Sou um católico civil. Carrego em mim a doçura franciscana, o silêncio beneditino, a disciplina jesuíta e a lucidez sociológica de Durkheim. Não sou um devoto das certezas, mas um peregrino do sagrado que habita o mundo: aquele sagrado que não se enclausura em templos, nem se prostra diante de ídolos ideológicos. Em mim não há dogma petrificado, mas uma fé em permanente construção, alimentada pela beleza da justiça, pela esperança da fraternidade e pela chama viva da comunhão entre os diferentes. Meu altar é o espaço público, onde se partilham o pão, a palavra e o futuro.
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Na escola dos franciscanos, aprendi que tudo é irmão: o sol, o pobre, a árvore, o tempo, a lágrima. O evangelho de Francisco me ensinou a descalçar os pés diante da terra e a sorrir diante do desamparo. Na sua pobreza, descobri a dignidade do simples. E ali compreendi que há mais fé num gesto de ternura do que em mil discursos inflamados. O mundo, tão ferido, clama por essa espiritualidade desarmada, onde a humildade não é fraqueza, mas resistência profunda contra a arrogância dos que se julgam donos de Deus.
Com os beneditinos, entendi que o sagrado pulsa no cotidiano. O trabalho, o cuidado, o silêncio, o ritmo: tudo pode ser oração. A vida comunitária, com suas regras, não aprisiona; liberta. Há uma pedagogia da constância, um evangelho da rotina, uma beleza no gesto repetido com amor. Ser beneditino é fazer do tempo um sacramento, do ofício um serviço, da escuta uma ética. A liturgia da existência não está nas grandes comoções, mas na delicadeza com que se arruma a mesa, se rega uma planta ou se acolhe um estranho.
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Dos jesuítas, herdei a inquietação intelectual e o rigor do discernimento. Nada deve ser aceito sem reflexão. Fé e razão, para mim, são irmãs de sangue. A espiritualidade inaciana é minha bússola: rezar com os pés no chão, pensar com o coração, amar com inteligência. Não temo as dúvidas; elas são as perguntas de Deus em mim. O mundo é vasto e complexo demais para ser capturado por slogans ou versículos soltos. Meu cristianismo é inquieto, peregrino, habitado por perguntas que não cessam. É nesse movimento que respiro.
Durkheim me revelou que toda sociedade precisa de um laço simbólico, de uma moral comum, de uma religião civil que não seja opressora, mas agregadora. Sou católico civil porque acredito que a pátria não é um ídolo, mas um projeto de convivência. A bandeira é um tecido, mas também um pacto. O hino é uma melodia, mas também um chamado. Ser cidadão é um ato litúrgico. Votar, ensinar, cuidar, escutar: são ritos de pertencimento. E, como católico civil, não quero um Estado confessional, mas um Estado que abrace a dignidade sagrada de todos os corpos, credos e causas.
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Frequentar templos, mosteiros, igrejas, missas, atos litúrgicos e festejos populares é, para mim, um bálsamo, uma alegria recatada. Não vou em busca de milagres espetaculosos, nem de absolvições instantâneas; vou em busca de silêncio, de canto, de comunhão. Há algo de profundamente humano em acender uma vela, ajoelhar-se ao lado de estranhos, ouvir um sino ao entardecer. Esses lugares sagrados são casas de alma, abrigos da existência, respiros de eternidade no tempo. Entrar num templo é como voltar ao ventre da linguagem, onde o mundo ainda faz sentido porque é cantado, rezado e partilhado.