O sábio, ao acordar, chamou seu assistente: “Tive um sonho”. O assistente trouxe a bacia para o sábio lavar o rosto.

Vivemos um sonho dentro de um sonho. Quando acordaremos? O que é o despertar? Lavar o rosto.

No momento de sair da cama, esteja presente. Qual a temperatura do chão? Do chinelo? Da sandália? Do sapato? Treinar a plena atenção de estar presente no agora. A mente quer divagar. Quer ir para o ontem. Fugir para o amanhã. Às vezes fala demais. Como se mil vozes nos puxassem para mil locais. Retorne ao agora. Retorne ao contato simples do tato.

Seis sentidos: são os cinco mais a consciência. Essa consciência é uma grande gerenciadora de tudo o que percebemos. Dentro e fora. Fora e dentro. Há dentro e fora?

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Na China antiga, houve um abade muito sábio. Pessoas vinham de todas as partes procurá-lo. “Qual a essência dos ensinamentos verdadeiros?” Ele não se cansava em responder: “Tudo o que existe no céu e na Terra é como uma joia arredondada, sem dentro nem fora. Somos a vida da joia. Não viemos de fora. Não vamos para fora”.

Vamos jogar o lixo fora? Fora de onde? Fora da casa. Fora da casa é na rua. Fora da rua é no mato, é no mar. A rua, o mato, o mar são a nossa casa. A nossa casa comum, o planeta Terra.

Leonardo Boff sugeriu que, na abóboda do edifício principal da Organização das Nações Unidas, fosse desenhada a Mãe Terra. “Nossa Mãe comum. Não devemos querer mal à nossa mãe. Precisamos cuidar dela.” O cuidado amoroso com a vida da Terra, com a nossa vida.

O budismo tibetano explica às crianças que aquela formiguinha ali é sua vovó. “Você gostava da vovó, não gostava? Logo, não a maltrate.” Meio expediente. Compaixão é encontrar meios expedientes. Hoje eu não mato nem mesmo aquelas formiguinhas bem pequenas que surgem na pia quando está calor. Simplesmente as assopro. Tento não matá-las. Quando acontece, me entristeço. Parece tolice, pois na verdade uma forma de vida vive de outra forma de vida. Mas eu não vivo de formigas. Posso afastá-las.

Da mesma maneira, podemos afastar pensamentos nefastos, ideias obtusas. Basta soprar. Soprar de leve, para não ferir e não assustar.

O pequeno besouro me chamou lá da piscina. Coloquei minha mão e ele subiu. Senti suas patas se firmando na minha pele. Lembrei-me da história de um monge que salvara um escorpião. Quando estava colocando o escorpião à beira d’água, levou uma picada. Quem estava por perto o criticou, mas ele disse: “É da natureza do escorpião picar. É da minha natureza o salvar”.

Monja Coen, no livro “A sabedoria da transformação: reflexões e experiências”. Editora Planeta, 2014.

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