SOCIEDADE

‘A fixação do Bebê Reborn’, por Fabrício Carpinejar

Brincar de boneca é saudável para as crianças, mas sinaliza obsessão nos adultos.
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Não é exagero: trava-se na Justiça a disputa de um casal pela guarda de um bebê reborn, modelo hiper-realista de um recém-nascido, criado artesanalmente para se assemelhar o máximo possível, mantendo detalhes como cheiro, peso, textura da pele, veias, manchas, e cabelo implantado fio a fio.
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A sofisticação da réplica permite incluir respiração leve, sons e batimentos cardíacos. Custa até R$ 10 mil reais, dependendo do grau de personalização.

Pode parecer loucura, mas o caso é real e vem acontecendo em Aparecida de Goiânia (GO). Uma advogada compartilhou as informações: divorciados brigam para ficar com o brinquedo.
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Logo mais os bebês artificiais ocuparão os balanços das praças, sendo levados para creches, com pagamento de mensalidades, e para exames em hospitais, com a invenção de doenças.
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Estamos normalizando o inumano do comportamento. Procura-se uma boneca para dar banho porque não retruca, para alimentar porque não reclama, para cuidar porque não chora.

Sua condição estática traz um total controle. É uma adoração segura que nunca será amor.
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Porque o amor exige adaptação, construção recíproca de intimidade, lições de convivência.
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O hábito sequer deveria servir para combater o luto, pois o luto não tem substituição: é zelar pela ausência, de modo nenhum imitar uma presença. Não se cura o sofrimento com cópias.
 
Ainda que os dois a quatro quilos sejam os mesmos, você não estará dando colo a uma vida, e sim a um mero enchimento de vidro moído ou silicone.
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Colecionar nunca será educar.
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Enquanto isso, no Brasil, cerca de 5 mil crianças e adolescentes estão aptos para adoção.
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Só que eles não são acolhidos pelos preconceitos (nossos maiores defeitos de fabricação) dos 35 mil pretendentes, que não desejam maiores de 7 anos, grupos familiares ou crianças com algum tipo de deficiência.
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No fundo, anseiam por um equivalente do bebê reborn: até 4 anos, sem irmãos, sem história, vazio de esperança e que jamais cresça.
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Muitos mimam bonecos como se fossem filhos, e recusam filhos justamente por não serem bonecos.
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