição que pode se expandir para todo o álbum.
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É um universo similar ao que se materializa em “A Ciranda Rodava o Mundo” (poema de Mario Quintana musicado por Lui). Aqui a sonoridade é ainda mais ampla, com os timbres eletrônicos dos teclados e samplers cruzando-se à caixa de Marcos Suzano, ao contrabaixo de Pedro Aune e ao violoncelo do anfitrião. Os versos do poeta imaginam uma ciranda (música-dança) que determina os movimentos do mundo, entrelaçando em sua fabulação homem e natureza, mito e cotidiano — terreno da arte de Lui.
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Com versos de outro poeta (o português Tiago Torres da Silva) também musicados por Lui, “Seguir o Fado” narra a saga da existência, do nascimento à morte, com as paixões no caminho. A continuidade, enfim, do destino — ou fado, como diz a canção. O bandolim de acento luso de Sergio Chiavazzoli pontua a gravação, que ganha densidade com a participação da Orquestra de Cordas de São Petersburgo.

Construída apenas na voz e no lindo desenho do violoncelo de Lui, a clássica “Melodia Sentimental” (Heitor Villa-Lobos / Dora Vasconcelos) soa — numa inversão da síntese exposta anteriormente — refinamento de chão de terra batida em sala de concerto. Mágica e interiorana, sertaneja e universal.
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Após a pungência da noite de Villa, “Tá Caindo Flor”, que Lui escreveu a partir de um refrão popular, sonha com a alegria de uma chuva de flores sobre um batuque de maracatu. A rabeca de Beto Lemos se harmoniza pernambucanamente e sem fronteiras aos teclados e programações de Lui, à percussão de Suzano, às guitarras de Chiavazzoli e ao contrabaixo de Aune. Como benção a todos, ouve-se a caixa tocada por Naná Vasconcelos — a quem a faixa é dedicada.
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— Tinha essa caixa gravada de um outro projeto que fizemos juntos — conta Lui, que teve um duo com Naná por dez anos, até sua morte, em 2016. — Toquei com ele em seu último show. Naná tinha que estar no disco, comecei a pensar o que viria a ser o “RODA_FLOR” antes de ele partir.
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A alegria segue no divertido samba “Companheiro Fiel — O Gatinho”, que também nasce de um poema, desta vez de Ferreira Gullar. Os versos dedicados ao gato do poeta soam leves no dueto de Lui com Baleiro. A canção traz, no contexto reduzido de um apartamento, o olhar terno sobre o cotidiano e a intimidade que atravessa muitas faixas de “RODA_FLOR“, desde o nome.

Samba enredo no qual cabem a batucada nervosa (de Suzano), ponteios de samba rural nas violas e graves eletrônicos (de Lui) e cavaquinhos e guitarras (de Tuca Alves), “Graça” é brinquedo poético e filosófico. A canção, escrita por Lui, tem versos como: “Graça, gracinha, gracejo, gratidão / A graça é o olhar de quem ama / A cama do vento é o mar / Se o olho do gênio é a ama / De deus o que é que será?”.
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Dedicada a Hilda Hilst (outra poeta celebrada no disco), “Valsa Para a Senhora D” (Lui Coimbra / Zeca Baleiro) se ergue errática e bela como o pensamento de seu eu-lírico. A flor aqui roda noutra direção: “Flor despetalada e sem dono / O amor, um cravo no meu coração”.
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“Quanto Tanto (Canção da Lua Cheia)”, de Lui, retoma o olhar para o astro que ilumina a noite de “Melodia Sentimental”. A moringa e a percussão de Edu Szajnbrum — ao lado do violão, violoncelo, teclados e programações de Lui — preparam o solo para os versos sobre a mecânica mística e amorosa do mundo.
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Outras lendas lunares são evocadas em “Avalon”: Lui está sozinho na composição e na gravação, um seresteiro solitário eletrônico, multiplicando-se em violões, teclados e samplers, num arranjo que dialoga com a tradição do rock progressivo mateiro brasileiro, resgatando a tradição dos poetas do sereno, ou serenateiros, “um bardo, um honrado, ser-rei” que cantam para suas amadas sob o manto de prata das noites imemoriais.

RODA_FLOR desagua, por fim, em “O Rio” (Marisa Monte / Seu Jorge / Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes), em arranjo minimalista de violão e charango andino que ressalta a poética da canção que nos lembra que a ciência, assim como a natureza, deve ser observada em tempos incertos. Ponto de chegada que é memória e futuro, o rio da canção traz uma metáfora do fluxo da vida cujo leito corta todo o álbum. “Lembra, meu filho, passou, passará / Essa certeza a ciência nos dá / Que vai chover quando o sol se cansar / Para que flores não faltem / Para que flores não faltem jamais”, encerra a letra, plantando as cores da terra que Lui imagina e realiza em música.
* Leonardo Lichote (Jornalista, crítico musical e curador artístico)
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“Tá caindo flor
Lá do céu, cá na terra
Tá caindo flor
Cai do céu, cai na terra
Tá caindo flor”

revistaprosaversoearte.com - 'Roda_Flor', segundo álbum solo do cantor e violoncelista Lui Coimbra
Capa do álbum Roda_Flor • Lui Coimbra | Arte: ©Rafael Grecco | Foto: ©Leo Aversa

DISCO ‘RODA_FLOR’ • Lui Coimbra • Selo Biscoito Fino e Aquarela Carioca • 2023
Músicas/compositores
1. Dona tá reclamando (Dominguinhos Minguinho)
2. A ciranda rodava o mundo (Poema de Mario Quintana / Música de Lui Coimbra)
3. Seguir o fado (Lui Coimbra e Tiago Torres da Silva)
4. Melodia sentimental (Heitor Villa Lobos e Dora Vasconcelos)
5. Tá caindo flor (Lui Coimbra, sobre refrão de domínio público) / Dedicada a Naná Vasconcelos
6. Companheiro fiel – o gatinho (Poema de Ferreira Gullar / Música de Lui Coimbra
7. Graça (Lui Coimbra)
8. Valsa para a senhora D (Lui Coimbra e Zeca Baleiro) / Dedicada a Hilda Hilst
9. Quanto tanto “Canção da lua cheia” (Lui Coimbra)
10. Avalon (Lui Coimbra)
11. O rio (Marisa Monte, Seu Jorge, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes)
– ficha técnica –
Faixa 1: Lui Coimbra: voz, violoncelo, violão, piano, teclado e percussão || Faixa 2: Lui Coimbra: voz, cello, violões, teclados e samplers | Marcos Suzano: caixa | Pedro Aune: contrabaixo | Coro ‘Tá Caindo Flor’  Fernando Neder, Clara Neder, Diana Cordeiro, Hanna Lima, Ananda Fabres, Lea Fabres, Jorge Cardozo, Celly Freitas, Luciana Meirelles, Thomaz Meirelles e Bianca Leão || Faixa 3: Lui Coimbra: voz, violões, violoncelo solo, arranjo de cordas e percussão | Sergio Chiavazzoli: bandolim | Pedro Aune: contrabaixo | Orquestra de Cordas de São Petersburgo. Regência: Maestro Kleber Augusto || Faixa 4: Lui Coimbra: voz e violoncelo || Faixa 5: Lui Coimbra: voz, violões, teclados e samplers | Naná Vasconcelos: caixa | Marcos Suzano: percussão | Beto Lemos: rabeca | Sergio Chiavazzoli: guitarras | Pedro Aune: contrabaixo | Coro ‘Tá Caindo Flor’ + Estrela Blanco, Gaby Porto, Nina Reis, João Alves e Jules Vandystadt || Faixa 6: Lui Coimbra: voz e violão | Zeca Baleiro: voz (participação especial) | Marcos Suzano: percussão | Sergio Chiavazzoli: bandolim | Jules Vandystadt: arranjo vocal | Coro: Estrela Blanco, Gaby Porto, Nina Reis, João Alves e Jules Vandystadt || Faixa 7: Lui Coimbra: voz, violão, violas e samplers | Marcos Suzano: pandeiro e percussão | Tuca Alves: cavaquinho e guitarras | Pedro Aune: contrabaixo || Faixa 8: Lui Coimbra: voz, violoncelo, violões, teclados e samplers | Pedro Aune: contrabaixo || Faixa 9: Lui Coimbra: voz, violoncelo, violões e teclados | Edu Szajnbrum: moringa e percussão || Faixa 10: Lui Coimbra: voz, violões, teclados e samplers || Faixa 11: Lui Coimbra: voz, violão e charango || Direção musical e arranjos: Lui Coimbra | Direção de produção: Renata Grecco || Gravações: Karué Estúdio por Lui Coimbra // SambaTown Estúdio por Marcos Suzano // Aprazível Estúdio por Phillipe Doudou | Mixagem: Lui Coimbra / Kuaré Estúdio | Masterização: Lucas Ariel /estúdio Biscoito Fino || Design da capa: Rafael Abrahamian Grecco / sobre foto de Leo Aversa | Fotos: Leonardo Aversa | Assessoria de imprensa e redes sociais: Miriam Roia e Vivi Drumond | Realização: Aquarela Carioca Produção de Arte e Biscoito Fino | Selo/distribuição: Biscoito Fino | Formato: Digital | Ano: 2023 | Lançamento: 23 de junho | >>> OUÇA AQUI O NOVO ÁLBUM <<<

revistaprosaversoearte.com - 'Roda_Flor', segundo álbum solo do cantor e violoncelista Lui Coimbra
Lui Coimbra – foto: ©Leo Aversa

LUI COIMBRA é cantor, violoncelista e compositor. Faz parte da tradicional linhagem dos “cantautores” brasileiros, mas com um diferencial: o violoncelo a tiracolo. Lançou “OURO e SOL” (2003) e “VIOLA PERFUMOSA” (com Ceumar e Paulo Freire), em 2018. Como instrumentista, seu violoncelo popular e peculiar pode ser ouvido em mais de três centenas de gravações e shows com artistas como Alceu Valença, Ana Carolina, Caetano, Zizi Possi e Ney Matogrosso. É arranjador e diretor musical do premiado álbum Senhora das Folhas, de Áurea Martins (indicado ao Latin GRAMMYs 2022), e compositor premiado de trilhas para TV, teatro e cinema. Todas estas suas múltiplas facetas estão presentes em “RODA_FLOR”.
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Série: Discografia da Música Brasileira / Canção popular / MPB.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske







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