Mônica Salmaso e André Mehmari celebram Milton Nascimento no disco ‘Milton’
A música de Milton Nascimento está entranhada na alma do povo brasileiro, é a trilha sonora do país há várias décadas. A atemporalidade de sua obra é tal, levando a crer que, de uma certa forma, ela sempre esteve presente nas ruas e matas do Brasil, mesmo antes dele existir. “Milton reúne um Brasil inteiro, traz uma ancestralidade, uma história de um Brasil profundo, que é nossa própria história e que vem na voz dele, tanto no som da voz e da alma, quando ele canta, como na escrita. É um pilar da cultura brasileira, ele coloca a gente nesse lugar, como se fosse uma catedral nossa”, exalta Mônica Salmaso. A relação dela e de André Mehmari com essa obra também vem dessa sensação de permanência e pertencimento. “Essa música é parte indissociável da minha vida”, afirma André. Juntos, lançaram ‘Milton’, pela Biscoito Fino, no dia 26 de outubro de 2022, quando se celebrou os 80 anos de um dos mais importantes artistas brasileiros. Mônica e André já percorreram algumas cidades brasileiras com o show homônimo, mas o projeto ganhou seu registro definitivo.
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Parceiros na música há muitos anos, eles se reuniram durante o período de isolamento para gravar o trabalho ‘Quarentena’, veiculado no youtube. Dentro do repertório, estava ‘Morro Velho’, composta por Milton Nascimento, que faziam em duo há vários anos. “Ficamos profundamente tocados com a mensagem que aquela música nos trazia e o que ela trouxe em nós mesmos como artistas. De modo que, quando surgiu a ideia de fazer um especial dedicado a um único autor ou autora, pensamos imediatamente no Milton, inspirados nesse encontro”, explica André. “Esta canção, que sempre foi emocionante de cantar e tocar, durante o isolamento na pandemia, com tudo o que estávamos sentindo, vendo, lendo, tomou enormes proporções emotivas tanto em mim, quanto no André”, complementa Mônica.

A escolha do repertório aconteceu de forma muito natural, como costumam ser os encontros entre os dois, parceiros há mais de 20 anos. Profundo conhecedor da obra de Milton, André deu autonomia para que Mônica escolhesse as músicas que gostaria de cantar. O único pedido foi a inclusão de ‘Paixão e fé’, uma composição de Tavinho Moura e Fernando Brant, imortalizada na voz de Bituca. “Eu sou um grande fã da produção do Milton desde a infância, conheço bem essa obra, que eu toco desde sempre. Então, quando chegamos ao nome dele para fazer o especial, dei carta branca para a Mônica escolher o repertório que ela quisesse cantar, porque não haveria ali nada que eu não quisesse fazer. O que caísse bem na voz dela, que ela quisesse cantar, eu toparia tocar”, pontua André.
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O processo de gravação também foi muito rápido. O disco foi gravado em um único dia, 14 de dezembro de 2020, no estúdio Monteverdi, em São Paulo. Além de piano, André toca também marimba de vidro. Teco Cardoso é o único músico convidado, participando de duas faixas: em ‘A terceira margem do rio’ toca flauta baixo; já em ‘Milagre dos peixes’, toca sax soprano. Mônica pontua que foi um processo mais dinâmico do que o usual: “diferente de outros momentos, esse foi um instante de criação muito rápido, a gente se encontrou, tinha a tonalidade, o tom das músicas combinado e tudo foi sendo resolvido ali. Então, foi realmente celebrar a gente estar junto e poder fazer música, os corações abertos e a criatividade solta e doida pra existir, pra fazer coisas boas. Também tem o fato que temos muitos anos de convivência musical, existe uma intimidade musical, o André sabe como eu canto, eu sei como ele toca, ele sabe como eu penso, por onde minha voz vai”.
O repertório traz ainda ‘A lua girou’, ‘Noites do sertão’, ‘Saudades dos aviões da panair’, ‘Canção amiga’, ‘Casamiento de negros’, ‘Credo’ e ‘Paula e Bebeto’, uma citação de ‘San Vicente’, além da leitura de um trecho de ‘A terceira margem do rio’, conto de Guimarães Rosa.
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Mônica e André não escondem o entusiasmo em apresentar esse trabalho e poder participar da celebração de 80 anos de Milton Nascimento. “É muito importante cantar as músicas do Milton, sobretudo no momento em que a gente politicamente está se desentendendo com a nossa identidade, não está reconhecendo essa identidade, esse lugar da nossa identidade da beleza, do afeto, de uma cultura das misturas, do sincretismo, das várias influências de que as culturas todas que o Brasil é formado fazem com que esse seja um país único, de uma cultura única, de um povo único”, enaltece Mônica. “Existe um humanismo profundo que emana da música (e da voz) de Milton que é algo de imenso valor e que devemos sempre reverenciar e amplificar. Mergulhar neste repertório sagrado ao lado da Mônica, num tempo de tantos desafios, foi das experiências mais marcantes e emocionantes de toda minha carreira. Navegar com paixão e fé por esse cancioneiro tendo a cumplicidade total desta genial parceira de longa data é se lembrar a cada compasso daquilo que é nossa essência primordial – e que os sonhos não envelhecem”, finaliza André.

Disco ‘Milton’ • Mônica Salmaso e André Mehmari • Selo Biscoito Fino • 2022
Canções / compositores
1. A lua girou (tradicional / adaptação Milton Nascimento)
2. Noites do sertão (Milton Nascimento e Tavinho Moura)
3. Saudades dos aviões da panair (conversando no bar). (Milton Nascimento e Fernando Brant)
4. Morro velho (Milton Nascimento)
5. A terceira margem do rio (Milton Nascimento e Caetano Veloso) / leitura de um trecho de “A terceira margem do rio” de João Guimarães Rosa; livro Primeiras Estórias.
6. Canção amiga (Milton Nascimento e Carlos Drummond de Andrade)
7. Casamiento de negros (Tradicional chileno / Adaptação Violeta Parra e Polo Cabrera)
8. Paixão e fé (Tavinho Moura e Fernando Brant)
9. Milagres dos peixes (Milton Nascimento e Fernando Brant)
10. Credo (Milton Nascimento e Fernando Brant) / citação de San Vicente (Milton Nascimento e Fernando Brant)
11. Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso)
– ficha técnica –
Mônica Salmaso (voz – fx. 1-11; handpan – fx. 5) | André Mehmari (piano fx. 1-4, 6-11; marimba de vidro – fx. 5) | Teco Cardoso (flauta baixo – fx. 5; sax soprano – fx. 9) || Gravado no estúdio Monteverdi, em São Paulo, 14 de dezembro de 2020 | Engenheiro de gravação, mixagem e masterização: André Mehmari | Arte/design: Ruth Freihof / Passaredo Design | Fotos: Dani Gurgel | Imagens de estúdio: André Mehmari e Teco Cardoso || Biscoito Fino – Direção geral: Kati Almeida Braga; Direção artística: Olivia Hime; A&R: Rafael Freire; Produção executiva: Jorge Lopes; Marketing: Marcela Maia || Assessoria de imprensa: Belinha Almendra / Coringa Comunicação | Selo: Biscoito Fino | Cat.: BF938 | Formato: CD físico / digital | Ano: 2022 | Lançamento: 26 de outubro | ♪Ouça o álbum: clique aqui // ♩Álbum completo no canal da Biscoito Fino.

Trecho do conto “A Terceira Margem do Rio”, de João Guimarães Rosa:
“Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
[…]
Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
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Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!””
– João Guimarães Rosa, do conto ‘A Terceira Margem do Rio’ / do livro ‘Primeiras Estórias’ Global Editora, 2025

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Publicado por ©Elfi Kürten Fenske