II – O meu olhar é nítido como um girassol.

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…

8-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. em “Poemas de Alberto Caeiro”. [Heterônimo de Fernando Pessoa].. {Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor}. Lisboa: Ática, 1946; 10ª ed., 1993.

Fonte: Arquivo Pessoa

Mais sobre e com Fernando Pessoa
Fernando Pessoa – o poeta de múltiplos eus
Fernando Pessoa (poemas e textos)







Literatura - Artes e fotografia - Educação - Cultura e sociedade - Saúde e bem-estar