quarta-feira, agosto 20, 2025

Esquentados e requentados – uma crônica de Fabrício Carpinejar

Os esquentados, os passionais e os ciumentos correm grandes riscos com a comunicação imediata.
.
Podem acabar a relação por um SMS, um WhatsApp ou um email e não tem como pedir de volta as mensagens em caso de arrependimento.
.
E todos se arrependem: ou por uma palavra agressiva ou pelo tom debochado ou por não refletir um pouco mais.

Imbuídos do sentimento de vitimização e de injustiça, apelam para ataques frontais. No momento da raiva, jamais cogitam a hipótese do erro. Estão convictos de sua atitude porque não aguentam mais sofrer.
.
Curiosamente todos os grandes sofrimentos são gerados por alguém que não deseja mais sofrer.
.
Depois de enviar, é esperar o estrondo do outro lado. Não tem como cancelar a operação militar.
.
Esses sujeitos deveriam substituir a caixa de saída pela pasta rascunhos, com uma hibernação obrigatória de vinte e quatro horas.

Como não virá resposta da grosseria, o sujeito mudará de ideia ao longo do dia. E manda uma, duas, três mensagens diferentes, contemporizando o que disse, até pedir desculpa ao final, sem nenhum contra-argumento.
.
Ele usa as mensagens para pensar, não pensa antes das mensagens.
.
Passa a conversar sozinho, endoidecido, inventando o que sua companhia estaria respondendo se tivesse tempo de responder.
.
Ou seja, começa o dia cheio da razão e anoitece arrependido de sua cólera.

De louco fica sendo um chato. Só um chato briga sozinho, reata sozinho, chora sozinho e seca as lágrimas sozinho.
.
Certamente sua namorada ou seu namorado se verá com mais vontade de se separar. Afinal, louco tem seu charme, chato não.
.
No lugar da tecnologia, defendo os bilhetes escritos à mão. São superiores no trato amoroso, flexíveis.
.
Primeiramente, podem ser compreendidos errados, o que salva qualquer relacionamento. A dúvida é amor, a certeza é o fim.
.
Magda estava ansiosa para encerrar o namoro com Lucas. Moravam juntos há dois anos.
.
Deixou um bilhete na geladeira, preso com ímãs de melancia e foi trabalhar.
.
“Pode arrumar tuas coisas, não aguento mais. Não me espere para a janta.”

Quando Magda chegou em casa, estranhou o perfume de lavanda, a casa limpa, límpida, brilhante. Lucas entendeu que ela reclamava de sua bagunça e tratou de faxinar o apartamento. Guardou seus tênis e roupas espalhados, organizou os livros, criou caixas com seus pertences.
.
Ficaram juntos, evidente, pois Magda terminou envergonhada diante da incompreensão e faceira com a repentina mudança de comportamento.
.
Além de românticos e imprecisos, os bilhetes são naturalmente removíveis.
.
Vitor, por exemplo, decidiu pôr um ponto final em seu casamento de quatro anos com Elisabete.

Redigiu uma longa carta de despedida, explicando os motivos do desinteresse e a tristeza da ruptura, que não desejava magoá-la, mas não tinha jeito. Colocou o envelope em destaque em cima do tampo de vidro do fogão, e saiu para o serviço logo cedo.
.
Quando voltou para o almoço, disposto a reunir suas coisas, sua esposa não tinha ainda acordado, era folga dela e ele não sabia.
.
Ele releu o testamento e jogou fora.
.
Elisabete jamais soube do fim do casamento e permanece casada até hoje com Vitor.
.
O sono cura qualquer crise. Mesmo que seja o sono dos outros.
.
— Fabrício Carpinejar, crônica publicada originalmente na revista “Vida Breve”, em 9.7.2014.


ACOMPANHE NOSSAS REDES

ARTIGOS RECENTES