sábado, agosto 9, 2025

A felicidade, por Paulo Baía

A felicidade raramente avisa quando chega. Ela não segue calendário, não se anuncia com trombetas nem bate à porta com antecedência. Muitas vezes, estamos tão imersos na rotina e nas preocupações cotidianas que nem percebemos quando ela escorrega pela fresta de uma tarde qualquer ou se esconde no sorriso de uma conversa leve. A felicidade, ao contrário do que tantos imaginam, não é planejada. Ela vem assim, distraída.
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É justamente no meio do comum que ela se manifesta. Não nas grandes celebrações, nem nos momentos solenes, mas nos pequenos intervalos em que a vida nos surpreende. Uma brisa suave, uma lembrança boa, um gesto simples — tudo isso pode carregar esse sopro de luz que invade sem pedir licença. Há algo de mágico nisso, como se o mundo piscasse o olho pra gente e dissesse: “agora”.

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Cornelie Wolff – A good laugh

E quando chega, a felicidade não é algo que se explica. Ela é sentida, como um rio que transborda dentro do peito. É um excesso que a razão não contém, uma presença que ultrapassa qualquer lógica. É corpo, é arrepio, é silêncio cheio de sentido. Nesse instante, tudo parece certo, mesmo que o mundo continue com seus ruídos e desalentos.
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Talvez por isso seja tão difícil capturá-la. Tentar engaiolar a felicidade é como tentar segurar o vento com as mãos. Ela vem no instante em que a vigilância adormece, quando o controle se desfaz. E por vir assim, tão de surpresa, ela também nos ensina algo importante: o valor de estar presente, de não esperar demais, de simplesmente viver.

A felicidade não pede licença, mas convida a uma dança inesperada. Quem aceita, sente o chão sumir sob os pés, como numa levitação suave. Por isso, é preciso estar aberto, mesmo sem saber, mesmo sem procurar. Porque é quando deixamos de exigir explicações da vida que ela resolve nos surpreender.
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No fim, talvez o segredo esteja na distração. Não no descuido, mas naquele estado leve em que não se espera nada e, ainda assim, tudo pode acontecer. A felicidade, então, não é um destino, mas um lampejo. E, às vezes, basta um momento para que tudo faça sentido.
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[Cabo Frio/RJ, 7 de abril de 2025 / Crônica 2]
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Paulo Baía – Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ

* Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor aposentado do Departamento de Sociologia da UFRJ. Suburbano de Marechal Hermes, é torcedor apaixonado do Flamengo e portelense de coração. Com formação em Ciências Sociais, mestrado em Ciência Política e doutorado em Ciências Sociais, construiu uma trajetória acadêmica marcada pelo estudo da violência urbana, do poder local, das exclusões sociais e das sociabilidades periféricas. Atuou como gestor público nos governos estadual e federal, e atualmente é pesquisador associado ao LAPPCOM e ao NECVU, ambos da UFRJ. É analista político e social, colunista do site Agenda do Poder e de diversos meios de comunicação, onde comenta a conjuntura brasileira com olhar crítico e comprometido com os direitos humanos, a democracia e os saberes populares. Leitor compulsivo e cronista do cotidiano, escreve com frequência sobre as experiências urbanas e humanas que marcam a vida nas cidades.
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