“Aqui é preciso correr o máximo que se pode para ficar no mesmo lugar.”
– Lewis Carrol, no livro “Alice no País das Maravilhas”.

Obra de Lewis Carroll será um enigma para sempre?

Depois de 152 anos, ainda amamos ler sobre (ou assistir) as curiosas aventuras da garotinha no País das Maravilhas. Alguma coisa nesse livro o tornou um clássico atemporal, uma história fascinante que alcançou um público muito maior do que as crianças do século 19.

Parte do motivo é que “Alice no País das Maravilhas” foi um ponto de virada na literatura infantil. Livros mais antigos e outras histórias para crianças tinham um foco na educação moral. A maioria dos livros estava lá para te ensinar como ser um bom garotinho ou uma boa garotinha, em vez de entreter e provocar a imaginação. Mas Lewis Carroll mudou tudo isso.

Em vez de instruir a criança, Carroll centrou a sua narrativa em uma garotinha que dava broncas em adultos, em um mundo no qual tudo é confuso. Alice dá conselhos de boas maneiras e reprime os habitantes do País das Maravilhas por serem indelicados e loucos. Ela entende que adultos não são confiáveis, são ilógicos e, de certa forma, insanos. É uma reversão completa da maneira com que adultos e crianças eram retratados na literatura.

revistaprosaversoearte.com - Alice no País das Maravilhas ainda é um mistério
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol – ilustração Sir John Tenniel

O resultado é hilário: o humor irreverente do livro apela para a natureza anarquista da criança. Por exemplo, um verso bem conhecido e respeitado daquela época ganha uma paródia do chapeleiro louco. Ele recita: “Brilha, brilha morceguinho/ Brilha bem devagarinho / Desce, desce vem pousar cá/ No bule do meu chá” – alguém lembrou de ‘brilha brilha estrelinha’? Como resposta, Alice acaba entregando uma versão cômica do poema ‘The Old Man’s Comforts and How He Gained Them’, de Robert Southe.

A história de Carroll faz piada com o sistema de educação vitoriano. Alice usa longas palavras que ela não compreende porque elas parecem importantes. Na escola, a Falsa Tartaruga diz que aprendeu ‘diferentes galhos da aritmética’ e ‘ambição, distração, enfeiamento e escárnio’. Brincadeiras com palavras, humor, paródias e reversão de papéis são os ingredientes de livros infantis hoje graças à Carroll.

A interpretação dos mistérios

O motivo pelo sucesso de Alice em várias partes do mundo é mais complexo, mas pode estar relacionado a percepções sobre a essência britânica do livro. O País das Maravilhas tem uma rainha, festas e chás, jogos de croquê e empregados domésticos. A visão nostálgica de uma sociedade vitoriana idealizada faz parte dessa atração. São os mesmos ingredientes que tornaram Downton Abbey e Harry Potter tão famosos.

Mas, de forma mais intrigante, exista uma sugestão de que o livro tem seu lado obscuro. Foi sugerido, com frequência, que as comidas mágicas que Alice consome são uma alusão às drogas. Ela come cogumelos mágicos, afinal, enquanto conversa com uma lagarta que fuma. É uma intepretação da cultura pop, baseada na forma com que as sequências dos livros foram analisadas por gerações mais novas – notavelmente a cultura hippie dos anos 60 e 70. Mas é uma ideia popular ainda hoje, como é demonstrado pelas cenas de abertura de “Matrix”.

Talvez ainda mais preocupantes sejam as dúvidas sobre o interesse de Lewis Carroll em Alice Liddell, a garotinha na qual a história foi inspirada e para quem ela foi originalmente escrita. Lewis gostava de fotografar menininhas o que, hoje, pode parecer bastente suspeito. E apesar de pesquisas recentes terem provado que essas suspeitas não fazem muito sentido, os rumores continuam voltando.

Sempre um enigma?

Cada vez mais leitores exploram o texto, em busca de significados ocultos. Em uma interpretação, a história baseada em um sonho é uma metáfora para uma jornada interior, em direção às vontades incontroladas do subconsciente. Afinal, a Alice ameaça comer vários personagens do País das Maravilhas, talvez refletindo o estágio oral de Freud de desenvolvimento psicosexual. Vários personagens perguntam a ela ‘quem é você’ – e nem sempre ela responde de uma forma clara.

Talvez seja uma alegoria a como é difícil o processo de crescimento, representado pelo despertar literal de Alice no fim da história. A busca por um significado mais profundo tornou a história mais cativante do que todos os aparentes encontros nosense da garotinha.

Por fim, Alice no País das Maravilhas é um exemplo maravilhoso de ‘texto aberto’ – um texto que pode significar o que você quer que ele signifique, dependendo de sua perspectiva. Ele se transformou em folclore, em um meme que adoramos reproduzir. Contos de fadas sobrevivem porque são versáteis: eles podem significar coisas diferentes em contextos diferentes. Alice no País das Maravilhas se transformou em um conto de fadas moderno e, sem dúvida, continuará a ser transformado e adaptado nos próximos anos.

152 anos de Alice, vale a pena lembrar que é uma história escrita por um matemático. Carroll iria adorar saber que seu livro continua sendo um enigma que muita gente tenta resolver.

*Dimitra Fimi é professora de inglês na Cardiff Metropolitan University. Esse texto foi publicado primeiramente no The Conversation, 7/2015. Leia o original aqui.

Fonte: Revista Galileu







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